Dialoga, Kalil!

Com mais de 40 dias em greve, professores do ensino infantil não são ouvidos pela Prefeitura


Por Petra Fantini

Publicado em 05/06/2018

Foto: Sind-Rede/Divulgação

Mais 60 mil alunos das Unidades Municipais de Educação Infantil (Umeis) continuam sem aulas, 43 dias depois do início da greve. Os professores, organizados pelo Sindicato dos Trabalhadores da Educação da Rede Pública Municipal (SindRede/BH), decidiram, na tarde de segunda-feira (04/06), estender a paralisação até que o prefeito Alexandre Kalil (PHS) se reúna com a categoria.

Kalil exige que os professores, em sua maioria mulheres, voltem ao trabalho como pré-condição para a abertura de negociação. A categoria aceitou suspender o movimento para negociar, mas a Prefeitura informou que Kalil não teria agenda disponível na última segunda-feira. E, dessa forma, foi aprovada a continuidade da greve.

Em sua última proposta – que Kalil ameaça retirar caso as aulas não sejam retomadas -, a Prefeitura propõe aumento equivalente promoção de quatro níveis de carreira, de 21,55%, no vencimento-básico para educadores que possuam curso superior em pedagogia ou normal superior e ainda não tiveram progressão por escolaridade, inclusive para os que estão em estágio probatório (pulariam do nível 1 para o nível 4, dentro da estrutura de 24 níveis da carreira dos docentes municipais).

Foto: Sind-Rede/Divulgação

Para os professores que já tiveram a progressão por escolaridade, a proposta é de progressão de dois níveis na carreira, com ganho de 10,25% no vencimento. Por fim, a Prefeitura também propôs que o Projeto de Lei 442, que estabelece a autonomia das Umeis e as transforma em Escolas Municipais de Educação Infantil (Emeis), voltaria a tramitação na Câmara.

Os educadores, porém, querem chegar ao nível 10 de carreira, equiparando o vencimento básico de entrada dos educadores do infantil ao dos professores do ensino fundamental. A proposta é que esta progressão se dê de forma escalonada: em junho, seria implementada a progressão de quatro níveis, outros três níveis em dezembro e mais dois em julho do próximo ano. Assim, o vencimento inicial de R$ 1.450 (nível 1) dos educadores do ensino infantil subiria para os R$ 2.200 (nível 10) praticados como piso no ensino fundamental.

Um grupo de professoras acampa na frente da Prefeitura, na avenida Afonso Pena, desde 23 de maio. “A gente já mandou ofício, pediu para conversar por intermédio de vereadores e ele não atende ninguém. Parece que ele tomou para si essa questão da educação infantil e não escuta ninguém”, diz a professora Paula Dalferro. A categoria se mantém resistente a suspender a greve para negociar, conforme exigido pela Prefeitura, por dois motivos: o primeiro, o risco de que a desmobilização impedisse nova paralisação, em caso de impasse. E, o segundo, o impacto negativo no processo didático de uma retomada sob ameaça de nova paralisação. “Isso é muito sério, a gente não está brincando com bonecos. São vidas que estão ali”, disse Paula.

De acordo com Jacinta Brandão, uma da diretoras do Departamento de Comunicação e Imprensa do SindRede/BH, a categoria está decepcionada com a secretária municipal de Educação, Ângela Dalben, de quem se esperava uma maior abertura ao diálogo. A secretária é doutora em educação pela UFMG e possui experiência na rede municipal.

Foto: Sind-Rede/Divulgação

Famílias

Um apoio externo muito presente tem sido o das famílias das crianças das Umeis. Em grupos de Whatsapp, os pais começaram a se organizar para ajudar no cuidado dos filhos que estavam sem aulas, mas acabaram se envolvendo com a causa, principalmente depois do episódio de violência em frente à prefeitura (veja a cobertura de O Beltrano sobre o caso www.obeltrano.com.br/portfolio/meia-duzia-de-pelegos/).

“Mexeu muito com as famílias ver as pessoas que cuidam dos nossos filhos sendo atacadas daquela forma”, lembra a professora de antropologia Ana Flávia Moreira Santos, mãe da Helena que estuda na Unidade Alaíde Lisboa, localizada no campus da Universidade Federal de Minas Gerais. Ela também critica a reforma que Kalil fez nas Umeis no final do ano passado, quando a prefeitura diminuiu os horários, cortou vagas de berçário em até 50 unidades e determinou a não abertura de turmas de horário integral.

Ana destaca a importância das vagas em horário estendido para a maioria dos pais que trabalham em horário comercial. Além disso, a rotina das próprias educadoras foi precarizada com a reforma. As turmas integrais exigem uma professora e uma auxiliar para cuidar das crianças, já as de meio horário não têm auxiliar. Assim, uma única pessoa fica responsável pelo cuidado de até 16 crianças. “Às vezes elas estão em idade de desfralde, metade da turma com fralda e metade sem. Tem que levar menino de um, dois anos ao banheiro e ao mesmo tempo cuidar de todo mundo”, diz Ana Flávia.

Em contato com outros pais, Ana ouve relatos de pessoas que perderam emprego, mães autônomas que não podem mais sair para trabalhar em função do fim do horário integral nas Umeis. A antropóloga critica a falta de diálogo da Prefeitura com as professoras e as famílias. “É uma postura arrogante, de despreparo”, diz.

Uma carta, redigida por Alaíde Lisboa, mãe com criança em Umei, e assinada por outras 124 mães, foi enviada para o prefeito, vereadores e o Conselho Municipal de Educação [CARTA]. A articulação dos pais inclui ações coletivas e individuais através do envio de ofícios, cartas, ligações para a ouvidoria e mensagens de Whatsapp aos vereadores, cobrando que façam uma ponte de diálogo com a Prefeitura.