Agentes socioeducativos terão armas fora do trabalho

Agentes responsáveis por menores entre 12 e 17 anos, além de jovens de até 21 anos, poderão portar arma de fogo fora do ambiente de trabalho em Minas Gerais. Projeto do deputado Cabo Júlio (PMDB) causa polêmica ante as precárias condições das unidades de detenção de menores.


por Lucas Simões

Foto: Sesp-MG/Divulgação

Alinhado ao discurso de Jair Bolsonaro de “garantir a segurança do cidadão de bem”, o deputado estadual Cabo Júlio (PMDB) conseguiu aprovar projeto de lei que autoriza o porte de armas para agentes de segurança socioeducativos em Minas Gerais. Aguardando apenas a sanção do governador Fernando Pimentel (PT), o PL 1.973/15 permitirá que os servidores responsáveis pela guarda de menores infratores possam portar armas fora do horário de serviço, nos deslocamentos para casa e trabalho, e também nos dias de folga. A medida causa polêmica ante as precárias condições de trabalho dos atuais agentes socioeducativos e dos centros de detenção e de semiliberdade para menores.

O deputado Cabo Júlio se apoiou no fervoroso debate em torno do Estatuto do Desarmamento para conseguir a aprovação do PL em segundo turno na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), no último dia 19 de dezembro. Sancionada pelo ex-presidente Lula, a lei federal proibiu em 2003 o porte de armas a civis em todo o território nacional, além de enrijecer as regras para portes de arma para profissionais, como agentes de segurança. Atualmente, porém, várias propostas no Senado tentam revogar a medida, como pretende o senador Wilder Morais (PP-GO), que defende a realização de um plebiscito no mesmo dia das eleições de 2018 para que qualquer cidadão maior de idade possa ter o direito ao porte de armas de fogo.

“Hoje, o Estatuto do Desarmamento, que deve passar por reformulações, garante aos agentes de segurança o porte de arma no Brasil. Em Minas, temos dois tipos de agentes: os penitenciários e os socioeducativos. E só esses últimos não tinham direito a portar arma. Eles trabalham escoltando não só adolescentes, mas também presos de até 21 anos. O projeto vai garantir a segurança desses trabalhadores, que poderão estar rmados enquanto voltam para casa, por exemplo”, disse o deputado Cabo Júlio.

Parte do texto do PL ainda faz menção à questionada redução da maioridade penal, alegando que “em um momento em que a sociedade brasileira impulsiona o Congresso Nacional a discutir a mudança na Constituição Federal com vista ao debate sobre a maioridade penal, não podemos nos eximir da realidade de que as grandes facções criminosas têm em seus quadros adolescentes, muito deles com extensa ficha de homicídios, latrocínios, tráfico de drogas e estupro”, diz texto assinado pelo deputado Cabo Júlio.

Essa análise também se apoia na elevação estatística da violência relacionada aos centros socioeducativos no Estado. Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública de Minas Gerais (Sesp-MG) mostram um aumento de 20% nas agressões contra os agentes nos últimos dois anos — enquanto em 2016 foram 56 agentes agredidos, ano passado esse número subiu para 70. O mesmo cenário aparece no levantamento sobre as fugas internas, que passaram de 35 para 59 no mesmo período. Apenas as fugas externas (relacionadas a regimes de semiliberdade) tiveram uma queda, de 110 casos para 79.

Foto: Site Oficial Cabo Julio

Para Rômulo Assis, agente socioeducativo e diretor financeiro do Sindicato dos Servidores Públicos do Sistema Socioeducativo do Estado de Minas Gerais (Sindsisemg), o porte de arma “está longe de resolver o problema de agressões e fugas do sistema socioeducativo”, disse. “Um colega meu teve o carro alvejado de bala e outro quase foi atingido. É aquele negócio: você não deixa de ser agente quando sai da casa de detenção e corre, sim, riscos. Mas não digo que a arma vá resolver, porque querendo ou não, tem que fazer uma avaliação, nem todo mundo vai poder ter uma arma. E ainda vamos continuar com vários problemas urgentes, como um concurso público que não saiu, a falta de efetivo, que permite essas fugas e piora todo o sistema”, critica Rômulo.

“Tem lugar que é um agente para cinco ou dez vinte menores. Aí não dá, é um risco durante qualquer atividade”, critica o ex-agente socioeducativo Marcos Aparecido, de 39 anos, hoje segurança particular. Ele trabalhou por um ano como terceirizado do Estado, mas desistiu da profissão após sofrer duas ameaças. “Eu parei de ser agente porque fui ameaçado duas vezes fora do trabalho, rondaram minha casa, apedrejaram meu carro. Mas eu ia fazer o que com uma arma, se eu tivesse uma garantida por lei? Matar o adolescente? É assim que a gente vai resolver? Lá dentro das prisões vai continuar a mesma coisa”, completa Marcos.

Segundo o PL, o porte de arma constará na Carteira de Identidade Funcional do agente socioeducativo, a ser confeccionada pelo Estado. A única restrição é para os agentes que estejam em licença médica por doença que contraindique o porte de arma ou para aquele que esteja sendo processado por infração penal. O governador Fernando Pimentel tem até o dia 15 de janeiro para sancionar ou vetar a proposta.

Cenário

Atualmente, o sistema socioeducativo de Minas Gerais abriga 1.728 menores infratores, sendo 1.330 adolescentes cumprindo medida socioeducativa, além de 200 em semiliberdade e outros 198 em internação provisória — todos com idades entre 12 e 17 anos, além daqueles até os 21 anos que ainda cumprem penas por crimes cometidos quando eram menores. Para dar conta dessa população, o Estado dispõe de 2.092 agentes, sendo que 1.150 profissionais, quase a metade deles, são terceirizados, segundo o Sindisisemg.

“Nós pleiteamos há muito tempo que todos sejam contratados, que não haja terceirizados. Além disso, o número ideal de agentes para o Estado é de 3.600 profissionais. Então, hoje nós temos um déficit de 1.500 agentes, o que complica demais nossa vida”, diz Rômulo Assis, do Sindisisemg.

De acordo com Assis, a ausência de agentes socioeducativos tem afetado diretamente a segurança dos profissionais e a rotina nas unidades de internação e semiliberdade, como os precários rodízios de aulas escolares. “Nenhuma unidade de Minas Gerais está conseguindo manter as aulas escolares regularmente. Está havendo um rodízio de aulas dentro das unidades. Onde deveriam haver 10 salas de aula funcionando, tem apenas 4 ou 5 porque não dá para tirar todos os detentos juntos pela falta de agentes para dar conta deles. Então, eles saem prejudicados com uma recuperação que não têm, com a educação da qual são privados, e nós também, com a insegurança”, completa Rômulo.

Apesar dos problemas, a Secretaria de Estado de Segurança Pública de Minas Gerais (Sesp-MG) alega que 91% dos adolescentes cumprindo medida socioeducativa no Estado estão matriculados na escola, com um índice de defasagem de 4 anos, sendo que quase 70% deles não estudavam antes.

Relatório

Em meio às críticas ao sistema socioeducativo, o governador Fernando Pimentel recebeu no mês passado um relatório com uma série apontamentos de falhas e incongruências das unidades de internação e semiliberdade, produzido em conjunto pelo Ministério Público, Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), setores da sociedade civil e as secretarias de Estado de Segurança Pública, de Trabalho e Desenvolvimento Social, Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania, além da Casa Civil e da Controladoria Geral do Estado (CGE).

Foto: Site Oficial Cabo Julio

O coordenador do grupo de trabalho, secretário de Estado de Planejamento e Gestão Helvécio Magalhães, admitiu que, até então, o governo sequer conseguia acompanhar o perfil dos menores em casas de internação ou semiliberdade. “Não tínhamos nenhuma informação sobre o que acontece, nem de como entra ou como sai do sistema (esses menores). Precisamos de um sistema que vá identificar desde o momento em que o menino abandona a escola, para que não chegue no sistema prisional e no sistema de Justiça”, disse, em entrevista à Agência Minas Gerais.

Apesar do anúncio das medidas, até agora a única ação prática do governo foi o início das reformas dos prédios que abrigam unidades para menores infratores nas cidades de Uberaba, Governador Valadares, Divinópolis, Sete Lagoas e Ribeirão das Neves. Ainda assim, segundo Rômulo Assis, do Sindsisemg, algumas reformas correm o risco de não ser terminadas por falta de verba.

“Há o risco de perder a verba para algumas obras porque deveriam ter ficado prontas em 2017, como a de Uberaba. Então, é um assunto complicado”, disse. Além disso, o relatório aponta a necessidade da retomada das obras nas sete unidades de Internação Provisória de Belo Horizonte (Dom Bosco, Santa Helena, Santa Clara, Santa Terezinha, Lindéia, Horto e Andradas).

Ainda segundo o relatório, está em fase de licitação a contratação de projetos de reformas para as demais unidades socioeducativas. Hoje, a Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) é responsável por 36 unidades no Estado, sendo 24 centros socioeducativos, 11 casas de semiliberdade e um Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente de Ato Infracional (Cia-BH).

Também está em fase de estudos, segundo o relatório, a implantação de uma série de novas construções no Estado. Neste ano, serão inaugurados dois novos centros de internação, ainda no primeiro semestre, de acordo com a Sesp: em Passos e Tupaciguara, cada um com 40 vagas. Para 2019, o governo estima a construção de oito novos centros de internação nas cidades de Alfenas, Bom Despacho, Janaúba, Lavras, Diamantina, Santana do Paraíso, Betim e Araxá, com um investimento de R$ 8 milhões.

Juntamente com obras, a Sesp também informou que pretende abrir 1.123 vagas no sistema socioeducativo até 2019, sendo 840 delas para regimes de internação. Apesar de não informar uma data para o concurso público e admitir o déficit de agentes socioeducativos, a Sesp afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que “já deu início aos trâmites necessários para a realização de processo seletivo simplificado e/ou concurso para a contratação de agentes socioeducativos, com o objetivo de recompor o quadro de vagas dos Centros Socioeducativos”.