Dez polêmicas da reforma administrativa

O Beltrano listou os principais pontos que geram discórdia no projeto que muda a estrutura da administração municipal


Por Lucas Simões

Foto: Abraão Bruck – CMBH

Sob a justificativa de enxugar e racionalizar a máquina pública, a reforma administrativa proposta pelo prefeito Alexandre Kalil (PHS), por meio do projeto de lei 238/2017, segue em tramitação na Câmara dos Vereadores cercada de questionamentos. Até o momento, mais de 80 emendas foram protocoladas ao projeto. A expectativa é a de que a Prefeitura avalie, acate ou rejeite tais emendas até 1º de junho, retornando à Câmara um texto final. O Beltrano listou dez polêmicas envolvendo o projeto, incluindo a pauta paralela da PBH Ativos. A brecha para o aumento de cargos de indicação política, a possível recriação da Secretaria Municipal de Cultura e a perda da independência dos conselhos municipais estão entre os principais pontos de debate.

1 ­- Cargos comissionados

Um dia após tomar posse, em 2 de janeiro, Kalil exonerou 2,8 mil servidores em cargos comissionados, no primeiro gesto da reforma administrativa. Na mesma semana, voltou atrás e reconduziu 280 servidores, mas salientou que haveriam mais cortes nas vagas de indicação política. A reforma quer extinguir mais 400 cargos comissionados e transformar outros 370 cargos de livre nomeação do poder público em vagas para funcionários já concursados. Os cortes também afetam as 100 nomenclaturas existentes hoje para definir cargos comissionados. Elas serão reduzidas para apenas nove. Com a medida, a Prefeitura quer praticamente zerar os cargos comissionados e manter maior controle sobre a hierarquia dos mesmos.

Apesar disso, outro ponto da reforma vai na contramão dessa decisão.

Hoje, o artigo 48 da Lei Orgânica do Município estabelece que 50% dos cargos comissionados sejam destinados para servidores concursados. Já o texto da reforma do Executivo estabelece que esse percentual caia para 35%. Na prática, mesmo reduzindo os cargos comissionados, futuramente a prefeitura poderia recrutar 65% destes servidores sem concurso e por meio de indicação política.

“É um dos pontos mais preocupantes porque, sutilmente, o texto da reforma dá brecha para que as nomeações políticas aumentem na gestão do Kalil, apesar de ele estar fazendo cortes nestes cargos agora. É uma das revisões que pedimos, para que esse aumento não ocorra no futuro e para que o poder público siga sem privilégios de nomeações indiscriminadas”, diz Israel Arimar, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte (Sindibel).

2 -­ Secretarias

Pela reforma, as atuais 31 secretarias e pastas com status de secretaria serão reduzidas para 18. Entre extinções e fusões, a Fundação Zoobotânica e a Fundação Municipal de Parques serão transformadas em uma só entidade. A mesma integração vai acontecer entre a Assessoria de Comunicação Social e a Assessoria Policial Militar, que serão incorporadas à Secretaria Municipal de Assuntos Institucionais e Comunicação Social.

Além disso, todas as secretarias adjuntas darão lugar a subsecretarias, o que vai diminuir o salário dos responsáveis pelas pastas. Um dos questionamentos do vereador Gabriel Azevedo (PHS) é a forma como as secretarias e subsecretarias serão alocadas, através de uma série de decretos do prefeito, segundo o texto original da reforma.

“Tem muita coisa na lei que fica a ser definida depois, por decreto. Eu acho isso um retrocesso.Você cria a secretaria, por exemplo, a Secretaria de Saúde. Mas as subsecretarias, os cargos inferiores, ficam para ser criadas depois, por decreto. É papel da Câmara definir essa política pública. Vai ter a subsecretaria de politica sobre drogas? Acho importante. Ela vai estar na saúde? Acho importante também. Então, vamos deixar isso claro no texto. E não deixar para definir depois”, diz Azevedo. “Na reforma está uma coisa sutil que pode fazer com que o prefeito, por exemplo, feche o Zoológico por decreto. São redações sutis que, se a gente não tomar cuidado, pode deixar a cidade num campo muito aberto”, disse.

3 ­- Cultura

No bojo da reforma das secretarias, o prefeito anunciou a volta da Secretaria Municipal de Cultura, extinta em 2005 pelo então prefeito Fernando Pimentel (PT). A ideia é que a pasta volte a elaborar políticas públicas, enquanto a Fundação Municipal de Cultura (FMC) mantenha o trabalho de gestão dos fundos e implementação das políticas culturais. A medida divide opiniões no setor cultural. O Movimento Matraca publicou um abaixo assinado defendendo a recriação da Secretaria de Cultura e manutenção da FMC. A vereadora Cida Falabela (PSOL) também apoia a secretaria e avalia que a pasta é essencial para ajudar a cultura a disputar investimentos e espaços. Ela lembra que, hoje, menos de 0,5% do orçamento municipal é destinado à cultura e que desde o ano passado não há edital da Lei Municipal de Incentivo à Cultura. Apesar disso, a vereadora defende o detalhamento da estrutura institucional da secretaria, com setores e cargos a serem criados, além da abertura de crédito orçamentário específico para financiamento das despesas decorrentes da criação dessas novas estruturas.

“É claro que existe uma discussão sobre como a secretaria poderia funcionar, sobre sua estrutura. Ninguém quer uma secretaria de fachada, que não vá atuar. É por isso que nas emendas das reformas estamos exigindo os detalhamentos disso. Não podemos nos contentar com o que está sendo oferecido. A Fundação faz um trabalho fundamental, mas é preciso de uma secretaria para disputar recursos, investimentos do poder público. Isso é fundamental”, diz Cida.

Já o Movimento Reforma Cultura BH, formado por produtores, artistas, funcionários do Conselho Municipal de Cultura e da FMC, se manifestou inicialmente contra a recriação da secretaria. Eles apontam um déficit de 103 servidores na fundação e temem a ausência de estrutura para uma secretaria, com a manutenção dos mesmos recursos e servidores atuais. É a mesma crítica feita pelo vereador Arnaldo Godoy (PT). “De nada adianta recriar órgãos sem definir políticas públicas claras e dotação de recursos. A volta da secretaria custaria R$ 700 mil por ano, só para custear três cargos diretivos, dinheiro que poderia estar aplicado em ações de fomento”, defende o vereador.

4 -­ Conselhos

Todos os 15 conselhos municipais da cidade, hoje independentes, passarão a ser subordinados às respectivas secretarias, se a reforma for aprovada como está. Contrário à medida, o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte (Sindibel) pediu a revogação da proposta. “Se subordinar um conselho a uma secretaria, essa subordinação será política, o que contraria a própria função dos conselhos, que é a fiscalização, a cobrança de diretrizes justas em cada área. O que nós queremos é que seja mantida a vinculação com as secretarias, o que já acontece, oferecendo estrutura para os conselhos trabalharem. Mas sem subordinação política”, diz Israel Arimar, presidente do Sindibel.

5 -­ Regionais

As nove atuais secretarias regionais serão transformadas em coordenadorias, todas ligadas ao gabinete do prefeito. A prefeitura diz que a estrutura e modelo de atendimento aos cidadãos de cada região da cidade não serão modificados, mas não especifica como isso será feito. Para a vereadora Áurea Carolina (PSOL), a medida representa a diminuição da atuação dos conselhos consultivos. “Os conselhos consultivos regionais de participação popular, ligados às regionais, passariam a ser coordenadorias de atendimento regional. Eu entendo que que esse modelo de centralização é ruim para a cidade. Os conselhos se tornariam numa espécie de ouvidoria da população, perdendo capacidade de operar com autonomia”, justifica a vereadora.

6 -­ Educação

O Sindicato dos Trabalhadores em Educação em Rede Pública Municipal de Belo Horizonte (Sind-Rede), teme que as mudanças propostas para cargos comissionados resulte em perdas para funcionários de carreira na educação que assumiram cargos comissionados há anos, como diretoras de escolas. Hoje, o servidor concursado que ocupa cargo comissionado recebe um acréscimo de remuneração de 100% e um valor complementar previsto pela Gratificação de Dedicação Exclusiva do cargo, uma vez que a jornada do profissional é de oito horas diárias. A mesma prática atinge servidores concursados para a jornada de seis horas, mas que têm acréscimo de 80% no salário ao assumir um cargo de oito horas. Na proposta do Executivo, os percentuais de 100% e 80% são retirados e substituídos por uma gratificação de complementação de jornada a ser calculada.

7 ­- Participação popular

Praticamente sem menções à participação popular, o projeto da reforma administrativa recebeu duas proposições da vereadora Áurea nesse sentido, pleiteando a criação do Comitê Governamental de Participação Social e o Conselho Municipal da Cidade. O primeiro, integrado por membros da sociedade civil e do governo, seria uma espécie de assessoria para a Secretaria Municipal de Governo, enquanto o segundo, formado apenas sociedade civil, atuaria como um colegiado de caráter consultivo para debater as atribuições e urgências sociais da cidade.

“Desde a década de 1990, Belo Horizonte se tornou uma referência com o orçamento participativo e várias inovações em participação popular. Mas, desde a gestão do Lacerda, esses espaços vieram perdendo capacidade política. Foram muito esvaziados. E o orçamento participativo foi muito descaracterizado, perdeu sua intensidade democrática. A recuperação democrática é uma sinalização do governo atual, um compromisso, sim. Mas estamos insistindo com o vice-prefeito Paulo Lamac (REDE) para que isso seja uma diretriz objetiva e compareça no texto da reforma. É questão de ser um compromisso formalizado”, diz a vereadora.

8 ­- Doação de imóveis

Todos os imóveis pertencentes à antiga Beneficência da Prefeitura (Beprem) serão doados ao município, segundo o projeto do Executivo. O Sindibel e o Sind-Rede contestam essa doação, alegando que os bens foram adquiridos através de contribuições dos servidores públicos municipais. “É preocupante também que o projeto da Reforma Administrativa não apresente os valores repassados ao regime de previdência referentes à restituição dos imóveis. O Sindibel pede a supressão desta questão no projeto”, disse o presidente do Sindibel, Israel Arimar, por nota.

9 -­ Economia

A prefeitura diz economizar R$ 30 milhões mensais com a reforma administrativa, o que corresponde a 50% dos gastos do município com a manutenção de serviços, como poda de árvores e limpeza urbana, hoje orçados em R$ 60 milhões mensais. A reforma não prevê, porém, como a economia nos gastos será reaplicada nos investimentos do poder público. Na contramão das contenções de gastos, o projeto também não informa quanto será gasto para recriar a Secretaria Municipal de Cultura.

10 -­ PBH Ativos

O assunto não está contemplado na reforma administrativa, mas poderá interferir na tramitação do projeto e é um dos temas mais quentes entre os vereadores. O prefeito Alexandre Kalil enviou à Câmara o PL 239/2017, que pretende dar continuidade à polêmica empresa criada na gestão de Marcio Lacerda (PSB). Mesmo sob investigações, a Prefeitura quer dividir a PBH Ativos em duas. A primeira, uma companhia municipal de participação e investimentos, responsável por formatar e conceder PPPs, e a outra, focada na captação de recursos para financiar projetos de interesse da cidade. O presidente da PBH Ativos, Pedro Meneguetti, justifica a divisão como forma de buscar investimentos com juros menores. Porém, o próprio prefeito havia prometido, ainda em campanha, extinguir a PBH Ativos.

Apesar disso, o vereador Pedro Patrus (PT) informou que, enquanto a CPI da PBH Ativos não for concluída, “a Prefeitura não coloca em pauta o projeto da PBH Ativos”.

“Encaminhei ofício ao prefeito solicitando para que a pauta da PBH Ativos não fosse discutida enquanto a CPI estive em andamento. Isso não causa nenhum prejuízo à reforma administrativa porque são projetos diferentes, mas enviados ao mesmo tempo à Câmara. Dependendo da conclusão da CPI, tem que acabar com a PBH Ativos. Por isso, até o momento, o que temos conversado com o Executivo é que não se coloca a pauta da PBH Ativos em andamento”, disse o vereador.

Criada em 2010 por Marcio Lacerda para gerir as Parcerias Público-Privadas (PPP’s) do município, a PBH Ativos é alvo de investigações do Ministério Público, Tribunal de Contas, além de quatro ações parlamentares e a recente CPI, instalada no último dia 15 na Câmara dos Vereadores. Entre as denúncias, estão indícios de prejuízo ao erário, leilões de imóveis públicos abaixo do preço de mercado, repasses à PBH Ativos de recursos destinados ao Drenurbs (fundo de saneamento básico) e descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.