Eu não fiz nada. Eu só trafico drogas, aff!


Por Flávio de Castro

Anderson veio do interior, é gay e seus pais não sabem ou fingem não saber. A tal da faculdade de Relações Internacionais (ou algo assim) explicava sua ausência. Anderson ía nas festas e beijava escondido de si mesmo, escondido de seus pais, das suas tias, do seu avô, do seu vizinho, do seu colega de escola, de seu colega de fazer trilha, até do de seu colega DJ de house: Anderson dava altos beijão nervoso.

O fervo era farto, abismado era céu no alto da Afonso Pena. Anderson gostava de ver o bicho pegar! Ou a bicha? Por isso caiu na milonga daquela garçonete tatuada tucha poser, perdida no barzinho pretensioso, e decidiu pegar aquele tanto de bala por duzentão. Daria pra tomar algumas e ainda pagar vários drink na buati, aff. Não tem aké que aquende essa sede, Anderson!

Daria super pra tomar umas quatro, cinco, pagar o mala e se jogar no fervo. Daria para falar sem parar tantas noites inteiras, beijando escondido, abraçando e sarrando no after zona sul da cobertura no São Pedro. Beijando escondido do padre, da madre, do irmão, da dermatologista, do dono da padaria, do parceiro da academia, do colega de infância, do gato do facebook, do primo, do professor de Empreendedorismo, da polícia, do Espírito Santo e dos bróder nas náite de pegá muié. Escondido, djow. Anderson se procurava nas esquinas da Savassi e fazia uns moví de “E”, bala, pastilha. Eram umas verdinha, Mitsubitch, sei lá, Anderson não sabia escrever, só sabia pronunciar. Faltava às aulas da faculdade e se esquecia da vida, acordando em apartamentos de prédios de três andares onde a luz entrava sem pedir benção e besuntava aquelas manhãs de electro & excessos, besuntava as roupas pretas e os cigarros, besuntava tudo. Aloka.

Anderson, tadinho. Com os três amigos de Contagem que acabara de conhecer no after, a caminho da Igrejinha na Serra em seu Uno Adventure 2014, preto, placa de Dores do Indaiá, ele acelerava e ouvia The XX remixado. Anderson estava meio cansado de bala e queria mesmo era saber do padê nervoso. Queria treta, putaria, abismo, algo além do doce enfado do deslumbramento constante que o MDMA fazia nele.

Foi na subidinha da Rua do Ouro que Anderson tomou um baculejo. Perdeu, vish! Toda a família (tradicional e mineira ) soube taciturnamente da real. O lindo sobrinho gay traficante que foi fazer facul em belzonte. Aff, Anderson, aff! A vergonha e o silêncio dos amigos. O post revoltado da mina que ele estava pegando. A foto no instagram com as póc-póc, aff, Anderson, aff!

Quando o Cabo Fernandes encontrou três comprimidos verdes-claros de ecstasi malhado com anfetamina dentro da capa dos óculos Oakley de Anderson, a casa caiu. Anderson chorou, fez a loca e como bicha linda que era fez até piada. Riram todos, guardas e gays, enquanto o guincho chegava para levar o Uno Preto de Dores do Indaiá, tadim. De tanto medo, de tanta droga, de tanto desejo, de tanto desespero, Anderson repetia seu mantra contra os azares: tano gato, o resto a gente corre atrás. Anderson, tadinho, tinha feito uma tatuagem nova, uma tartaruga estilizada na panturrilha. Anderson, madame ou satã da Savassi, resolveu fazer um corre de bala pra bancar seus excessos.

Em frente do delegado gato na delegacia da rua Carongola com Contorno, quando deixa de ser Bahia, Anderson, que estava colocado, desaquendou a falar:

– Eu só trafico drogas, aff, aquelas! Mas sou do bem , juro. Só faço sucesso! Por favô, seu delegado, por favô, não liga pra minha família!

Anderson tentava ganhar tempo e pensar em alguma coisa, pois o seu I-Phone 6 estava sem bateria, aff. Passado o teatro, o delegado aquendou. Anderson não tinha realmente o perfil de um traficante de drogas. Era de boa família, gente direita. Nem todo mundo que trafica drogas é má pessoa, afinal. Alguns até fazem bem às outras pessoas, seja na política, no futebol, no helicóptero e mesmo na Igrejinha da Serra.

Conto-reportagem

Flávio de Castro

Poeta, professor de literatura e funcionário público de si mesmo.