Autoentrevista do poeta Righi

Fernando Righi em entrevista lírica e hilária concedida ao seu alter ego


 

SERVIÇO: Fernando Righi lança no sábado, 27 de maio, de 11h às 14h, na Asa de Papel Café & Arte (Rua Piauí, 631 – Santa Efigênia), “Pelos Cantos dos Canteiros”, inventário divido em quatro partes, atadas por um jardim imaginário. Este é seu 12° livro, o oitavo de poesias.

Fernando Righi é poeta, jornalista, músico e contista, ligado ao movimento dos escritores “sem editora e sem fama”. Aos 52 anos, o mineiro de Belo Horizonte não venceu o Prêmio do Governo de Minas Gerais de Literatura 2016 e nem os anteriores, já que não envia suas obras a esses certames. “Não acredito em premiações e tampouco em academias. Já passei raiva suficiente com gerentes de Recursos Humanos analisando meus currículos”, resmunga.

Contudo, apesar da certeza de jamais ser indicado a um Prêmio Jabuti de Literatura ou de surgir em páginas de publicações especializadas, ele criou um universo respeitável, com a publicação de oito obras de poesia, quatro de prosa e um ensaio sobre as obras de Beethoven. Sua linguagem é alegremente irônica e repleta de reflexões filosóficas, para tratar de situações corriqueiras e dos grandes temas na mente da humanidade desde antes da invenção escrita – amor & indiferença, sexo & culpa, morte & redenção, o sentido da existência.

Foi com sua obra de estreia, publicada pela primeira e única vez em 2005, que o autor deu as primeiras mostras de seu admirável talento. Os poemas de “Estrelas nos Olhos, Vaga-lumes na Cabeça” nasceram de um período em que Fernando escrevia incessantemente. Apesar de muitos e variados, abordando temas tão diversos, seus poemas possuem uma unidade, uma fala peculiar e sofisticada que somente ele poderia plasmar, já que nasceram da angústia de porres homéricos e de viagens psicodélicas por este e outros mundos.

No prefácio de “Estrelas nos Olhos”, o então editor de cultura do Hoje em Dia, Roberto Mendonça prenunciava: “Fernando, um dos protagonistas do apagar das luzes daquele desvario de trinta anos atrás, revolve reflexões de vida e morte, sexo, drogas e rock’n’roll, agora como quem, metido nestes dias do aculturado industrial, compreende as lições do tempo”. Mendonça encerra seu depoimento, observando “poesia da melhor qualidade, das mãos de um escritor acima de qualquer suspeitas e das divergências socialistas”.

Fernando Righi sabe como ninguém retratar a alma de gente comum e os sentimentos urbanos em seus poemas, contos e outras prosas. Acostumado a verbalizar em sua obra a perplexidade e o desencanto, norteados por todas as cores, – uma das características de seu estilo único –, o poeta mineiro recriar a vida da grande cidade e de nosso tempo por meio de uma linguagem inovadoramente multirreferencial e despida de pudor acadêmico.

Como no ditado “Casa de ferreiro, espeto de pau”, ele não gosta de entrevistas. Mas abriu uma exceção ao nosso site, quando soube de nossa proposta independente e completamente avessa ao mainstream. Fizemos um rápido bate-bola com ele, repleto de desmedidas, no contrapé de suas mudanças de humor.

Fale um pouco de sua infância e porque escreve poesia?

Fernando Righi – A minha vida é a minha infância em estado de incompletude. Sou um menino híbrido de peles, folhas e pedras. Escrevo poesia porque sou e também porque nada sou. Vivo e desvivo em cada página. E continuo a sonhar com um carrinho de bombeiros bem vermelho, com uma escada retrátil para mais de metro, que me foi prometido.

Qual a cor do sonho e qual a cor da realidade?

FR – Depende da luz que o dia fornece. Hoje estou de vermelhidões, por isso conversamos. Mas sonhei em amarelos. Então, enxergo hoje uma realidade que contem alaranjados. Mas amanhã tudo pode azular. Quem sabe o dia que a noite vai parir?

O poeta finge ou verte sangue? Qual a verdade do poema?

FR – Segue sozinho o poeta que jura mentiras e não assume os pecados. A verdade do poema é a do leitor atento. Como há muita gente pastando por aí, o poema quase sempre parece mentiroso ou suspeito.

Poesia de amor ou de estranhezas?

FR – É tudo a mesma coisa. Nas “entranhezas”, o amor pela pedra, pela árvore, pela vagina e pelo beijo que ganhei de manhã. Poesia não tem roteiro, mas precisa coarar no varal por um tempo. Receber vento da manhã e cocô de passarinho, senão não funciona.

Qual o estado ideal para a poesia? Nos sólidos que se desmancham no ar da contemporaneidade?

FR – Acho que o líquido. Há dois séculos Marx & Engels, não necessariamente nesta ordem, preconizaram “que tudo que é sólido se desmancha no ar”. Então, bem antes das cogitações de Bauman, a poesia tem se moldado aos imperativos da saliva, do sêmen, do café expresso, da cachacola, do gim com fanta uva ou da dose do conhaque Dreher que muito bebi. Poesia é fluída, sabe? Me paga uma cerveja para animar o papo?

(Após se contentar com um chope) Quais os elementos necessários para uma boa poesia?

FR – Água, terra, fogo, ar e a madeira que gerou esta mesa ou a página de um livro. Mas é necessário também embrulhar seu entendimento em folhas de bananeira e reinventar constelações. Seu signo é Capricórnio? Ah, já que não temos outono por aqui, aposto que você gosta do vento da tarde que carrega as folhas para longe… Escrevi um haicai sobre isso ontem. Mas voltando ao assunto, boa poesia é feita de escuros também. Lembra daquele canto da casa que lhe metia medo quando criança?

Música ou palavras?

FR – Tudo sem medida até que caia no papel. São artes ligadas ao tempo e ambas vêm do cachaprego interior, daquele tão fundo que nem nome tem. Somos feitos da mesma matéria das galáxias. Então, há muitos mundos a serem explorados no dentro de cada um. Há música e poesia para encher olhos, ouvidos e boca. Mas é preciso saber lançar a tarrafa, senão elas fogem saracoteando de volta para os nossos escuros. Por isso, é preciso sossego e desamolação. Gosto de pescar em noite de lua. Mas a manhã de tanta luz também translucida.

Escrever para si ou para outrem?

FR – Escrever para ser amado, querido, bajulado. Escrever para impressionar garotas ou garotos também, se for o caso. Escrever para beber de graça no botequim da esquina e também para limpar as gavetas da memória. Escrever para exorcizar fantasmas e se livrar de dores inconfessas. Você bem que podia me pagar mais um chope. Ando com uma dor nas costas… Acho que foi praga de um personagem que venho desenvolvendo num conto. Ele não está gostou de como o retratei e barulha meu inconsciente. Tenho me debruçado por horas sobre a tela do computador. Já disse a ele que não aceito chantagem e nem pirraça. Existem uns personagens muito rebeldes, você nem imagina…

(Após se regalar com mais um chope) Quais poetas você gostaria de levar a um botequim da av. Paraná?

FR – Os de copo raso, para beber suas inspirações. Castro Alves, Dylan Thomas e Leminski ficam de castigo na estante, por demais transbordantes de idéias, metáforas e transcendências.

E quais ficariam esperando na rodoviária?

FR – Aqueles que não veem a escuridão nas suas palavras cheias de luz ou incapazes de ver brilhos em seus nublados.