Distritão é poder para poucos


Por João Gualberto Jr.

Brasília – O presidente da Comissão Especial da Reforma Política, deputado Lúcio Vieira Lima, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, e o relator, deputado Vicente Cândido, durante audiência pública na Câmara dos Deputados.(Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Na Câmara dos Deputados, 10% das cadeiras são ocupadas por mulheres, mas as brasileiras representam 51,6% da população segundo o último Censo do IBGE. Na “Casa do Povo”, apenas 4,5% dos parlamentares foram eleitos, em 2014, com até 29 anos de idade, enquanto os jovens representam mais de um quarto na sociedade brasileira. Na eleição passada, pela primeira vez os candidatos foram obrigados a informar à Justiça Eleitoral a cor da pele. Dos 513 eleitos para deputado federal, 20% disseram ser negros ou pardos, dois grupos que representam 50,7% dos cidadãos.

De cada dez titulares da Câmara, oito têm curso superior. No país, também são oito as mulheres e os homens que se formaram em universidades, mas para cada grupo de cem. Segundo relatório do Credit Suisse, em 2011, o patrimônio médio do brasileiro era de R$ 60 mil. Já entre os 513 deputados, 248 declararam acumular mais de R$ 1 milhão em bens e aplicações financeiras – disparadas, as bancadas com mais milionários são as do PMDB (39) e do PSDB (32).

Como falar em qualidade de representação nesses patamares? No ideal utópico, a fim de se garantir voz a todos os estratos, matizes e clivagens que compõem o tecido social, o Parlamento deveria ser uma amostra, uma síntese da população. No Brasil, há um abismo entre representantes e representados. E assistimos nos últimos anos a um “modus operandi” dos escolhidos que sequer se digna a dissimular um lastro de lealdade: só o mais puro e insaciável espírito de corpo. Ponto final.

Se esses homens brancos, ricos, instruídos e probos se juntam para bolar novas regras sobre eleições e práticas partidárias, tem como sair coisa que preste à nação? Alguém já ensinou no passado que uma má árvore não pode dar bons frutos. Eis a questão. Nossa Câmara é a síntese não da democracia, mas da plutocracia, o poder do dinheiro.

Pesquisas acadêmicas já demonstraram a forte correlação entre custo de campanha parlamentar e votos recebidos. No fim de 2014, por exemplo, o “Estadão” fez um levantamento interessante a partir dos dados de financiamento declarados ao TSE. Os 1.500 eleitos no Brasil para senador, deputado federal, estadual e distrital gastaram, juntos, aproximadamente R$ 1,4 bilhão. Do outro lado, os cerca de 13 mil candidatos derrotados para esses cargos tiveram custos de campanha que somaram R$ 1,1 bilhão. Na Câmara Federal foi onde a desigualdade na disputa ficou mais patente: os 513 vencedores investiram, em média, R$ 1,42 milhões. Já os que perderam registraram gasto médio que não atingiu R$ 400 mil.

É milionário? Quer transformar seu poder econômico em (mais) poder político? Invista no negócio da própria eleição que, com uma pitadinha de inteligência estratégica, é certo que você vai comprar, quer dizer, conquistar seu mandato. Para se ter ideia, todos os candidatos a federal que declararam custos eleitorais superiores a R$ 5 milhões obtiveram cadeira em 2014.

Mas sede de poder, para quem a tem, não se sacia. O que querem as excelências? Deixar o Parlamento ainda mais luxuoso e, assim, por “coincidência”, mais masculino, branco e velho. Como transformar o plenário em uma área VIP ainda mais VIP da sociedade? Instaurando o distritão, o carro-chefe da pseudo reforma política que está em gestação no Congresso e cujos progenitores esperam parir antes do próximo ano.

A proposta do distritão é tão feliz que, além da chancela de honradez que carrega seus pais-idealizadores, vigora no mundo apenas na Jordânia, no Afeganistão e na ilha de Vanuatu, no Pacífico, três referências modernas de democracia. Se a oportunidade é para melhorar, nossos representantes preferem ir na contramão das experiências disponíveis no mundo. Já aprendemos que, a cada ideia discutida, a cada projeto de lei, a cada aprovação, promulgação e sanção, o Congresso, empurrado por seu baixo-clero, se move para mais distante do sonho da igualdade de oportunidade, da justiça social e da prosperidade geral.

Atualmente no Brasil, selecionamos vereadores e deputados por meio da eleição proporcional com voto aberto. Depois de cálculos que consideram a média de votos por cadeira e o total de votos por legenda, após a distribuição de vagas inicial em favor dos candidatos mais votados, as residuais são destinadas conforme o montante de votação obtido pelos partidos, que as preenchem com seus melhores posicionados. Grosso modo, funciona assim. Pode parecer confuso e injusto, mas é uma forma que busca permitir uma representação parlamentar mais diversificada, isto é, com maior variedade de partidos.

E qual é a tese do distritão? Minas Gerais, pelo tamanho de sua população, tem direito a 53 cadeiras na Câmara Federal. Pela regra em discussão, os 53 mais votados são os eleitos. Simples assim! Oi?

Aí é que está! É falso o marketing da simplicidade contra a plausível, mas má intencionada, acusação de complexidade e injustiça do modelo proporcional. Imaginemos qual o perfil dos 53 deputados eleitos por Minas se o estado for transformado num distritão: rico, muito rico, milionário, pelo menos em suas campanhas. Por que será que o principal fiador da mudança é o PMDB (Eduardo Cunha pôs a proposta em tramitação e, presidente da Casa, amargou derrota em maio de 2015)? Porque concentra a maior quantidade de parlamentares e os mais endinheirados. Não nos esqueçamos do slogan peemedebista: meu nome é legião porque somos muitos. E querem ser mais, sempre mais.

No discurso, o formato proporcional pode receber várias críticas. Uma, que ele incentiva o inchaço das legendas de aluguel, pelas quais é necessário um volume relativamente menor de votos para garantir um assento após os cálculos dos quocientes. Outra, o investimento nos puxadores de voto, os Tiriricas, Popós e afins, que, por serem célebres, têm uma enxurrada de votos e puxam correligionários com votação micha. Daí, o distritão será vendido como um simples e natural código de barreiras: legenda pequena não terá vez nem lugar, e, com “justiça”, os preferidos serão os vencedores. Acontece que, na eleição da vida, no jogo das injustiças, os preferidos já são vencedores, e, pelo voto, vão vencer de novo. Vitórias que se acumulam para uns poucos, e, para o resto, o resto.

Além da ideia elitista, plutocrata e conservadora do distritão, caminha a proposta de um fundo público para custear as campanhas. Num cenário devastado pela Lava Jato – mais um esquema grandioso que tem o financiamento eleitoral como causa primária – e marcado pela incerteza da proibição legal das contribuições empresariais, como tocar os comitês? Pendurando nas costas do contribuinte, mais uma vez. Estão falando em uma bolada de R$ 3,5 bilhões para este fundo. Que partidos serão os beneficiados na hora partilha? Ora, a considerar que quem vota decide em favor de si, quem tem mais votos leva vantagem.

Nessas tautologias de nossa democracia manca, cega e surda, o cachorro corre atrás do próprio rabo. Como uma vez disse dr. Ulysses, baluarte do saudoso MDB: está achando esta legislatura ruim? Espere a próxima pra ver!

Política

João Gualberto Jr.

Jornalista, economista e cientista político.