Bordado de luta
Linhas do Horizonte, um grupo de bordadeiras em torno da luta política
Por Lucas Simões
Sexta-feira (02/06), meio da tarde, no quarteirão fechado da rua Piauí, esquina com avenida Brasil, bairro Santa Efigênia, Belo Horizonte. Da porta da simpática Asa de Papel (misto de livraria, café, galeria e espaço para saraus literários), na praça, se vê um grupo de senhoras debruçadas sobre linhas, agulhas e panos. Bordando. E a conversa vai acompanhando os pontos-cruz e arremates. Falam de “coxinhas sem escrúpulos”, receios sobre a democracia e a “justiça injusta” do juiz Sergio Moro.
“Se acharam que a gente fosse ficar em casa vendo essa zona no país, estão muito enganados. Podíamos estar fazendo panos de pratos, mas resolvemos bordar faixas políticas nas ruas”, diz Leda Leonel. Ela é uma das idealizadores do Linhas do Horizonte, projeto que reúne centenas de bordadeiras em Belo Horizonte para atuar em defesa da democracia e contra o golpe parlamentar que derrubou a presidenta Dilma Rousseff.
O pontapé inicial para o Linhas do Horizonte aconteceu em 18 de abril de 2016. Em pleno furacão do impeachment, poucos meses antes da deposição de Dilma, a revista Veja publicou um perfil sobre Marcela Temer, esposa de Michel Temer, se referindo a ela como a “quase primeira-dama do país”. Logo na manchete, estava a trinca de adjetivos androcêntricos: “Bela, recatada e do lar”. A publicação revoltou não só militantes feministas na internet, mas um espectro inimaginável de mulheres distintas atingidas pela mesma misoginia.
“Essa reportagem foi um ponto inicial para que fizéssemos alguma coisa. Todas nós, nossas familiares, amigas e conhecidas, ficamos revoltadas com o modo que a grande imprensa tratava as coisas. Como era injusta, especialmente com as mulheres. Nós vimos a Dona Marisa sofrer ataques misóginos de todo o tipo, até no hospital. Depois, a Dilma foi chamada de desequilibrada, teve até as roupas julgadas pela imprensa. Fizeram piadas sexuais com ela. Vendo tudo isso, e a inevitável comparação com a Marcela Temer desde o golpe, decidimos ir par a rua”, diz Lucia Pinheiro.
A primeira ideia do grupo foi revidar a misoginia midiática com uma homenagem à Marisa Letícia, esposa do ex-presidente Lula. Em quatro meses, elas bordaram uma colcha de 2,60 por 1,50 cm, reunindo 84 retalhos bordados com diversas reverências afetivas à Marisa. Com a morte da ex-primeira dama, em 3 de fevereiro deste ano, decorrente de um AVC, e intensa exposição na imprensa, as bordadeiras decidiram ocupar as ruas.
“Nós queríamos ter entregado a colcha a ela. Não deu tempo. Mas hoje estamos em contato com o Instituto Lula para fazer isso. Depois de bordar a colcha para a ex-primeira dama, fomos às ruas com mais faixas e começamos a procurar atos que precisavam de apoio”, conta a bordadeira Carla Machado.
Nos últimos meses, para quem comparece aos inúmeros protestos e manifestações sociais e políticas que pipocam na capital mineira, encontrar com as Marisas Valentes, como as bordadeiras se intitulam, é praticamente certo. A tática delas é simples, mas muito eficiente. “Nós vamos aos atos que precisam de apoio e de visibilidade. É na hora, com as mulheres que vão se juntando ali conosco, que bordamos as faixas com mensagens solidárias, denúncias que precisam ser feitas. Às vezes, em uma hora, temos uma faixa pronta. E vamos fazendo mais. É um bordado político por justiça, feito com caráter de protesto”, diz Leda.
Com esse espírito, as bordadeiras estiveram na Greve Geral, produzindo faixas que questionavam o STF e o parlamento. Também sacaram suas linhas coloridas na Parada LGBT, de BH, militando pelo fim do preconceito. E marcaram presença no protesto de apoio ao grupo “De Quem É Esse Bebê”, contra o abrigamento compulsório de recém-nascidos de mães dependentes químicas ou em trajetória de rua.
Além disso, as bordadeiras fizeram barulho no Rolezinho de apoio a Chico Buarque, quando o compositor carioca foi hostilizado no Leblon por seu alinhamento político à esquerda, enviaram à Curitiba faixas de apoio ao ex-presidente Lula, no depoimento dele a Sergio Moro, e foram convidadas para bordar os estandartes da Sexta Valente e do Bloco de Luta, se alinhando também aos movimentos carnavalescos-políticos da capital mineira. Recentemente, também engrossaram a ocupação da antiga sede do jornal Hoje em Dia, em apoio aos jornalistas demitidos por Ruy Muniz.
Desde janeiro deste ano, o Linhas do Horizonte se divide em dois eixos. Um deles é dedicado aos chamados atos urgentes. “Nós estamos quase sempre a postos para participar de um protesto que precise de força. Nos mobilizamos muito rápido”, diz Lúcia Pinheiro. Em outra frente, as bordadeiras se dedicam aos bordados-homenagens, como fizeram à Marisa Letícia. A próxima homenagem será um colcha para a ex-presidenta Dilma Rousseff, reunindo 143 quadrados bordados com diversas mensagens à ex-presidenta. Entre os planos das bordadeiras, também está prestar uma homenagem aos jornalistas mineiros e eternizar o Dia de Liberdade de Imprensa, como ficou marcado o dia da prisão de Andrea Neves, irmã do senador afastado Aécio Neves (PSDB).
“Enxergamos no bordado uma expressão política e cultural. Quando nos juntamos para bordar, nós trocamos experiências também. É a nossa maneira de resistir e deixar para a história a denúncia desse golpe”, arremata Carla Machado.