O trator da direita na Câmara - Entrevista Gabriel Azevedo

O Beltrano foi à Câmara dos vereadores para entender quem é e o que pensa Gabriel Azevedo (PHS), esse vereador briguento, representante da nova direita. Nossa próxima vereadora entrevistada será Áurea Carolina, do Psol e do coletivo de participação popular 'Muitas', que é a cara da nova esquerda.


Por Clarissa Carvalhaes

Divulgação

O vereador Gabriel Azevedo (PHS) é um trator sem papas na língua. Coordenador de mídias sociais da campanha vitoriosa de Alexandre Kalil (PHS) à PBH, e há pouco mais de um mês exercendo o mandato, já desafia a base aliada. Bateu de frente com o líder de Kalil na Casa, Gilson Reis (PCdoB), até que este caísse. Agora, tem como meta tirar o vice-prefeito Paulo Lamac (Rede) da secretaria de Governo.

Vaidoso e polêmico, foi um dos fundadores da Turma do Chapéu, o grupo de jovens de direita engajados numa “renovação política” conservadora. Antes ligado aos tucanos, assumiu o cargo de subsecretário da Juventude no governo de Antonio Anastasia (PSDB). Só foi disputar uma eleição no ano passado, aos 30 anos de idade: abocanhou surpreendentes 10.185 votos.

O senhor foi coordenador da campanha de Alexandre Kalil (PHS), mas até o momento as decisões do prefeito não parecem tê-lo agradado: a autorização do aumento da passagem na capital, a escolha do vice-prefeito Paulo Lamac para a secretaria de Governo, a escolha de Gilson Reis como líder na Câmara…

O aumento da passagem em Belo Horizonte foi concedido pela gestão anterior, mas o Kalil poderia ter revogado essa decisão. Eu não coloco panos quentes nesses desacertos. E quando o Kalil faz isso, eu não hesito em dizer: “está errado”. Uma coisa que precisa ficar clara é que a minha proximidade com uma pessoa não é determinante para que eu concorde com ela.

E o Paulo Lamac na secretaria de Governo?

Eu sugeri ao Kalil que o retire da secretaria de Governo. O Paulo Lamac é um problema. O clima de insatisfação na Câmara é porque ele nomeou 90 pessoas. O prefeito virou para a plateia de vereadores e falou: “Juízo, hein?”. E agora o vice faz isso? Cadê a coerência com o discurso? Ou vocês acham que eu fiz isso (coordenar a campanha de Kalil) só para brincar? Não! Eu acreditava que com o Kalil era possível, e ainda acho que é. No entanto, é preciso criar um novo modelo na prefeitura em Belo Horizonte, onde a inflação da politicagem diminua.

Mas não é prerrogativa do Kalil fazer as nomeações?

Eu não sei o que está acontecendo ali, mas o Kalil é sujeito que delega. E ele delegou ao Paulo, com esperança, inclusive.

O senhor considera que o erro do prefeito está somente nesse ponto?

Cada um ao seu tempo. Eu não sou um soldado que disputa flancos ao mesmo tempo. Essa é a coisa crucial no momento (a saída de Paulo Lamac da secretaria). A mais grave e a mais complicada, porque é central.

​E a escolha do líder do Governo na Casa também foi feita pelo Lamac.

Sim, e nesse caso o Kalil percebeu que o Gilson Reis (PcdoB) era uma tragédia. O meu objetivo é simples, consertar as coisas. Então, era derrubá-lo.

O senhor quer esse posto?

De jeito nenhum. Eu não tenho perfil pra isso. Eu sei das minhas limitações e sei que esse posto não é para mim. Eu não quero ter o poder de nomear ninguém, mas de vetar.

Sim, mas outro problema grave é que, com menos de dois meses de mandato, alguns vereadores já reclamam da falta de diálogo com o prefeito.

O Kalil é um homem muito inteligente. E ele vai notar o que está dando errado. A política, assim como na vida, se aprende pelo bem ou pelo mal. O que está sendo fatal neste momento é o prefeito dizer que não há cargo para vereador e o vice-prefeito nomear 100 (indicados para cargos). É isso que gera desequilíbrio de poder. Kalil tem 13 secretários, e nenhum é vereador. Isso é louvável e foi absorvido pela Câmara sem problemas. Você acha que não tinha suplente torcendo para que os vereadores assumissem cargos de confiança? Claro que sim, inclusive do meu partido.

As urnas mostraram nas últimas eleições o desgaste dos políticos. Eles foram substituídos por empresários. Isso está claro na vitória de Alexandre Kalil (PHS) em Belo Horizonte; de Marcelo Crivela (PRB) no Rio e de João Dória (PSDB) em São Paulo. Como mudar essa aversão aos políticos?

Dando um bom recado. Quando o marqueteiro do Alexandre Kalil apresentou essa questão de “chega de político”, claro que eu, no primeiro momento, disse: “meu Deus, mas eu sou político!…” (risos). Mas a verdade é que ele estava certo. Porque a aversão das pessoas aos políticos tem sua importância. Eu não acho que seja uma aversão completa, mas a um tipo de político e a um tipo de política que ainda é majoritária. A vitória desses candidatos é um recado importante que os eleitores deram.

A intolerância nas ruas e nas redes sociais também é um recado importante?

Quando você mistura o deficit civilizatório com as preocupações governamentais voltadas para o estômago, para o consumo, e não para a educação, daí basta jogar a pimenta que faltava: a imprensa incendiária. Pelo Twitter, as pessoas esperam qual será a prisão do dia. Tem gente que faz da internet uma agenda de ódio. A política rapidamente atingiu no Brasil um nível de atenção e todo mundo começou a dizer “quero me importar”, mas age como se estivesse em um jogo de futebol. As pessoas se colocam na arquibancada vendo o político jogar, mas não entendem ainda que elas estão em campo também.

Qual era o propósito da Turma do Chapéu?

A Turma surgiu pra fazer campanha política pro Antonio Anastasia (PSDB). Feito isso, fui surpreendido com o convite do governador para ser subsecretário. E foi ótimo! Os quatro anos foram uma grande escola, sobretudo o conhecimento de como funciona um partido. Minha decepção começou ali. Vi a sanha do partido por cargos, que era uma coisa que eles criticavam tanto no PT. Por causa disso, rapidamente a Turma do Chapéu virou oposição dentro do PSDB. Nós éramos o suprassumo de uma militância que até então não existia, e eu me diverti muito irritando os adversários.

Como o senhor enxerga a situação do Partido dos Trabalhadores atualmente?

O PT hoje é o partido mais forte no Brasil. E sabe porquê? Porque é um partido de verdade. No sentido estrito do que Weber (Max Weber, autor de “Classe, Estamento e Partido”) determinou como partido de massa. Me diga um partido que tenha mais militância. Militância verdadeira. Apenas um. Não existe. Veja bem: o PT nunca perdeu tantas prefeituras como em 2016, mas ainda assim é o partido mais forte. Ele tomou porrada e pode ser a Geni atual (personagem da “Ópera do Malandro”, de Chico Buarque), mas ainda é um partido. Ou você vai me dizer que o PSDB é um partido?

E não é?

O PSDB é um partido em parte rudimentar, quase como o Whig (partido inglês com tendências liberais fundado em 1678), que era configurado quase que como um clube de cavalheiros. O PSDB é um conselho de sábios que, de certa forma, determina o que é pior e o que é melhor, sem ter que dar satisfação a ninguém. E por isso está nessa roda. Não existe militância no PSDB, existem figurantes. Uma coisa que a Turma do Chapéu desentoava era isso: nós éramos militantes verdadeiros, queríamos participar das tomadas de decisão.

E isso não acontecia?

Não. Tanto que entramos em choque com a Andrea (irmã do senador tucano Aécio Neves) quando dissemos, lá atrás, que não íamos apoiar o João Leite. Isso por causa do Pimenta da Veiga (candidato a governador de Minas em 2014). Desde o início, a gente questionou: “vocês vão repetir a cagada?”. E essa postura da Turma é diferente de figuração. Isso é o PT. A militância do PT tem essa característica: ela participa do processo, pula na fogueira, compra a briga e, portanto, quer ter poder de voz.

Essa hierarquização do PSDB foi o motivo do seu rompimento com os tucanos?

O Pimenta da Veiga foi o ápice de tudo o que era errado no PSDB. A candidatura dele foi a soma da arrogância, de não entender o esgotamento de um modelo, com a tentativa de aparelhar o governo antes mesmo do governo terminar. A campanha do Pimenta já era aparelhada. Você ia ao comitê e aquilo era uma repartição pública. Já existiam 30 salas com diretor de nada recebendo da campanha. Ali já estava o Nárcio Rodrigues desviando recursos internos para o filho. O Danilo (de Castro) desviando para o filho. Tinha o Alexandre da Silveira lambendo os beiços, querendo ser suplente do Anastasia. A campanha do Pimenta era um barco decadente, e eu não participei daquilo. Eu só entrei quando a Andréa me ligou. Eu estava em Tiradentes e ela me fez voltar para Belo Horizonte. Durante a reunião, no melhor estilo sincero, eu soltei: “onde é que vocês foram amarrar o burro, hein! Esse cara já perdeu”. Faltavam quatro semanas para a eleição. Eu disse para esquecerem o Pimenta e cuidarem do Aécio, ele sim podia ganhar.

E o Aécio, também foi uma decepção para você? Te surpreendeu o nome dele em tantos escândalos?

Eu não tinha liberdade com ele como eu tive, por exemplo, com o Anastasia. Até porque ele tem um núcleo de relação muito distinto. Eu nunca tive uma relação direta com o Aécio, mas ele apenas se mostrou ser um político como os demais. Ele operava o mesmo software operado por todos. Com a redemocratização, criou-se uma forma de fazer campanha política que perpassou, com muita tranquilidade, toda a década de 1990. Eu estou falando da relação entre empreiteiras e governos. O grande problema no Brasil, e que não é discutido, é a forma de se fazer campanha. O financiamento público, os modelos eleitorais, tudo isso levou, e ainda leva, vários políticos ao mesmo caminho. O Aécio teve a chance de mudar, acho que ele podia ter sido diferente.

Entendo que tudo isso te motivou a fazer um acordo com o PHS e lançar uma candidatura independente, mas esse tipo de decisão, não pode agravar a crise nos partidos brasileiros?

Não acho que seja um perigo perderem a força por isso. Os partidos não precisam da nossa ajuda pra isso (risos). Eu lancei a candidatura independente porque eu não me identifico com nenhum partido, eu não acredito na estrutura partidária tal como é. A democracia brasileira é refém de autocracias partidárias. Dentro dos partidos não existe democracia, em nenhum… então temos aí um grande problema.

Como surgiu o desejo de entrar para a política?

Acredito que venha desde o Colégio Militar. É um lugar muito importante para mim, pouco pela sala de aula e mais pelo ambiente que me permitiu entender o valor da união, das pessoas trabalharem em conjunto. Foi lá que aprendi também a enfrentar a autoridade. No colégio eu escrevia muita peça de teatro e geralmente as escrevia para confrontar, ironizar os comandantes ou aqueles que queriam tratar os alunos como soldados. Isso foi certamente criando entre os meus colegas um espírito de grupo. E essa coisa de criar o espírito coletivo no Brasil é muito importante. Eu tenho consciência que podia ter usado minha capacidade para cuidar de mim. A elite de BH fugiu da cidade, mas eu quero pedir para que as pessoas não fujam daqui. Para que fiquem e cuidem para que a cidade fique boa para todo mundo. É isso o que nos falta e é isso é o que motiva mais.