Bernardo Paz, do Inhotim, é condenado
Justiça Federal impôs pena de nove anos e três meses, em regime fechado, ao empresário e mecenas. Condenação se dá por sonegação de contribuições previdenciárias e uso de empresas e organizações, incluindo o Museu Inhotim, para lavagem de dinheiro. Advogado de defesa nega as acusações e já recorreu da decisão
Por Lucas Simões
O empresário e mecenas Bernardo de Mello Paz, idealizador do Inhotim, o maior museu a céu aberto da América Latina, foi condenado a nove anos e três meses de prisão em regime fechado por crime de lavagem de dinheiro. A decisão da Justiça Federal de Minas Gerais aponta que Paz usava um conglomerado de empresas das quais foi sócio para maquiar suas contas e confundir a Receita Federal, incluindo dissimulações e fraudes financeiras nas contas do Inhotim. A irmã dele, Virgínia Paz, também foi condenada a pena de cinco anos e três meses de prisão em regime semiaberto, por participar do esquema criminoso.
A decisão da juíza Camila Franco e Silva Velano, da 4ª Vara Federal, foi publicada em 6 de setembro deste ano, mas só divulgada nesta quinta-feira (16/11) pelo Ministério Público Federal (MPF) de Minas Gerais. O advogado Marcelo Leonardo, que defende Bernardo Paz, informou que “a condenação é injusta” e já recorreu da decisão.
Na denúncia apresentada pelo MPF e acatada pela juíza, Bernardo Paz é acusado de usar o Grupo Itaminas, composto por 29 empresas, sendo a maioria de mineração e siderurgia, para criar “confusão contábil”. As operações são referentes aos anos de 2007 e 2008, quando Bernardo Paz foi presidente do conglomerado de empresas.
Segundo a sentença, o comportamento habitual do empresário era o de “não cumprimento de obrigações fiscais e previdenciárias, revelando completo descaso das empresas em relação ao Fisco”. As empresas acumulam dívidas milionárias inscritas na dívida ativa, algumas já em fase de execução à época dos fatos.
A denúncia aponta que as irregularidades financeiras eram praticadas principalmente pela holding BPM Participação e Empreendimentos, controladora de todas as outras empresas do Grupo Itaminas, e pela Horizontes Ltda. Segundo o MPF, Bernardo Paz criou a empresa Horizontes em 2006 para manter o Instituto Cultural Inhotim, a partir de doações de suas outras empresas.
O que chamou a atenção dos procuradores, porém, é que a principal acionista da Horizontes, a Vine Hill Financial Corp, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, é uma empresa cujo endereço é o mesmo de dezenas de pessoas físicas e jurídicas acusadas de crimes de lavagem de dinheiro. A estranheza também fez o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, notar movimentações financeiras irregulares.
Justamente no período em que Bernardo Paz é acusado dos crimes, entre 2007 e 2008, a Vine Hill Financial Corp recebeu US$ 98,5 milhões de um fundo registrado como Flamingo Investiment Fund, com sede nas Ilhas Cayman. Segundo o MPF, esse dinheiro entrou como doação e empréstimos para o Museu Inhotim, mas rapidamente os valores foram repassados, de diversas formas, “para o pagamento dos mais variados compromissos de empresas de propriedade de Bernardo Paz”.
A condenação da Justiça Federal deixa claro o que as próprias testemunhas de defesa admitiram diversas vezes, que todos os compromissos do Grupo Itaminas eram pagos com dinheiro da BMP Participação, através da conta da Horizontes Ltda, numa maneira de burlar a Receita Federal e a Justiça do Trabalho, “pois evitava-se a utilização de contas correntes em nome próprio das pessoas jurídicas do Grupo (Itaminas), a fim de impedir bloqueio judicial de valores devido ao não pagamento de obrigações fiscais, trabalhistas etc”.
Uma das formas transferir ilegalmente os milhões recebidos pela Vine Hill Financial Corp para as outras empresas do Grupo Itaminas foi sacando o dinheiro diretamente da boca do caixa. Segundo o Juízo Federal, Bernardo Paz usou várias pessoas para fazer os saques e, inclusive, receber parte dos repasses em dinheiro. Por isso, para a Justiça Federal, esses saques na boca do caixa, “longe de configurarem uma simples retirara em espécie, foram verdadeiras operações financeiras dissimuladas, visando induzir a erro no tocando ao destino final dos valores, já que o beneficiário de tudo foi Bernardo de Mello Paz”, segundo a juíza Camila Franco e Silva Velano.
VIRGÍNIA PAZ
A irmã do empresário, Virgínia Paz, é apontada como uma das responsáveis pela dissimulação do dinheiro que vinha do exterior, chegando a realizar movimentações financeiras num patamar 1.419% acima da sua própria renda declarada. Para o Juízo Federal, ela tinha plena consciência do objetivo das movimentações porque “a ré prestou-se a efetuar todos os pagamentos relativos ao Museu de Inhotim em sua conta pessoal, sabendo que tais transações eram oriundas da empresa Horizontes Ltda, chamando para si a confusão patrimonial e ajudando nas dispersão dos ativos”.
Em respostas à condenação da Justiça Federal, o advogado Marcelo Leonardo disse que recorreu ao Tribunal Regional Federal da Primeira Região por considerar a decisão injusta. “Esperamos reverter essa decisão porque os episódios não dizem respeito ao Museu Inhotim, mas sim a certas empresas das quais Bernardo Paz foi sócio entre 2007 e 2008. E ele era apenas sócio, não teve qualquer participação em nenhuma irregularidade”, disse.
NOTA
O Museu Inhotim, que abriga 23 pavilhões de arte contemporânea e cerca de 4.500 exemplares de espécies botânicas, publicou nota oficial em seu site. A instituição alega não ter “ligação com as empresas de Bernardo Paz, não respondendo ou participando, portanto, de nenhuma questão pessoal que o envolva”. Leia abaixo a manifestação completa do museu:
“A propósito da nota divulgada hoje (quinta-feira, dia 16) pelo Ministério Público Federal (MPF), replicada, na íntegra ou em partes, por diversos veículos de comunicação, o Instituto Inhotim esclarece que é uma instituição sem fins lucrativos, qualificada pelo governo estadual como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), sem ligação com as empresas de Bernardo Paz, não respondendo ou participando, portanto, de nenhuma questão de âmbito pessoal que o envolva.
Para realização de suas ações socioeducativas e manutenção de seus acervos botânico e artístico, o Instituto é mantido com recursos de doações de pessoas físicas e jurídicas, de maneira direta e incentivada, com amparo na Lei Federal e Estadual de Incentivo à Cultura.
O Inhotim reforça, por oportuno, que todas as contas da instituição são públicas e que passam por criteriosa prestação junto ao Ministério da Cultura, além de serem submetidas a um rigoroso processo de auditoria realizado pela empresa britânica Ernst & Young, ambos em periodicidade anual.
No anseio de esclarecer os fatos e evitar possíveis equívocos acerca de organizações distintas, e de diferentes naturezas jurídicas, o Instituto Inhotim reforça seu compromisso com a sociedade, com seus parceiros e com a comunidade em seu entorno, na busca incessante pelo desenvolvimento humano através da arte e da botânica”.