Futebol e política


Por Felipe Portes

Jogos Olímpicos Rio 2016 – EUA X França (feminino) – Mineirão. Foto: Rafael Mendonça

O torcedor médio, aquele que não tem relação direta com as torcidas organizadas, e que talvez as tema mais do que as apoie ou rejeite, pode ser grosseiramente enquadrado na categoria de cidadãos que não ganham muito dinheiro, que parcelam a compra da camisa nova do seu time e que frequentam o estádio em cerca de metade dos jogos em casa. E que não tiveram chance ou oportunidade de se politizar.

Mas estamos vivendo um tempo em que é inaceitável ser despolitizado ou negar a se posicionar frente ao que vem acontecendo no país. Não cabe aqui discutirmos os rumos do Brasil, o golpe ou as reviravoltas que experimentamos desde as jornadas de 2013. Mas é certo que a revolta que o brasileiro vinha represando explodiu e está mudando a ordem das coisas.

Neste contexto, as torcidas organizadas começaram a exercer o que de fato se esperava delas desde a origem: representar um povo. Um povo que tem o sofrimento como identidade. Chega a hora em que o caldeirão de ódio e indignação transborda.

Em 2016, a Gaviões da Fiel, apesar de todos os rótulos que lhes foram impostos, se posicionou contra o sistema. E com um recado claro e objetivo: pedir justiça. Diferentemente da uma turbulenta viagem à Bolívia, que culminou na morte de um torcedor do San Jose, na Libertadores de 2013, estes corintianos deram voz a um movimento que cresce desde 2015, quando foram revelados escândalos de corrupção envolvendo a CBF, a Fifa e dirigentes do futebol nacional e mundial. Mas o protesto da Fiel era mais amplo e visava chacoalhar a sociedade como um todo.

Começou quando eles tentaram esconder as faixas antes da entrada na Arena Corinthians, para o clássico contra o São Paulo, pelo Campeonato Paulista. Evoluiu com a exibição dessas faixas no segundo tempo. E os alvos, além da visada CBF e de outros cartolas paulistanos, era a Rede Globo e o deputado estadual Fernando Capez, do PSDB. Na época, Capez era citado em investigação da Polícia Civil que apurava fraude e desvio de verbas públicas destinadas a merendas da rede escolar paulista.

A Fiel, que naquele momento deixava de ser apenas um grupo exclusivamente corintiano, amplificou a revolta de milhões de pessoas, torcedoras ou não. Ao se posicionar contra os desmandos de Capez (que foi seu ferrenho opositor nos anos 90), contra o monopólio exercido pela Globo e contra a CBF, a organizada transcendeu as barreiras de expressão. A orientação deixava de ser o futebol para ganhar um enfoque muito mais amplo.

Meses mais tarde, durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, outros torcedores (desta vez sem vínculo a qualquer organização) pediram a saída do interino Michel Temer, em resposta ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

A Globo, assim como outros veículos de projeção nacional, ignoraram as manifestações. Mas diferente dos anos 1960 e 70, a verdade não podia mais ser escondida ou convenientemente ocultada. As pessoas sabiam o que está se passando.

Quando a Gaviões da Fiel levou suas faixas com críticas políticas, não se imaginava que isso fosse um empurrão aos cidadãos comuns que geralmente não querem ter sua imagem ligada a nenhum grupo de torcedores uniformizados. Felizmente, a liberdade de expressão está sendo exercida de fato nos estádios, em contrapartida a toda a repressão, seja ela silenciosa ou por meio de violência nas ruas.

O que vemos hoje é que o lugar do futebol também pode ser espaço de contestação. Que palmeirenses, cruzeirenses, atleticanos e flamenguistas (entre tantas torcidas incríveis que temos) ocupem as arquibancadas e deixem de uma vez por todas de aceitar tudo de cabeça baixa. Porque eles podem se unir e demonstrar força para reagir. Isso deixou de ser utopia. Agora a palavra de ordem é lutar.

Esportes

Felipe Portes

Jornalista, fundador e editor do site Todo Futebol, com passagens por Trivela e Yahoo Esportes.