A direita vai à feira


Por João Gualberto

 

Um cientista político renomado cravou que Jair Bolsonaro não aparece em qualquer planilha de empreiteira grande, como receptor de caixa 2 ou de outro tipo de pecúnia ilegal, porque não é e nunca foi um parlamentar relevante. Logo, por sua incapacidade de influenciar colegas ou sustentar demandas perante a opinião pública, sequer os grandes corruptores se ocuparam dele.

Se apenas parcela desse diagnóstico for verdadeira, do desdobramento dessa inferida irrelevância o deputado fluminense, agora no PSL, ao menos converteu-se naquilo que é o maior estandarte de sua pretensão presidencial: a incorruptibilidade. O problema é que quando probidade, quando cumprir leis, é traço de comportamento notável o suficiente para ser capitalizado em marketing, o candidato é medíocre e o sistema está f***do.

Mas quem procura acha, e a imprensa achou. A imagem de limpeza de conduta do reservista do Exército começou a ser desconstruída, e pra valer. O estandarte tem pé de cristal frágil. Nada a surpreender e, sinceramente, não existia motivo para esperar do presidenciável práticas mais limpas do que as disseminadas no semianonimato do baixo clero da Câmara, de onde emergiu. Bastava repórteres e jornais investirem que encontrariam algo. E, se não haviam feito isso ainda, a razão é a mesma que explicaria a ausência do personagem nas listas de Odebrecht e cia. ltda.: a irrelevância.

Mas Bolsonaro conquistou a relevância de quem começa um ano eleitoral com pelo menos 20% de intenções de voto para presidente; de quem foi alçado à condição de avatar de uma parcela da sociedade brasileira cujo medo do diferente pariu o ódio, a discriminação e a violência. É ele o eleito pelos fascistas (inconscientes e esclarecidos), que rejeitam a política em favor da violência institucionalizada.

À medida que ajunta prestígio, o político ganha o holofote da imprensa, o que pode ser bom ou ruim para ele. Melhor pensando, a tendência é que seja ruim, no mínimo arriscado. A “Folha de S.Paulo” produziu uma série de reportagens que desvelaram um pouco da impureza de Bolsonaro e seu caráter ordinário em relação à categoria de que faz parte. Foram apresentadas práticas delituosas e imorais, de varejo pequeno, dele e dos filhos – também carreiristas de Legislativo: transações imobiliárias escusas e subdeclaradas, meios irregulares de financiamento de campanha, contratação de funcionário fantasma pelo gabinete, nepotismo, destinação particular do cotão do mandato e por aí a fora. As respostas do deputado, registradas em vídeo, destemperadas e toscas como de costume, só ajudaram a aprofundar o buraco.

Começa o ano eleitoral e, com ele, os esforços de desconstrução dos candidatos outsiders. Que Bolsonaro não é cândido, repita-se, não carece destaque. Merece nota é o empenho do maior jornal do país em apurar e publicar na capa essas falcatruazinhas dele. Seria um sinal de descarte ordenado pelas legítimas forças de direita, um empurrão para fora da pista?

Na mesma semana em que saiu essa série de reportagens, o “Valor” publicou uma entrevista com Fernando Henrique Cardoso. A eminência da centro-direita brasileira fazia um apelo para que Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (PSD) e Rodrigo Maia (DEM) construam um acordo visando uma única chapa presidencial. Bolsonaro não foi destinatário da mensagem do ex-presidente.

O deputado militar já teve suas tratativas com agentes do mercado financeiro, depois das quais pareceu ter amansado e desnacionalizado suas “ideias” para a economia. Alguma coisa elogiosa a ele também saiu na imprensa, demonstrando que empresários e rentistas o consideravam uma opção viável para ocupar o Planalto. Traduza-se: melhor que Lula é qualquer um que consiga derrotá-lo.

Entretanto, essa série da Folha desconstruindo Bolsonaro pode ser resultado de um esforço em tirá-lo do páreo, para deixar o campo da direita livre para essa “chapa de consenso” ungida por FHC, mais polida e cheirosa à feição de Chicago. De duas, uma (ou as duas mesmo): ou as forças-motrizes liberais/conservadoras não conseguiram ver capacidade técnica e política em Bolsonaro; ou têm certeza da condenação de Lula pela Justiça, a única alternativa para barrar o pai petista.

Agora, imaginemos um páreo sem Lula, ficha-suja impugnado, e sem Bolsonaro, desconstruído na esfera pública e/ou desistente de sua aventura presidencial. Bem, as pesquisas de intenção de voto de momento mostram que, nos cenários sem Lula, o maior beneficiário é justamente Bolsonaro. Contrassenso? Não. Claro que, para o eleitor ideológico, são água e vinho. Mas não é heresia esse chaveamento entre opções para um perfil de eleitor mais pragmático. A explicação está na deposição de esperança nessas duas figuras pelo contingente mais necessitado: basicamente, anseia-se por mais conforto material, emprego, renda, iogurte, moto 125cc, TV de led e churrasco de picanha; anseio que só (o mínimo de) carisma de estadista atrai, mas não o sistema econômico.

Com Lula condenado e Bolsonaro desnudo, o que sobra para o povão? É provável, um cardápio que não o faça salivar e muito menos lhe dê sustança. E o abismo entre a política e o povo só engordará, como a fome de esperança.

Dois quadros

Muita água vai rolar, mas ficam aqui duas situações para acompanharmos até outubro. Uma é a definição da chapa de continuidade ao governo Temer. Que desafio enorme ter viabilidade eleitoral com esse DNA governista! Se programa liberal no Brasil não tem vez na urna, ainda mais filho de chocadeira de quem tem 3% de aprovação popular!

Sabendo disso, entre Alckmin, Meirelles e Maia, a aposta mais provável é no governador tucano, por ser, dos três pré-candidatos, o mais descolado da impopularidade sem misericórdia que marcou os últimos 20 meses. De toda forma, será difícil convencer o eleitor de que, mesmo sendo do PSDB (o PMDB do PMDB de Temer), fará um governo mais venturoso do que a gestão draconiana que o próprio tucanato sustentou e urdiu pelo golpe.

Meirelles, sendo um dos principais ministros, teria como cabos eleitorais os grandes números de recuperação firme da economia brasileira e seus transbordamentos sociais. Eles não existem, logo, não vai ter. Maia, presidente da Câmara, como “chefe dos deputados”, tem em seu currículo o papel de fiador, de facilitador de todas as tacadas impopulares que a administração Temer passa no Congresso. Está mal.

Alckmin, apesar de tucano, tinha os próprios problemas para administrar, manteve um discurso pelo menos em cima do muro em relação a Temer, foi um dos primeiros a defender que o partido pulasse do barco (auto-estrategicamente), tem biografia de palanque e é “a elite paulista”. Vamos esperar para ver que grau será permitido de contaminação originado dos apoios de Temer, seu PMDB e seus aliados. Eles podem ser importantes nas costuras internas, mas horríveis diante das câmeras.

A segunda situação diz respeito a Bolsonaro. Se se confirmar ser ele um enorme balão ou cavalo do Paraguai, importará menos. Quem o apoia por pensamento e por esperança medrosa confirmará seu direito a voto, escolhendo, por esse viés de preferência, deputados, senadores e governadores. O que fez Bolsonaro relevante não foram seus próprios méritos (se existirem), mas a onda na qual surfa. Ela ainda não quebrou na praia, provavelmente não quebrará neste ano. Ainda está suficientemente distante para se avultar mais? Se a sociedade de banhistas inteira não se mobilizar para barrá-la antes que bata à areia, ela vai crescer e, não tenhamos dúvida, haverá outro a querer surfar nela.

Política

João Gualberto 

Jornalista, economista e cientista político