Como transformar 52% de eleitoras em mais de 15% de mulheres eleitas no legislativo?

Aumentar a representatividade feminina nos cargos eletivos é um dos grandes desafios da disputa deste ano


Por Stephanie Bollmann – Para Campanha Libertas

Publicado em 02/10/2018

Foto: Isis Medeiros

Em vez de reservar 30% das candidaturas para as mulheres, especialistas defendem que poderiam ser garantidas 30% das cadeiras legislativas ao gênero feminino. É que a lei que estabelece a presença delas nas campanhas eleitorais como postulantes aos cargos políticos não tem sido eficaz, devido à falta de fiscalização e de punições para os partidos que não inserem, de fato, as mulheres no pleito.

“Alguns dos países que conseguiram aumentar a representatividade feminina utilizaram as cotas legislativas”, afirma a doutora em Ciências Políticas Daniela Rezende, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Daniela cita o exemplo bem-sucedido de Ruanda, onde foi estabelecido que 40% das cadeiras deveriam ser preenchidas pelas mulheres mais bem votadas.

Enquanto esses caminhos institucionais não se concretizam, as mulheres têm encontrado outros meios para aumentar a representatividade feminina nos espaços de decisão. Apesar da luta feminista na política acontecer há muitos anos, novos grupos e coletivos foram formados nestas eleições para tentar reverter o regime que tende a excluir as mulheres do processo eleitoral. A Campanha Libertasé um deles, criada para fiscalizar e dar destaque às candidaturas femininas em Minas Gerais, mas existem outros espalhados pelos demais Estados do Brasil. O Projeto Adalgisas, por exemplo, tem monitorado e produzido material sobre as candidaturas das mulheres pernambucanas – ele foi inclusive a inspiração para a Libertas.

Há ainda iniciativas que rompem as fronteiras estaduais e são voltadas para as candidatas de todo o Brasil, como o Campanha de Mulher. O projeto de comunicação foi idealizado pela Mídia Ninja para dar suporte de design, fotografia e assessoria de imprensa para campanhas femininas escolhidas por meio de um edital. Meu Voto Será Feminista é mais uma ação que tem dado apoio à mulheres que buscam se eleger para trabalhar com as bandeiras dos direitos das mulheres e da justiça social. Esses coletivos têm gerado grande repercussão entre as eleitoras, indicando candidatas com causas importantes em todo o país.

Foto: Isis Medeiros

Olhar diferenciado

Lavínia Rocha, de 21 anos, vota em Belo Horizonte e, em 2018, vai participar de sua terceira eleição. Essa, porém, é a primeira vez que os recortes de gênero e raça serão os princípios que nortearão sua escolha. Para Lavínia, toda essa movimentação pelo voto feminista é motivo de inspiração. “Eu sempre tive preocupações sociais na hora de votar, até por influência da minha família, mas nessa eleição mudou completamente. Comecei a correr atrás do que eu acredito, das minhas causas”, conta. Apesar de ainda não ter definido todos os seus votos, Lavínia já decidiu que, para o Legislativo, só vai votar em mulheres.

Para o doutor em Ciência Política e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) Minas, Malco Camargos, não há dúvidas de que há uma diferença de percepção de mundo relacionada ao gênero. Malco, que também é diretor do Instituto Ver Pesquisa e Comunicação Estratégica, afirma que “os homens costumam dar mais atenção para obras de infraestrutura, como as estradas; as mulheres costumam estar mais voltadas para as áreas de saúde e educação”. Em seu entendimento, isso está ligado ao machismo e à figura social historicamente representada pelas mulheres: são elas que costumam acompanhar os filhos na escola, cuidar de pessoas doentes, e é natural que, por isso, estejam mais atentas a essas áreas.

É justamente para que essas pautas ganhem mais relevância no cenário político que os coletivos femininos têm lutado para que mais mulheres sejam eleitas neste ano. O engajamento da sociedade com os trabalhos desses grupos já é um sinal de que, mesmo com as barreiras institucionais, é possível aumentar a representatividade feminina nos cargos políticos.

Os números

As mulheres representam a maior parte do eleitorado do país (52,5%), mas essa maioria ainda não se traduz em votos. Na Câmara dos Deputados, elas ocupam apenas 10% das cadeiras. No Senado, o número é um pouco maior, 16%, mas ainda longe de representar a igualdade de gênero. Entender o porquê de as mulheres e os homens não votarem em outras mulheres pode ser um passo importante para combater a sub-representatividade feminina no Congresso.

Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A doutora em Ciências Políticas Mariela Campos Rocha considera que a desproporção entre eleitoras e mulheres eleitas está ligada, principalmente, ao desenho institucional do sistema político do Brasil e à cultura patriarcal, que privilegia a dominação do homem sobre a mulher dentro da esfera familiar. “Elas não deixam de votar em mulheres porque querem votar em homens, é porque existem poucas mulheres candidatas e com chances reais de competir”, analisa Mariela, que também é pesquisadora do projeto Democracia Participativa e do Centro de Estudos sobre Comportamento Político, ambos do Departamento de Ciências Políticas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A avaliação da especialista pode ser percebida no discurso de mulheres como Neesha Loureiro, de 30 anos, que normalmente tenta escolher mulheres na hora de votar e não se importa tanto com as pesquisas. “Sigo meu voto mesmo que a minha candidata possa perder. Mas, dependendo da eleição e do cenário, se eu achar que o candidato que está à frente é muito ruim e existir um outro homem menos pior, com chances, eu acabo mudando meu voto”, diz.

Foto: Isis Medeiros

Mais dinheiro, mais chance

A falta de representatividade feminina também está diretamente relacionada ao sistema eleitoral brasileiro. Um dos elementos primordiais desse sistema é a existência da lista aberta. Nela, o eleitor vota no candidato em vez de votar no partido. “Ela dificulta a entrada feminina na disputa eleitoral porque facilita a eleição de políticos tradicionais e inibe a eleição de representantes das parcelas marginalizadas da população, como os pobres, as mulheres, os negros”, afirma Isis Arantes, mestre em Ciência Política e professora da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG).

O modelo acaba privilegiando os candidatos que possuem mais verbas para investir em suas campanhas. Diversos estudos demonstram que, no Brasil, quanto maior o dinheiro gasto na campanha, maior o número de votos recebidos pelos candidatos. Por isso, o financiamento é um dos gargalos da eleição de mulheres. O menor investimento significa menos panfletos, bótons e anúncios, ou seja, menos divulgação do nome, das ideias e das propostas das candidatas mulheres. Elas acabam não sendo conhecidas e se tornam pouco votadas. Levantamento da Campanha Libertasmostrou que um terço das candidatas mineiras não existem na internet.

Roberta Ornelas tem 20 anos, nasceu em Belo Horizonte, mas passou grande parte da vida na cidade de Jequitinhonha, onde parte de sua família ainda mora. Nas eleições de 2018 ela gostaria de votar em uma candidata mulher que representasse a região, mas tem dificuldade de encontrar informações sobre candidatas que tenham propostas para o local. “Eu sei que existem candidatos homens da minha região, mas eu queria encontrar uma mulher, pois acredito que ela me representaria mais em questões próprias da mulher”, explica. A Campanha Libertas publicou uma reportagem sobre os desafios e demandas políticas do interior do Estado. No site campanhalibertas.org há também um mapa interativo com todas as candidatas mineiras por regiões, raça e partidos.

Entenda a lei

Desde 1997, a legislação brasileira prevê que as listas de candidatos dos partidos devem conter um mínimo de 30% e um máximo de 70% de representantes de cada gênero, mas essa regra só começou a ser seguida em 2012. Uma das razões para o não cumprimento da proporção estava na escrita imprecisa da lei, que afirmava que a cota de 30% deveria ser apenas “reservada”. Havia ainda falta de fiscalização e punições para os partidos que não realizassem o estabelecido.

Em 2009, a nova Lei 12.034 estipulou que a cota de 30% deveria ser “preenchida”, e os partidos que não cumprissem o regulamento poderiam ser impugnados. As eleições de 2012 e de 2014 foram as primeiras em que as cotas seriam, de fato, cumpridas. A surpresa foi que a mudança não fez com que o percentual de mulheres eleitas aumentasse. Em 2010, 20,96% dos candidatos a deputados estaduais eram mulheres e, ao fim das eleições, 13,03% das cadeiras foram ocupadas por elas.

Já em 2014, quando a cota foi cumprida e 30,10% eram de candidaturas femininas, elas representaram apenas 11,24% dos eleitos. Apesar do maior número de postulantes, houve uma queda no número de vitoriosas. Esses dados evidenciam que a ação de transformar eleitoras em mulheres eleitas precisa passar, também, por outros caminhos institucionais.

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