A tortuosa concessão das águas de Caxambu e Cambuquira

Empresa sem experiência, especializada em limpeza de caixas de água e de gordura, é a vencedora da licitação da Codemig para exploração das águas minerais do Sul de Minas


Por Alice Maciel

Foto: Divulgação/Polícia Civil do Pará

As águas minerais de Caxambu e Cambuquira, no Sul de Minas, serão exploradas por uma empresa que não possui experiência na área. Vencedora da licitação realizada pela estatal estadual Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais), via pregão presencial, a empresa Máximus Prestação de Serviços tem entre suas atividades registradas a prestação de serviços de construção e também limpeza de caixas de água e de gordura, faxina de prédios, dedetização, tratamento de piscinas, entre outras, mas nunca lidou com produção ou distribuição de água mineral (DOC Maximus). Trata-se, na verdade, de uma pequena empresa de prestação de serviços para condomínios.

Até duas semanas antes da licitação, a Máximus era uma empresa de capital social quase que irrisório. Para se adequar ao edital, no entanto, seu capital foi integralizado e aumentado em 1.500%, saltando de R$ 100 mil para R$ 1,5 milhão (Capital Social Maximus). Quem representou a Máximus no processo licitatório foi o empresário Elton Sales (ele não é o dono da empresa, mas foi quem assinou por ela) (Elton Sales). Sales, na verdade, é dono da empresa Embraser Serviços, que está impedida, desde maio de 2015 até maio de 2018, de prestar serviços ao governo de Minas por descumprimento de obrigações em contratos anteriores. A Embraser também está no cadastro de empresas inidôneas do governo federal.

Marco Antônio Soares da Cunha Castello Branco é o presidente da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) –
Divulgação/Codemig

A única qualificação técnica exigida no edital da Codemig para as concorrentes na licitação das águas de Caxambu e Cambuquira foi a de que as empresas comprovassem a capacidade para distribuir 12 milhões de litros por ano. De acordo com a Codemig, em resposta por nota ao O Beltrano, a Máximus apresentou “um atestado de capacidade de distribuição que comprovasse acesso da empresa a uma rede de distribuição capaz de vender este volume”. “A empresa vencedora da licitação atendeu aos requisitos do Edital”, acrescentou.

Durante uma consulta pública realizada no início do ano passado, no entanto, a Companhia havia assumido o compromisso de “selecionar parceiro privado com expertise no ramo de alimentos e/ou bebidas” (DOC consulta publica).

“Quando foi realizada a consulta pública, a sociedade civil organizada, os moradores da região e o Ministério Público manifestaram-se contrários à proposta apresentada pela Codemig. Nem mesmo as nossas contribuições foram acatadas. O edital não obriga a empresa a usar as marcas Caxambu e Cambuquira, por exemplo. Foi desconsiderado todo o patrimônio histórico e o processo democrático”, ressaltou a advogada da ONG Nova Cambuquira e representante das organizações Caxambu Mais e Ampara, Ana Paula Lemes de Souza.

Divulgação/ Codemig

O modelo de parceria privada firmado entre a Codemig e a Máximus é o mesmo do estabelecido para a exploração do nióbio em Araxá, também administrada pela estatal e delegada à iniciativa privada por meio de Sociedade em Conta de Participação (SCP). Isso significa que a Codemig não participará diretamente das atividades industriais ou da administração da empresa, mas terá direito a 45% do lucro líquido dos negócios. Na nota de resposta a O Beltrano, a Companhia afirma que a licitação “não busca privatizar fontes e parques e, sim, estabelecer uma parceria produtiva com sócio apto a assegurar a execução do serviço com qualidade, em benefício de Minas Gerais e dos mineiros”.

Além de explorar as águas minerais por, pelo menos, 15 anos, a Máximus poderá produzir outras bebidas e qualquer outro produto em que a água mineral seja utilizada no processo. “Os sócios poderão, mediante deliberação em assembleia geral, incluir no objeto social da SPC água mineral outras atividades diretamente relacionadas aos ramos de fabricação e comercialização de bebidas, cosméticos, produtos de perfumaria e higiene pessoal, dentre outros nos quais a água mineral seja utilizada no processo produtivo”, diz o anexo II do edital. Para isso, ela poderá usar as fábricas das unidades de produção das águas minerais de Caxambu e Cambuquira.

 

Divulgação/Codemig

O edital também abre brecha para a empresa explorar futuramente as outras fontes de água mineral da Codemig de Araxá e Lambari. “A SPC terá direito de preferência para incluir nos seus negócios a exploração das unidades fabris e fontes de propriedade do Sócio Participante (no caso, a Codemig) situadas em Araxá, Lambari e Contendas, todas no Estado de Minas Gerais”, informa o documento. A Codemig coloca como condicionante para essa exploração que a SPC apresente uma proposta equivalente à melhor oferta feita em processo de licitação a ser realizado futuramente, apesar desta mesma condicionante, ironicamente, tirar a atratividade para a participação de outros competidores.

“A Codemig está trabalhando para manter viável o negócio de águas minerais, de modo que a parceria com um ente privado foi a forma encontrada para manter em atividade as fábricas envasadoras de Caxambu e Cambuquira, que têm inegável valor social para as localidades”, informou a Companhia. Veja resposta completa da Codemig para todos os questionamentos feitos pela reportagem  A reportagem não conseguiu entrar em contato com a Máximus.

Minas Gerais responde por cerca de 10% do total da água mineral produzida no país, ocupando a segunda posição no ranking nacional. É ainda o Estado onde se encontra a maior concentração geográfica de águas carbogasosas, alcalinas, alcalino-terrosas, sulfatadas e sulfurosas. Até 2015, era a Copasa quem fazia a exploração das águas minerais em Cambuquira e Caxambu. No entanto, a companhia rompeu o contrato alegando ter prejuízos. Desde então, a Codemig passou a explorar os recursos.

AS RESPOSTAS DA CODEMIG

1) A empresa vencedora da licitação, a Maximus Prestação de Serviços Ltda, não é do ramo do objeto da licitação. Contrariando, inclusive, a proposta apresentada pela Codemig durante a consulta pública  de selecionar “parceiro privado com expertise no ramo de alimentos e/ou bebidas”.

A empresa vencedora da licitação atendeu aos requisitos do Edital, que permitia a participação de empresas que comprovassem capacidade logística de distribuição de, pelo menos, 12 milhões de litros de água por ano, ou 1 milhão de litros de água por mês, por meio de Cartas de Intenção e Capacidade de Distribuição, conforme item 11.5 do Edital (Qualificação Técnica). Requereu-se, portanto, atestado de capacidade de distribuição que comprovasse acesso da licitante a uma rede de distribuição capaz de vender o volume citado. A capacidade máxima de explotação das fontes é definida pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), e não são os mencionados 12 milhões de litros.

2) O representante da Maximus, Elton Sales, é sócio da empresa Embraser Serviços Eirelli. Esta empresa consta no cadastro de empresas inidôneas do Estado. 

A mencionada empresa não participou do processo licitatório.

3) De acordo com informações da Junta Comercial, a alteração do capital social da Máximus, de R$ 100 mil para R$1,5 milhão, tem data de 11 de dezembro, mas só foi registrada em 5 de janeiro, depois do pregão. 

Conforme justificativa formal apresentada pela empresa em sua documentação de habilitação, a Junta Comercial encontrava-se de greve, o que foi considerado no processo.

4) Por que a Codemig optou pelo modelo de Sociedade em Conta de Participação? É o mesmo modelo de concessão do nióbio que está sendo questionado na Justiça.

Desconhecemos processo judicial com o objeto mencionado. Em relação à licitação para seleção de parceiro privado para constituição de Sociedade em Conta de Participação (SCP) destinada à exploração do negócio de águas minerais nas unidades de Caxambu e Cambuquira, pontuamos que o pregão presencial foi realizado no dia 27/12/17, na sede da Codemig, tendo sido homologado em janeiro/18, seguindo rigorosamente os trâmites legais. Documentos e informações sobre o processo estão disponíveis no endereço:www.codemig.com.br/licitacoes/CODEMIG/467-17/. Salientamos que essa licitação não busca privatizar fontes e parques, e, sim, estabelecer uma parceria produtiva com sócio apto a assegurar a execução do serviço com qualidade, em benefício de Minas Gerais e dos mineiros. A iniciativa do Governo estadual é importante para viabilizar os negócios e potencializar seu dinamismo, além de ampliar o público-alvo das águas minerais e valorizar a eficiência na prestação dos serviços à população. A Codemig procura, assim, maximizar o retorno econômico para o Estado e a sociedade, considerando sempre a gestão eficiente dos recursos públicos. Além disso, a Empresa objetiva fomentar novos modelos de negócio e ampliar as vantagens competitivas do nosso estado, propiciando ainda a geração de emprego e renda. A Codemig está trabalhando para manter viável o negócio de águas minerais, de modo que a parceria com um ente privado foi a forma encontrada para manter em atividade as fábricas envasadoras de Caxambu e Cambuquira, que têm inegável valor social para as localidades. Para que as marcas da Codemig sejam competitivas no mercado, é imprescindível que haja ampla distribuição e efetiva penetração em grandes redes. Como empresa pública, seus processos de compra e venda são regidos por legislação específica, o que restringe sua operação ao reduzir significativamente a competitividade e a agilidade necessárias ao atendimento de seus clientes.

5) Gostaria de mais esclarecimentos a respeito da concessão do espaço da fábrica. A empresa vencedora poderá usar o espaço para outros fins?

A fábrica será utilizada para o objeto da sociedade.