A greve dos professores sem patrão

O Instituto Casa Viva, autogerido, foi ocupado por pais e alunos em apoio ao movimento


Por Petra Fantini

Publicado em 07/05/2018

Foto: Petra Fantini

A greve dos professores da rede particular de ensino de Belo Horizonte terminou na última sexta-feira, com acordo que não prevê aumento real dos salários, mas preserva os direitos previstos na Convenção Coletiva anterior da categoria. Foi uma greve emblemática, que levantou a bandeira de ‘nenhum direito a menos’, que hoje é de todos os trabalhadores brasileiros ante a reforma trabalhista e as propostas de reforma da Previdência.

O Beltrano acompanhou os dois últimos dias de greve de dentro do Instituto Casa Viva Educação e Cultura, uma pequena escola localizada na Cidade Jardim, zona sul da capital, onde não existem patrões ou chefes, e onde a discussão política floresce.

A escola é uma associação sem fins lucrativos, e seu conselho gestor é formado por oito educadores. Lá não há um dono, diretor ou coordenador. As funções administrativas são ocupadas em sistema de rodízio entre os membros do conselho e as decisões são tomadas de maneira horizontal. Em função do modelo de autogestão, as alterações na Convenção Coletiva dos professores que eram exigidas pelo sindicato dos donos de escolas, não teriam efeito imediato no Casa Viva. Entretanto, como forma de solidariedade e de integração à luta da categoria, o corpo docente da escola abraçou a greve.

Na quarta-feira (02/05), os professores fizeram uma reunião com os pais dos alunos para discutir o movimento. No encontro, pais e estudantes do ensino médio não apenas apoiaram a greve como também decidiram ocupar o Casa Viva, de quarta a sexta-feira. A ideia foi dar uma função política ao espaço, promover o debate entre os alunos e auxiliar os pais que não teriam onde deixar os filhos caso a escola ficasse fechada.

Foto: Petra Fantini

A ocupação começou com um lanche coletivo na manhã de quinta-feira. A professora fundadora e membra do conselho gestor Andrea Zica conta que os adolescentes logo assumiram as atividades, limpando a escola, lavando os banheiros e molhando as plantas. Isso ela soube por seu filho, aluno da escola, já que os professores não entram na Casa Viva. “Foi uma ocupação muito legítima, concebida e executada exclusivamente pela coordenação de pais e alunos”, diz a educadora de português e literatura brasileira.

Lanches, oficinas recreativas e bate-papos conduziram as tardes da ocupação. Na sexta-feira, a aluna Rafaela Brasil de Almeida, do 3º ano do ensino médio, sentou com os alunos mais novos, de até 10 anos, para explicar a situação. Primeiro, ela e Maria Ana Dias, cientista social, pesquisadora em educação, psicomotricista e mãe da pequena Pilar, perguntaram às crianças se elas sabiam o que é uma ocupação.

Foto: Petra Fantini

A primeira resposta foi surpreendente: “É o que o Temer fez no Palácio do Planalto”, disse um dos meninos mais agitados da roda, explicando que viu a frase no grupo de Whatsapp da escola. Outro estudante, mais novo, disse que uma vez sua turma foi assistir a um vídeo e a sala estava ocupada. Já um terceiro afirmou ser “alguma coisa que não é o governo, que quer tirar os direitos dos professores”.

Ao longo da conversa, as crianças mostram entender que a movimentação das últimas semanas têm a ver com a luta dos professores pela preservação de seus direitos. Vários contaram casos de escolas que não entraram em greve, mas onde os alunos impediram os professores de dar aula. Alguns pontuaram ainda que seu familiares não aprovavam a paralisação, ao que Maria Dias explicou que algumas pessoas têm opiniões diferentes, e que todos devemos conversar.

“O Casa Viva não é uma bolha. Ele se insere em um sistema maior de educação, e a luta pela educação é a nossa própria luta”, destaca Andrea. A proposta pedagógica do Casa Viva se baseia na educação libertária, que considera que o sujeito é o protagonista da sua história e deve ter ferramentas para posicionar-se frente a situações de conflito que vão surgir na sua vida social e emocional.

Foto: Petra Fantini

Como a escola realiza assembleias deliberativas não só de professores e funcionários, mas também de alunos. O corpo discente já está acostumado a se posicionar, diz Andrea. “Na assembleia de professores, lá na Assembleia Legislativa, uma aluna minha pegou o microfone e falou: ‘se os professores da minha escola encerrarem a greve com algum direito a menos, nós vamos fazer piquete e não vamos deixar eles entrarem na escola’”, lembra a professora.

Educadora há 26 anos, Andrea afirma que esta foi uma greve surpreendente porque não visava ganhos, mas a preservação do que já se tinha. “Essa é a mais triste porque é a primeira vez que estamos lutando por nenhum direito a menos”, diz. A tentativa de se transformar em lei as ideias que ficaram conhecidas como ‘Escola sem Partido’, que proibiriam professores de levar discussões políticas para as salas de aula, continua a professora, poderia impedir movimentos como essa ocupação.

Na tarde de sexta-feira, os estudantes do ensino médio foram para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) confeccionar cartazes e prestar apoio durante a assembleia geral do Sinpro. A União Nacional dos Estudantes (UNE) e o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Minas) também estavam presentes, além de alunos e professores de diversas escolas.

Foto: Petra Fantini

Entenda a greve

O movimento grevista, que começou na última semana de março, lutou contra a proposta do Sindicato das Escolas Particulares de Minas (Sinep) de alterar quase 30 pontos da Convenção Coletiva dos professores. Dentre as diversas medidas, a remuneração pelo recreio e as férias estão ameaçadas. Atualmente, eles têm direito a 20 minutos de intervalo após três aulas. A proposta, baseada na nova legislação trabalhista, previa que os educadores trabalhassem seis horas initerruptas.

No caso das férias, os professores têm recesso de 24 a 31 de dezembro e férias de 2 a 31 de janeiro. Pela proposta patronal, as férias seriam tiradas obrigatoriamente de 26 de dezembro a 24 de janeiro. Já os professores da educação infantil teriam 20 dias de descanso em janeiro e os outros 10 em mês determinado pelo empregador.

Em negociação desde fevereiro, o Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro Minas) conseguiu derrubar quase todos os itens de retrocesso. Em reunião feita no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) na quarta-feira (02/05), ficaram pendentes apenas quatro itens: reajuste salarial pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), ficando em 1,56%; homologação da rescisão parcial (redução da carga horária) e do aposentando pelo sindicato nos casos em que o educador tenha trabalhado naquela escola por no mínimo dois anos; garantia de remuneração e emprego ao professores grevistas, que não poderão ser demitidos em 2018; e vigência de um ano do instrumento normativo.