A pior solução possível para combater a violência nos estádios


Por Felipe Portes

 

Do ponto de vista desportivo, ter apenas uma torcida em campo durante um clássico é uma das maiores injustiças que se pode cometer com quem mais fez o esporte se popularizar no mundo. O futebol é o que é por sua massa fiel de fãs e sofredores nas arquibancadas, estejam elas lotadas ou não.

Entretanto, um pequeno grupo de pessoas se baseia na tese de que toda a violência que já vimos em campo, independentemente se originada entre rivais ou integrantes da mesma torcida, tem como solução a extinção de visitantes em partidas que envolvem grande rivalidade. Se isso serviu para coibir atos de agressividade ou confrontos, pode até parecer uma medida saudável, mas é uma afronta a um dos principais pilares do futebol, desde os primeiros anos de sua prática aqui no Brasil.

Comecemos então pelo óbvio: torcedores brigam em qualquer lugar, seja qual for a razão. A violência não é exclusivamente um problema do futebol e não escolhe só os estádios como palco para a selvageria. Há quem diga que o policiamento não dá conta de gerir mais de 30 mil pessoas em situação de crise. E que as bombas e balas de borracha servem apenas para responder a uma postura agressiva vinda das torcidas. Vamos fingir que acreditamos nisso.

A mesma “efetividade” policial para dispersar tumultos não se vê na hora de prender aquele número pequeno de torcedores que começam uma briga ou cometem crimes graves. Se há um fator preponderante para a violência nos estádios é a impunidade. Se a mesma polícia que baixa o cassetete em manifestantes e inocentes não consegue fazer seu papel fora desse recorte do futebol, temos um buraco que gera consequências graves. O sujeito que é criminoso e se infiltra no meio da torcida, naturalmente vai se meter em algum delito.

Em São Paulo, onde a briga entre homens de farda e membros de torcidas organizadas é mais ferrenha, há algum tempo os clássicos são disputados apenas com ingressos destinados a mandantes. O que, teoricamente, deveria impedir qualquer ato hostil entre adeptos da mesma equipe. Mas, não. No que o policiamento deixa de vigiar, brigas e assassinatos ocorrem bem longe do estádio, em ações combinadas. O que não dá para entender é como a inteligência da PM, que se infiltra com sucesso para sabotar movimentos sociais e manifestações populares, não consegue prever nenhum destes choques entre rivais. Ou há uma grande incompetência, ou isso não é uma prioridade na escala de trabalho. Não à toa, tantas mortes ocorrem em locais isolados, por motivo banal ou mesmo pelas famosas emboscadas contra adversários, cidade afora.

Mas vamos voltar um pouco ao espectro desportivo: Palmeiras e Corinthians jogaram no Allianz Parque, pelo Brasileirão. O líder da competição conseguiu bater o grande rival fora de casa pelo placar de 2 a 0, sem que nenhum torcedor alvinegro (ao menos declaradamente) comemorasse o fato nas bancadas do estádio palmeirense. Ainda que o índice de vitórias em clássicos seja predominante para o lado dos donos da casa, é inevitável pensar que haja uma privação da experiência futebolística para um dos clubes.

Não ter a sua torcida representada em algum canto do estádio é uma excrescência criada por quem prefere apresentar soluções preguiçosas em vez de trabalhar duro e regularmente para resolver um problema. O futebol só com torcida mandante é um atestado de que demos errado, é pegar a cônjuge no sofá com um amante e vender o sofá.

Enquanto essas medidas de segurança contemplarem apenas o local do estádio, mortes continuarão acontecendo fora dele, às vezes até debaixo do nariz de quem tem como principal função proteger a população. A não ser, claro, que você considere que o torcedor não é um cidadão com pleno direito.

Curiosamente, após este mesmo Palmeiras x Corinthians com torcida única, um homem foi esfaqueado no centro de São Paulo após uma discussão corriqueira com um grupo de corintianos. Uma ironia cruel que custou a vida de um palmeirense.

Esse problema está longe de acabar. Mas ele vai muito além de impedir torcedores visitantes de acompanharem seus times no estádio. Muito além. Como sempre, aquele cidadão comum que vai ao jogo com a família ou os amigos, acabou punido por tabela e pagou pela incompetência alheia. Vida que segue no país do futebol e do clichê.

Esportes

Felipe Portes

Jornalista, fundador e editor do site Todo Futebol, com passagens por Trivela e Yahoo Esportes.