Acabou, Temer


Por João Gualberto

Foto: Lula Marques/Agência PT

Com uma chance bem grande de acertar, dá pra dizer que o governo de Temer acabou. Mesmo se ele não sair ou for saído, seja por agora ou em dezembro de 2018, o termo se precipitou. À beira do precipício, a denúncia do procurador geral da República por prática de corrupção passiva, remetida ao STF nesta semana, representa um empurrãozinho.

A estratégia de Rodrigo Janot, de dividir em três ou mais partes e tipos a formalização das acusações contra o presidente, fere de morte o grupo usurpador. Certamente, virão as denúncias por obstrução à apuração judicial e por formação de quadrilha, todas baseadas nas delações de Joesley Batista, da JBS. Para o PGR – que deixa o cargo em setembro – e a força-tarefa da Lava Jato, a estratégia é inteligente e acumula de mais louros as instituições de controle em sua cruzada contra a corrupção graúda. Para Temer e comparsas, o quadro é péssimo, como se explicará.

Mas, para o país, é ruim também: o impasse será de resolução demorada, e a sangria dos denunciados respinga em toda a sociedade. É um custo prolongado e compartilhado. Os ocupantes de cargos eletivos federais, hoje, dividem-se em acossados e acossadores, e nisso se resume o exercício dos mandatos. Os cidadãos representados, os eleitores, convivem com a peleja alijados e ignorados, ao passo que as políticas públicas e a gestão da coisa de interesse coletivo não interessam ao Executivo, ao Legislativo e também à Justiça, atolada em processos, denúncias e inquéritos. A administração federal perde a razão de existir ao canalizar suas energias exclusivamente na luta para sobreviver. E Temer, criminalizado, não dá pistas de querer abdicar do foro privilegiado.

Se nos próximos meses, ao menos, o jogo do poder central vai se resumir a resistir e empurrar, imagine como assistem a ele os agentes econômicos. O Brasil depreciou-se gravemente às custas das próprias inseguranças. Quando o empresariado bancou o impeachment, há dois anos, errou. Não porque com Dilma a situação macro fosse boa, pelo contrário, mas porque seria pior se ela fosse apeada por vias alternativas, como se deu. Ninguém sabe o que sai da caixa de Pandora uma vez aberta. Pois bem, não se constrói horizonte econômico sem estabilidade político-institucional. Não se ponderou quem herdaria o poder com a destituição da titular eleita? Julgaram que Temer era Itamar? Não se considerou a trama arriscada em que se amarra o comitê golpista? O empresariado brasileiro não se emenda? Ah, besteira especular bom senso de quem faz parte da trama.

Daí uma razão central de por que o governo acabou: o abandono por quem o “elegeu”. Se a debandada se confirmar, ela será sentida de duas formas, a segunda desdobrada da primeira. Esta virá da sinalização dos indicadores financeiros e das manchetes da grande imprensa, que têm por emissor um só, a elite econômica, que ungiu o golpe e o grupo sucessório. Fato é que, se a reforma da Previdência já era contada mais como emenda do que como soneto, só um arremedozinho de regramento, nem a trabalhista deve sobreviver mais nesse estado de salve-se-quem-puder.

As reformas, especialmente a da Previdência, era de fundamental importância para o mercado, como um lado B da Emenda Constitucional 95, a do teto dos gastos públicos. Sem a contenção – unidirecional e tacanha, que se diga, ­ de aposentadorias, pensões e auxílios, o controle global das despesas não vai se viabilizar no horizonte de uma ou duas décadas. Será um gargalo fiscal que pode vir a impactar com gravidade toda a administração federal.

Se Temer e amigos assumiram para fazer esse servicinho sujo da elite e, em razão da mão-grande, não serão capazes, podem ser sacados como foi Dilma, Collor etc. O que não interessa mais ao projeto aristocrata – exclusivista e patrimonialista – dos donos do poder vira manchete do PIG e motivo de “preocupação” do mercado. Podem sair milhões de pessoas de segunda a sexta nas ruas das capitais gritando “Fora, Temer!”. Se essa mobilização não ecoar na grande imprensa e nas flutuações do câmbio e do Ibovespa, isto é, se não estiver na pauta do andar de cima, o presidente não cai.

Aguardemos. Se essa primeira sinalização vier, a segunda será inevitável, um segundo abandono, agora da coalizão de apoio. Temer e os mais próximos, como Padilha e Moreira Franco, assumiram o pepino com a consciência de que vestiriam o manto da impopularidade. Até pela idade avançada da trinca, talvez cogitassem a aposentadoria compulsória em 2019, já que nem pra síndico conseguirão mais se eleger. Agora, não se dá o mesmo com os anônimos deputados do centrão, que é o ralo do fisiologismo do Parlamento brasileiro.

O recesso do Judiciário e do Legislativo está quase aí. Serão três ou quatro denúncias contra o presidente a tramitar na Câmara e, em todas elas, Janot pedirá a perda do mandato e, para todas elas, pelo menos dois terços da Casa terão que livrar Temer. Quanto mais tempo demorar essa tramitação entre Poderes, mais perto da eleição estarão os parlamentares, que só querem se reeleger. Até quando vai durar o compadrio, a negociata e o óleo de peroba? Ora, chegará o momento, para alguma das denúncias, ao menos, em que o centrão será levado a fazer bonito para a plateia. Já existe o entendimento de que a base aliada não está disposta a pular no abismo com Temer. A depender dos humores do mercado e do noticiário, será fim de linha para o comitê do golpe.

Se renunciar ou for afastado pelo Supremo, teremos Rodrigo Maia na Presidência interinamente. Meu Deus! Se dele exalará o cheiro do poder para atrair as moscas azuis, veremos. A depender das correspondências que o chefe da Câmara anda recebendo, os odores são dos piores.

Política

João Gualberto
 

Jornalista, economista e cientista político.