As dificuldades de compreensão da moda brasileira
A moda sempre foi sinônimo de inovação, mas acompanhar a velocidade de uma sociedade hiperconectada é um grande desafio
Por Marcela Xavier
Dificilmente alguém que tenha o mínimo interesse no mundo da moda não sofreu com a avalanche de fotos das recentes semanas de moda. Com a SPFW, em março, e o Minas Trend, na primeira semana de abril, todos os feeds do Instagram foram bombardeados por conteúdos produzidos em backstages, passarelas e showrooms.
A moda está sempre acompanhada de uma aura de glamour, em que todas as mulheres são magras, as roupas são feitas sob medida e a maquiagem e os cabelos estão sempre impecáveis. Não é à toa que no Brasil as profissões mais desejadas pelas crianças sejam jogador de futebol e modelo – afinal, Neymar e Gisele Bündchen são os nossos mais preciosos produtos de exportação. Mas a moda no Brasil é isso tudo mesmo?
A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) diz que o Brasil tem a quinta maior semana de moda do mundo, mas é possível que estejam falando de estrutura e não de relevância. Quando se pesquisa por “São Paulo” ou “SPFW” nos sites da Vogue dos Estados Unidos, da Nova Zelândia e da Alemanha, são pouquíssimos os resultados que remetem, de fato, à maior semana de moda do Brasil. No caso da Vogue Alemanha, as buscas não resultam em nada.
Ainda segundo a Abit, o Brasil seria uma referência mundial em moda praia e jeanswear, e estaria crescendo também nos segmentos de moda fitness e lingerie. O que isso quer dizer, na prática, é que o Brasil só tem destaque em nichos onde se cria pensando no consumidor, e não necessariamente na arte.
João Paulo Durão, stylist mineiro com formação no Istituto Europeo di Design, em Milão, reafirma essa impressão. “O Brasil é extremamente comercial quando se trata de criação de moda. Existe um medo de inovar baseado na falsa ideia de que se sabe o que o consumidor quer, sem levar em conta o momento digital no qual vivemos, em que tudo é instantâneo”, diz ele. Ainda segundo o stylist, o antigo formato, no qual a moda ditava o consumo, sofreu uma inversão: é o consumidor quem dita o que quer consumir. E a recusa por parte das marcas em aceitar a nova realidade resulta nas baixas de consumo recentes no mercado da moda brasileira.
A síndrome de vira lata na moda brasileira
Outro contraste entre a moda brasileira e a moda europeia tem origem na história. Para João, em lugares como a França, Itália e Inglaterra existem identidades e culturas forjadas por meio das roupas, como o chic francês, a elegância italiana e a quirkiness inglesa. Ele completa que teremos relevância mundial “apenas no momento em que o mercado brasileiro da moda se enxergar e aceitar sua identidade estética, sem olhar para fora como referência”.
São poucas as marcas que se aventuram fora do modelo comercial, mas são exemplos de frescor para o mercado. João Paulo cita Another Brand, Carlos Penna e LED, e completa com um dos maiores nomes do mercado atualmente: “Para mim, Alexandre Herchcovitch é sempre referência de inovação. Depois de se desligar de sua marca homônima e junto do marido lançar a À La Garçonne, ele voltou a fazer o que ele faz de melhor, criar”, diz
A moda de Instagram
O modelo excessivamente comercial não desencanta o público, que continua comparecendo aos eventos e registrando sua presença pelas redes sociais. Aliás, esse é um nicho que tem crescido muito mais do que a moda brasileira. Os influencers digitais são tudo o que há de mais quente no momento. Ame ou odeie, é fato que há youtubers e blogueiras por aí recebendo cachês significativos para comparecerem aos eventos e fazer suas próprias coberturas. Há, logicamente, uma leva de influencers não tão influencers que comparecem na esperança de se fazerem notados.
Uma questão que não pode ser ignorada é a forma em que a sociedade digital tem mudado os hábitos de consumo e as maneiras de se vestir. Com a recente cultura do “instantâneo”, fruto do fenômeno da moda nas redes sociais e adoção imediata de tendências e das novas configurações de status social, não necessariamente ligadas ao poder econômico. Elas podem ser ilustradas pela Curva de Roger Bell.
Embora o gráfico tenha sido criado com foco na adesão de novas tecnologias, ele também serve para ilustrar a vida útil das tendências de moda. Os innovators e early adopters são pessoas com mais conhecimento de causa e dispostas a encarar riscos, enquanto a early majority e a late majority representam a massa. Os laggards são os atrasados.
Ao observar as pessoas presentes nos eventos de moda, é possível classificá-las nessa curva. Um punhado de profissionais artísticos são as pessoas que mais se arriscam na hora de montar seus looks, enquanto quem está visivelmente de carona no mundo da moda comparece com produções inspiradas em influencers – fórmulas que deram certo para algumas blogueiras, de acordo com seus lifestyles, e que não são, necessariamente, lisonjeiras em todas as pessoas. É o caso das meninas que desfilam por aí vestidas de Kylie Jenner, Yasmin Brunet e Camila Coelho.
A sociedade como um todo está tentando descobrir como navegar pela era hiperconectada, um momento em que as barreiras entre o mundo físico e o virtual quase não existem e tudo acontece em alta velocidade. Para prosperar na moda – seja como artista, profissional liberal, empresário ou influencer – nesse mundo em que tudo é tããão Black Mirror, é preciso ficar atento não só às últimas tendências, mas às novas configurações e valores que ainda estão se moldando nas redes sociais.