Kalil contra os camelôs

Prefeito endurece na briga com ambulantes e antecipa transferência para shoppings


Por Lucas Simões
Foto: Midia Ninja

 

Depois da desastrosa ação da Polícia Militar na segunda-feira (03/07), que acabou com vários feridos e 15 presos na repressão do protesto dos camelôs na Praça 7, o prefeito Alexandre Kalil (PHS) endureceu ainda mais o combate aos ambulantes no centro da cidade.

Em coletiva de imprensa na manhã desta terça-feira (04/07), na Prefeitura, Kalil disse que a operação “é definitiva e sem volta”. Apesar da continuidade dos protestos no hipercentro ao longo de todo o dia, o prefeito disse que antecipará para esta quinta-feira (06/07) o cadastramento dos camelôs que ocuparão feiras em shoppings da cidade a partir do próximo fim de semana. E também prometeu manter a Guarda Municipal e a PM atuantes no hipercentro para coibir o retorno dos ambulantes.

Às 18h desta quarta-feira (04/07), no Viaduto Santa Tereza, os camelôs realizarão uma assembleia aberta para definir os rumos da categoria, diante a decisão de não recuar do prefeito Alexandre Kalil. Ainda hoje (04/07), a Prefeitura promete voltar a se encontrar com representantes dos camelôs, em reunião marcada para o prédio da avenida Álvares Cabral, 200. No meio da tarde, por volta das 15h, um grupo de ambulantes voltou a interditar parcialmente a Praça 7 por poucos minutos.

Foto: Midia Ninja

O camelô Robson da Silva, que trabalha com bolsas, carteiras e acessórios para celulares no hipercentro, pretende lutar pelas feiras livres instaladas nas ruas da cidade.

“Tem que ter diálogo, conversa. Eu consegui mais de 500 assinaturas para fazer uma feira na rodoviária. Não pode ser aprovado um projeto assim tão às pressas. Estão tirando a gente da rua para jogar num shopping sem nem saber como vai ser. Se precisar protestar de novo e fechar as ruas, nós vamos fazer”, disse Robson.

Presos

A Polícia Civil confirmou que 15 pessoas foram detidas ontem (03/07) e que outros quatro ambulantes foram presos hoje (04/07), após nova confusão na Praça 7 envolvendo camelôs e fiscais da Prefeitura. Ontem, dois homens foram presos em flagrante por dano qualificado ao patrimônio público e ainda permanecem detidos na Central de Flagrantes da Polícia Civil (Ceflan). Os outros 13 acusados prestaram depoimento e assinaram Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCO’s). Eles vão comparecer a audiência no próximo dia 28 de julho.

O tenente-coronel Eduardo Felisberto Alves, comandante do 1º Batalhão de Polícia Militar (PM), negou, hoje (04/07), abuso de força. Em sua versão, uma viatura da PM foi atingida por uma pedra na rua Carijós, quando a PM revidou os ataques. “Para se defender dessa agressão, os policias efetuaram disparos de elastômero (as conhecidas balas de borracha) e lançamento de granadas, instrumentos de menor potencial ofensivo”, justificou Alves.

Foto: Midia Ninja

Ainda assim, o promotor Mário Konichi Higuchi, da Promotoria de Direitos Humanos, disse que iria instaurar ainda hoje (04/07) processo para apurar possíveis abusos da PM contra os camelôs. “Da mesma forma que pessoas que foram presas serão responsabilizadas por seus atos, a atuação da PM também será investigada pela Promotoria de Direitos Humanos, não há ma menor duvida. Qualquer um que tenha se sentido de alguma forma ofendido ou lesado pela PM pode me procurar”, disse.

Plano de Ação

Há quatro meses, a PBH trabalha no Plano de Ação do Hipercentro de BH, que pretende transferir todos os camelôs da região para shoppings. Ao todo, foram cadastrados 1.137 ambulantes na área, mas apenas metade deles, cerca de 500 trabalhadores, demonstraram interesse em aceitar a proposta da Prefeitura, em reuniões abertas realizadas no Parque Municipal nos dias 26 e 27 de junho.

No dia 24 de junho, foi publicado no Diário Oficial do Município o edital para o cadastramento de camelôs interessados na mudança, com a intenção de transferí-los para as feiras em shoppings. Pela norma do edital, o processo deveria ser finalizado apenas no dia 21 de julho, quando os camelôs seriam selecionados em um sorteio e realocados em novos espaços. Porém, em uma manobra jurídica do procurador-geral do Município, Tomáz Aquino, Kalil conseguiu antecipar o sorteio das vagas para esta semana.

Ao ser questionado se a antecipação não iria prejudicar os ambulantes, uma vez que a PBH ainda não recebeu sequer propostas de shoppings e feiras para abrigá-los, e nem se sabe se os shoppings teriam estrutura para recebê-los de imediato como a Prefeitura planeja, o prefeito ironizou a situação.

“O processo foi feito de acordo com o edital. A gente podia ter feito um monte de coisa melhor. A gente podia ter pego, levado para casa. Cada um pegava um e levava… O processo é cheio de defeitos, não é?”, disse Kalil. “Tentamos lugares alternativos como a Rodoviária, fazer (uma feira) envolta dali. Tentamos um monte de coisa. Agora, é claro que nós não conseguimos um monte de coisa. Se tivéssemos conseguido os shoppings antecipados, o parceiro antecipado… Mas esse processo está acontecendo há quatro meses. É cheio de defeitos, mas é o melhor que conseguimos fazer. Foi o que deu”, completou o prefeito.

Na prática, a partir dessa quinta-feira, a Prefeitura irá abrir, inicialmente, entre 400 e 500 vagas para realocar os camelôs em feiras livres, dentro dos shoppings que disponibilizarem boxes. A medida é temporária e válida por apenas quatro meses, período em que o Executivo espera aprovar um projeto de lei enviado nesta segunda-feira (03/07) à Câmara Municipal, que regulamenta a proposta da prefeitura. O PL ainda não foi submetido à plenário, mas o líder do governo na Câmara, Léo Burguês (PSL), já prometeu agilidade nesse processo.

Foto: Midia Ninja

Três metros

A Secretária Municipal de Serviços Urbanos, Maria Caldas, admite que, apesar do projeto original de realocação dos camelôs prever boxes de 3 metros quadrados com bancadas, as mudanças serão feitas, por enquanto, da forma “como der”, em suas próprias palavras. A expectativa dela é que a partir desse sábado (08/07) alguns trabalhadores já possam ocupar vagas em shoppings, logo após o sorteio de quinta-feira. “Quando idealizamos o projeto, pensamos em modelo de bancada para os trabalhadores. Mas, se não estiver tudo pronto, vamos fazer como der. O importante é que as pessoas saiam das ruas”, disse.

Durante os primeiros quatro meses, a receita dos shoppings que cederem boxes aos camelôs será resumida ao aluguel de R$ 30 mensais pagos individualmente pelos próprios comerciantes. “Dá para o shopping pagar contas de luz, banheiro, essas despesas. Seria um real por dia de cada camelô. O shopping ganha com isso. Primeiro porque vai ter um ganho de imagem, aderindo a um projeto de (resolução de) grande problema social. E, em segundo lugar, eles têm vagas disponíveis porque o mercado é muito ruim”, completou a secretária.

Após a aprovação do projeto na Câmara, a PBH pretende subsidiar o aluguel dos camelôs por um período de cinco anos. Os ambulantes começariam pagando R$ 30 por mês, com aumento gradativo anual até atingir R$ 600 mensais no quinto ano. O projeto também prevê a capacitação profissional dos camelôs com cursos no Sebrae, além da destinação de 727 vagas para feiras alimentares, não só no centro, mas em todas as regiões da cidade. “Vamos licitar feiras em toda a cidade, não só no centro. Feiras de artesanato, de abastecimento… Por que tem comerciante que vende verdura, tem gente que quer mudar de ramo com essa oportunidade também”, diz a secretária.

Já os shoppings que fizerem propostas à Prefeitura, após aprovação do Projeto de Lei na Câmara, irão receber pagamento através de aumento do potencial construtivo, o que permitiria expansão ou venda do direito, através da Operação Urbana Simplificada, prevista no projeto de lei do Executivo.

“Os shoppings do Centro da cidade têm coeficiente igual a 1. Eles podem construir uma vez a área do terreno. Mas eles querem ampliar, querem crescer. Essa forma de remunerar vai ser o direito deles construírem. Os shoppings podem usar (o aumento do potencial construtivo) em seus próprios edifícios ou vender para construtoras em outras áreas da cidade”, disse a secretária Maria Caldas.

Apesar disso, ela não confirmou qual será o investimento total da Prefeitura na empreitada. “O shopping que tiver proposta aceita, vai receber antecipadamente o valor equivalente a cinco anos de aluguel, que está no projeto da prefeitura. Mas eu só posso fazer um balanço para vocês no final da semana, quando tiver as ofertas concretas”, justificou a secretária.

Foto: Midia Ninja

Ampliação

Além dos 500 trabalhadores que demonstraram interesse em transferir suas atividades para shoppings e vão participar do sorteio nesta quinta-feira, a secretária Maria Caldas afirmou que outras 900 pessoas também procuraram a prefeitura e devem ser atendidas após a ocupação das 500 primeiras vagas.

“Essas pessoas nos procuraram, mas não fazem parte do cadastro. Precisamos ressaltar que ficamos 30 dias pesquisando, durante oito horas por dia, com uma equipe de dez pessoas no hipercentro. Quem não foi visto nesse período, provavelmente não é camelô do hipercentro. Mesmo assim, consideramos a possibilidade de existirem pessoas que, por motivos diversos, são camelôs e não foram cadastradas. Dizem que fugiram da fiscalização, ficaram com medo. Então vamos ouvi-las e investigar o caso de cada um. Naturalmente, eles entrarão no programa”, completou a secretária.

Foto: Midia Ninja

Excessos

O prefeito Alexandre Kalil negou excessos na atuação da Polícia Militar durante os dois dias de protestos de camelôs que interditou a Praça 7. Ele atribui o lançamento de pedras por alguns manifestantes a um grupo de 60 pessoas, que seriam contrabandistas de cigarro e vendedores de celulares roubados. “Ninguém gosta de ver o que aconteceu ontem na cidade. Mas, se precisar, acontecerá. Não enfrentem a Prefeitura de Belo Horizonte. Eu digo: aos contrabandistas de cigarro e aos vendedores de celulares roubados: aconselho a mudar de cidade”, disse o prefeito.

Apesar disso, a vereador Áurea Carolina (PSOL) denunciou no plenário da Câmara Municipal, na segunda-feira (03/07), abusos na ação da PM. “Eu estive na praça 7 e vi como a Polícia Militar, de forma desproporcional e abusiva, lidou com essas pessoas. Eu vi, inclusive, dois policiais militares falando: ‘que delícia o cheiro do gás’, rindo. Tratando as pessoas como se não fossem pessoas. Jogaram jatos de água, bombas de gás lacrimogênio e atiraram balas de borracha nos camelôs”, disse a vereadora.