A chance econômica de uma reforma política


Por João Gualberto Jr.

Foto: Antonio Cruz -Agência Brasil

Uma reforma política que fosse digna do termo seria a reforma das reformas. No ideal, um aprimoramento das legislações eleitoral e partidária ampliaria a transparência na relação entre as instituições e a sociedade, reduziria os custos e a corrupção do sistema, aumentaria o interesse do cidadão para as atividades de Executivos e Legislativos, em suma, fortaleceria a representatividade e, assim, a democracia. Mas os obstáculos para uma repactuação das regras são dois: um é que cada sujeito – inclusive os estudiosos do tema – tem uma reforma para chamar de sua, e criar consenso custaria batalhas e encarnações; e outro, as excelências a quem cabe a empreitada são avessas a mudanças.

 

De toda forma, vamos conjecturar sobre os benefícios de uma reforma política para aquém das abstrações da política com P maiúsculo. Especificamente, seria considerável sua importância para um controle fiscal sustentável do setor público – talvez tão ou mais relevante do que a da Previdência Social, por exemplo. Mexer nas regras da política só não é mais urgente e promissor do que uma auditoria da dívida pública

Mas por que esse suposto peso fiscal de uma reforma política? Por dois motivos, aliás, por duas fontes de despesa pelas quais respondem as estruturas de governo. Por diversos motivos, o presidencialismo de coalizão – conceito do cientista político Sérgio Abranches cunhado ainda na gestão Sarney – deu o que tinha que dar: faliu, ruiu, corroeu-se por dentro. O sistema presidencialista com nosso multipartidarismo fictício não se sustenta mais. São 35 partidos e 26 com deputado na Câmara, o quadro mais inflado numericamente de todas as grandes democracias do mundo. A segunda colocada é a França, que possui 24 legendas nacionais com acesso a um fundo público.

Considerando que a atual condição determina um considerável dispêndio de esforço político para a construção de uma maioria de sustentação com que se consiga governar, é de se suspeitar que exista uma correlação positiva entre custo fiscal e o tamanho do sistema partidário. É ingênuo pensar que menos partidos resultariam em estruturas de governo mais enxutas? Talvez sim, talvez não. Fato é que Dilma começou sua administração, em 2011, com 15 siglas na base, e Temer, em janeiro, dispunha de 11. Qual é a contrapartida para a composição com o governo, para se votar em favor de projetos de interesse do Executivo e a ele ser fiel? Ora, cargos, seja no primeiro, no segundo ou no enésimo escalão de ministérios, secretarias, autarquias e empresas estatais. Sem falso moralismo ou indignação seletiva, da forma como o jogo funciona hoje, não se governa sem fisiologismo e loteamento. São hienas que devoram o paquidérmico Estado abatido. O governo depende do Legislativo, e essa norma é basilar em qualquer democracia. Porém, o que não faltam no Congresso são bocas sedentas.

O presidente postiço, campeão histórico de impopularidade, reduziu por canetada o número de ministérios de 32 para 23 em setembro do ano passado, quando se apossou do Planalto. Em menos de um ano, a promessa de uma equipe mais enxuta e eficiente foi relativizada, e outas cinco pastas foram criadas. O desejo de oferecer uma melhor cobertura de políticas públicas ao cidadão, decerto, não foi o motivo para essa ampliação de espaços. Cargos em troca de apoio no Congresso, nada mais.

Além disso, para se segurar na cadeira, Temer, o único presidente denunciado por corrupção durante o mandato, para se livrar da acusação, liberou mais de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares apenas em junho, valor recorde para um mês. Independentemente desse podre contexto, R$ 6,3 bilhões são previstos em penduricalhos ao orçamento deste ano por indicação de deputados e senadores. A sangria poderia ser menor com um regramento diferente, que revisasse a prática de se oferecer gracejo aos currais eleitorais, seja pela redução na quantidade de partidos, de parlamentares, de comissões etc.

Outra bomba-relógio fiscal, esta fora do escopo partidário, é a do funcionalismo, os brâmanes de nossa sociedade. A tradição cartorial lusitana afluída no Brasil contemporâneo supera qualquer expectativa de Weber para a dominação política pela lei e pela Justiça. A Lava Jato com seus indomáveis paladinos de gravata é só uma demonstração disso. Quem ocupa mandato eletivo no país come nas mãos das castas privilegiadas dos Três Poderes, que habitam em um orbe blindado a crises.

Hoje, é um escárnio aos ouvidos de 14 milhões de desempregados o empenho de bilhões de reais em auxílio-moradia para magistrados e o aumento de 16% nos proventos de promotores e procuradores ou, mais ainda, de 41% nos de servidores da Justiça e do Ministério Público. Mas ai daquele parlamentar ou chefe do Executivo que tiver colhões ou prestigio para peitar essas benesses! Há que se encontrar algum artifício legal que aproxime da realidade brasileira nossa burocracia suíça.

É uma hipótese controversa o inchaço da máquina público e seu contingente excessivo de servidores. Apenas números apartados de uma análise quanto à qualidade do serviço prestado, afirmam especialistas, também é um caminho perigoso. Bem, não é necessário descrever qual é a percepção do contribuinte sobre a contrapartida que o Estado oferece pelo trilhão e pouco que paga em impostos.

E, a respeito de números, há uma tendência preocupante, sim. De fato, na comparação com países da OCDE, o Brasil tem menos servidores, cerca de 12% do total da população empregada, contra 20% a 25% nas nações de economia desenvolvida. Por outro lado, o peso salarial de nossa burocracia em relação ao PIB, também de aproximadamente 12%, equivale à do primeiro mundo, segundo a própria Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

Os dados que impressionam dizem respeito à projeção histórica e ao descolamento do funcionalismo federal frente à sociedade. Do segundo mandato de Lula até o ano passado, isto é, em uma década, o número de servidores cresceu 10%, atingindo a marca de quase 2,3 milhões. Contudo, no mesmo período, a massa salarial desse grupo saltou 129% em valores reais. Para se ter uma referência de comparação, a valorização do salário mínimo acima da inflação nos 20 primeiros anos após o Plano Real, de 1994 a 2014, foi quase o mesmo: 142%, mas em um período duas vezes maior, frise-se.

Atualmente, o governo federal esbarra no limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal de comprometimento de 40% de suas receitas correntes líquidas com folha salarial. Está na tampa com essa rubrica, que equivale a R$ 260 bilhões ou 21% do orçamento da União.

Pois bem, no primeiro semestre, o governo Temer amargou o pior déficit primário (sem contar juros e amortizações de dívidas) para o período em 21 anos: rombo de R$ 56 bilhões. Mas uma das garantias da nova administração não era uma gestão fiscal mais responsável? Com a economia como está, estagnada, as despesas federais cresceram! O apetite sem fim de partidos e da casta burocrática brasileira responde em boa medida por esse buraco. Se uma administração fraca e ilegítima ocupa o Planalto e a Esplanada, as hienas se esbaldam para vender uma governabilidade igualmente pálida. Só o império da lei pode enquadrar a fome dessa turminha com temperos de realidade.

Política

João Gualberto Jr.

Jornalista, economista e cientista político.