A literatura como paixão

José Frota, poeta e contista mineiro, prepara obra definitiva com compilado de contos e poemas, e mais inéditos. Por ora, um extrato de seus poemas.


Por José Antônio Bicalho

 

 

Literatura, todos sabem, não é bom negócio. Quem a pratica, o faz por paixão. Nem mesmo reconhecimento, independentemente do talento, é recomendável esperar para quem entra no mundo das letras.

O poeta e contista mineiro José Frota é um desses apaixonados. Escreve por toda uma vida, sem nunca ter alcançado o merecido reconhecimento, mesmo que incensado pelos poucos que conhecem seu trabalho. Não é autor de obra vasta, mas de enorme qualidade.

Ele é engenheiro Civil, formado pela Escola de Engenharia da UFMG, e Mestre em Ciências Mecânicas pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), onde lecionou por treze anos e ocupou o cargo de vice-reitor. Paradoxalmente, sempre militou à esquerda, mesmo durante a ditadura e dentro da escola da Aeronáutica.

Retornou a Belo Horizonte em 1975. Lecionou na Escola de Engenharia da PUC por 17 anos. No início dos anos 80, publicou seu primeiro livro, “Em Vermelho”, reunião de contos, com o apoio de seu amigo, o professor Edgar Godoi da Mata Machado.

Integrou uma série de movimentos em defesa da retomada da democracia e a favor dos direitos humanos. Foi vice-presidente do Sindicato dos Engenheiros em Belo Horizonte (1978-1982), presidente do Instituto Edgar da Mata Machado de Análise Política Econômica e Social (1983/1984) e participou de cursos noturnos para formação de Mestres de Obra em São José dos Campos.

Os contos e poesias de José Frota são espelho da formação erudita do autor, mesclada com uma mineirês do Sul de Minas, por vezes herméticos e cheios de referências, mas muito generosos a quem se dispõe a perscrutar e persistir. Atualmente, finaliza mais um livro, que pretende ser um compilado de sua obra somado a inéditos. O grande número das notas de rodapé previsto prometem guiar com mais facilidade o leitor em meio às referências literárias e filosóficas.


Segue, abaixo, uma seleção da obra poética de José Frota, enquanto esperamos seu livro definitivo.

Do livro: Restolho ou rebotalho poético / Como preferirem, de todo modo

O Tempo de Toinho em Santo Hilário (1)

Santo Hilário cidadezinha do sudoeste de Minas

Encravada no alto do morro olhando abaixo

Majestosa a represa de Furnas

Meio assim perdida no tempo do bom Deus

No sossego –preguiça do interior

Definida no tempo do relógio da venda do Toinho

Que anda as avessas daquele da vida de todos nós

Girando ao contrário no sentido ante horário

De modo tal que as nove e meia vem depois das onze

E outras tardias horas que de hábito

Soem levar os boêmios para o lar

São apenas nove e meia no relógio do Toinho!

Porque não? É um relógio que não falha!

Jeff- querido e até então anônimo interlocutor de Eleonora , depois outro,

Errado está o de nossa casa, mande consertar!

Santo Hilário deve o seu nome, ao ilustre cientista

Auguste Saint Hilaire, que o visitou nos novecentos

E como cientista renomado entendia de relógios

E mais ainda do tempo preciso de Deus e do Universo

Apoiado nos Meridianos em geral

E no Meridiano zero dos ingleses

Donos do século citado: o Meridiano de Greenwich!

Vá lá o Toinho e fregueses se haverem com tal autoridade!

Vamos nós todos por um motivo ou outro

Enganando o tempo e na falta de outros

Enganando a velhice no tempo atrasado no bar do Toinho

Acontecências (2)

Algumas palavras encontradas, na procura de outras

Desaparecidas ou encantadas, talvez enfeitiçadas

Mágicas, em busca de novas realidades e fantasias tais:

“Abre-te Sésamo, “Faz de conta”, “ Era uma vez outrora”

Mas outrora pode ser agora, onde você aguarda

Eleonora Fabião procura no fio do pensamento,

A linha de adivinhação que busca trilhar com o Desconhecido

Na linha da vida, um instante apenas, que chama outro após si:

-Era uma vez Eleonora e o Estranho numa sala de estar com duas janelas contíguas

Mais outro, presenças fugazes que ficam, num registro oral e transcrito

Numa trilha varrida no calçamento ali vai se deitar o Desconhecido

Ao lado de Eleonora e conversam ao apelo dela, provocação de performer

Sobre uma coisa qualquer, é importante que seja qualquer

Janelas abertas ao que vier, de antemão não sabemos como

Trocaremos falas: estranho para estranho , surpresa é o fundamento

Depois, sem nos conhecermos, vamos partIlhar Segredos, Falas e Graças

Como fizerem Eleonora, Jeff, numa sala de estar com duas janelas

Ou então outros interlocutores, é o que diz Hannah Arend (1)

Tudo que um performer faz, sabe ou experimenta

É convite para a discussão entusiasta, sempre aberto ao outro, ao desconhecido.

São precários: trocam tudo; topam tudo, tocam tudo: Passeios na praça.

Nem sempre a mesma: outros risos; outros jardins; outras flores

outras gentes, outras e mais outras, ad Infinito, gentes com muitas histórias

Eleonora Fabião procura: a palavra cheia de significado

Procura no calçamento o fio do pensamento, a linha de advinhação,

O marco divisório entre o que é e o que se imagina:

Descerram as cortinas, duas bailarinas inventivas

Quanto mais se ignoram antes, melhor criam

Recolhendo segredos entre as sapatilhas febris

Ou então serão as botas calçados da Aventura

De estradeiros trocando estórias de causos acontecidos ou inventados

Ali mesmo nas janelas entre vizinhos recentes

Janelas deixa comigo! Falemos mais delas.

Eu diante das suas janelas capto suas palavras que são minhas também:

Vocês que me leem, ouçam mais Eleonora, se não a conhecem, vale a surpresa:

“A cultura do medo, a vigilância desordenada, a multiplicação desenfreada

de terrorismos de toda sorte, contra o bio poder, o poder da vida, nos induzem praticar

mais e mais entre estranhos, desconhecidos: atos performáticos em que modos de habitar o espaço público sejam questionados e reformados

a luz de novas formas de relacionamento. Nestas circunstâncias:

Cometer performances tornou-se vital para mim.” (2)

(1)- Ana Arend conforme citado no texto de Ações-Eleonora Fabião- referencia 9?

(2)Ações, Eleonora Fabião-sobre a vocação para performance

Vivências (3)

Esqueça sempre o bem e a graça que fizeste a outrem

Guarde sempre o bem e a graça que lhe trouxeram

Vivemos sempre com o que amamos, vivências como gratidão, reúnem

Passa manes que as vezes enriquecem o bordado do tecido

janelas onde a noite penetra

A claridade do sol, entretanto, chega sempre com a manhã

E nas Vivências prevalece, o bem que nos fizeram

Encontros e achados (4)

Estradeiro sou, e sempre atendo

Chamado ou impulso,

Qualquer berrante

Que me devolva a estrada me engolindo

Teve um tempo de janela quando pensava:

Tudo está pronto, falta só contar

Mas o canto acabou e a vida segue difícil

Mesmo hesitante, devo escolher um caminho

quando já percorri tantos!

Pois chega sempre aquela hora

De procurar a bandeira perdida

No quintal da casa onde eu nasci

O lugar? Ainda vou achar!

Quem sabe ao lado do meu umbigo,

Senão ao pé de uma roseira brava.

Pensamento solto passarinho voa… voa – 2015 (06)

No tempo da velhice voa

Voa ciscando a infância adormecida

Voa PENSAMENTO PASSARINHO SOLTO

Passarinho voa no espaço galope

Do cavalo Rio Preto meu quando menino

Voa do espaço da diálise – presente ignoto

De onde fujo com sangue novo

Em dia claro! Vontade de viver passarinho

Pensamento solto para o mar de João Pessoa

Areia que brilha ao sol – pensamento fugaz

Azul de mar – pensamento onda

Azul de céu – pensamento nuvem

Poesia daqui dali e dacolá

Pensamento solto na imaginação

Voa…voa… e cisca também

Pensamento passarinho na muda

Cultivando a recordação

Após o tempo – Agora?

Voa apreensivo para a bruxa com a foice

Buscando o xará carpinteiro José

Mais as portas caprichosas

Que fez lá longe – passarim no céu.

Pensamento solto inventa esse verso

Passarim sonhando em voo alto

Que não sabe se vai junto aos queridos que partiram

Ou fica no aconchego dos amados e vivos

Sonhando nuvens coloridas

De cores diversas – resto de nossa Fantasia delirante

Onde o pensamento solto vive e adeja – Voa pois!

O Poente e o amante (15)

Nessa paineira

Bate o sol se pondo

Como um amante cansado

Desprende seu último sémem

No regaço da amada,

Atrás, discretamente num nível inferior

Adormecem enciumadas gameleiras

Roxas de paixão e desejo

E outras árvores verdes esmaecidas

Onde se escondem os pássaros

Para a noite próxima.

Mas a paineira é uma floração amorosa em branco e rosa

E nem percebe talvez quando o amante

Se põe a Ocidente, e se esconde vencido e humilhado

Por detrás dos morros (dois enfileirados)

No céu brilham ainda

Os restos de seu último orgasmo

Que espalhou-se agora

Num sono satisfeito

De paineira verde rosa e branco

Como a Estação Primeira de Mangeira

Nas montanhas de Ouro Preto

Libertas quae sera tamen!

Paisagem na neblina (17)

Agora é um olhar

Que luta para deixar as ondas

Como fosse um ser nascituro

Paisagem na neblina

Estudo de filme – A pelos rios da ex Iugoslávia

Vão leva- lo com alguma segurança

Pela Bósnia e Saravejo ocupada

A barqueira é uma moça

Vai de Atenas para Saravejo pelos rios

Deu-lhe carona, leva-o na direção da casa dela

Ás margens do rio. Encontra os mortos!

Assassinados! A seu mando, Vania:6

Da-lhe o lugar e as roupas; dorme com ele

Na casa abandonada dos seus

Paisagem na neblina

Estudo de filme B

E se não me conheceres mais?

Eu te farei sinais para que me reconheças

Eu te falarei de assuntos de teu jardim

E te abraçarei muitas vezes

E entre um e outro abraço

Contar- te -ei minha jornada

Através do mundo e dos tempos

Deixou-me o teu cuidado!

Jamais hei de deixar-te!

Filme de Theodoros Angelopoulos ( 1988)

Um menino e a menina numa cena, a menina pergunta:

voce não tem medo –ele responde ofegante não!

Pedro + eu

(26-10-2016) (18)

Pedro no colo na sala de TV

Dorme inquieto

Acorda toda hora com acessos de tosse

Mas agora chega o sol

E a vida vem como para nós dois com força!

E a poesia se esconde debaixo do travesseiro

E brinca com Pedro e o sorriso de Pedro

Que cresce com as cosquinhas que lhe faço

Para melhor acordá-lo afastando a preguiça

Do fim de noite, do fim de sonho.

Sei não! – Se sonho de criança tem fim

Parece mais que muda para um jardim encantado

Alternando maçãs vermelhas com periquito azul

E continua a provocar-lhe a imaginação.

Sonha Pedro! Sonha mais!

Sonha enquanto eu fico imaginando como será amanhã a turma de Pedro!

Mas eu não mais aqui estarei!

Já haverei me despedido do deus SOL

Que vem todas as manhãs

A morte seria aquele lusco fusco dos sonhos

Quando a anima vira alma

Como boa burguesa, perde toda animação

É uma tristeza grave e funda

Bastante grave e bastante funda

Sem ser o fundo do poço

Nem mais o fundo do dia!

Sem ser o topo de nada!

Sem ser mais todas as manhãs da minha vida!

Nem todas as manhãs do mundo

Haverá ainda dádivas a serem distribuídas?

Dadas ou recebidas?

Mortos ficamos de mãos postas!

Fim da linha do trem da vida

Sem dar nem receber!

Sem esperar; não se espera o que já veio!

Vida como a entendemos:

Ansiosa, medrosa, inquieta, esperançosa, trabalhosa

Vivaz , vivente, amorosa!

Quem sabe DEUS chegue pela noite

Coma criança no Natal!

Como Pedro sonhando

Como a Fantasia alegre do MUNDO!!!

(a primeira estrofe foi escrita no ano passado)