"Botar fogo nisso", diz deputado
Em áudio de WhatsApp, deputado Felipe Attiê (PTB) escancara conchavo entre oposição e governistas para barrar o projeto de lei que impede ações violentas para retomada de áreas ocupadas. Attiê diz ter apoio do secretário de governo, Odair Cunha (PT), e do presidente da Assembleia, Adalclever Lopes (PMDB). Leia a matéria e ouça o áudio.
Por Lucas Simões e Rafael Mendonça
“Só se eles me matar (sic) para passar esse trem aqui. Isso aí é o fim da propriedade privada”, diz o deputado Felipe Attiê (PTB), em áudio de WhatsApp obtido pela reportagem de O Beltrano. Ele se referia ao Projeto de Lei 3.562/16, que impede ações violentas para a retomada de áreas ocupadas em Minas Gerais. No áudio, Attiê também diz ter fechado acordo com o secretário de governo Odair Cunha (PT) e o presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Adalclever Lopes (PMDB), para o projeto de lei “nem ser colocado em votação”, como forma de fechar os trabalhos da Assembleia no ano.
De autoria do deputado Rogério Correia (PT), o PL 3.562/16 impede que desocupações rurais e urbanas de áreas aconteça de forma violenta e infrinja os preceitos básicos de direitos humanos, a exemplo da desastrosa ação da Polícia Militar na Ocupação Manuel Aleixo, na cidade de Mário Campos, em maio deste ano, quando um policial acertou um tiro de bala de borracha na boca da adolescente Nathaly Gabriela da Silva, a Gabi, de 14 anos, que perdeu dentes e ficou seriamente ferida.
Entre as disposições do PL está a priorização da mesa de diálogo antes de qualquer ação judicial ou policial de desocupação de terrenos. Em caso de reintegração de pose, outra exigência é a não utilização da força física, incluindo armamentos de fogo, por parte da polícia. Leia o projeto completo neste link: https://goo.gl/cpkvGH.
Desde o ano passado, o Governo de Minas mantém a Mesa de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais, mas a inciativa não tem força de lei. Ou seja, não garante que conflitos fundiários sejam resolvidos prioritariamente por meio de diálogo, e que este anteceda ações de reintegração de posse judiciais ou policiais, como previsto no PL 3.562/16.
No áudio de Felipe Attiê, do dia 7 de dezembro, o parlamentar diz que um acordo fechado com o secretário de governo Odair Cunha (PT), o presidente da ALMG Adalclever Lopes (PMDB) e o deputado Gustavo Corrêa (DEM) impedirá até a apreciação do PL no plenário. “Não vai nem ser colocado em votação. Hoje nós acertamos isso de manhã cedo aqui com o presidente Adalclever, o secretário Odair Cunha, do governador, e o (deputado) Gustavo Corrêa”, diz Attiê.
Aparentemente, o conchavo entre governistas e oposição na Assembleia foi feito à revelia do governador Fernando Pimentel (PT). O Secretário de Estado de Desenvolvimento Agrário de Minas Gerais, Neivaldo de Lima Virgílio, continua trabalhando pela aprovação do PL. Ontem, Neivaldo disse ao O Beltrano que não conversou diretamente com Odair sobre o assunto e desconhece a posição do colega petista sobre projeto.
Neivaldo defendeu o projeto de lei e ressaltou que o deputado Rogério Correia, autor do PL, é “de confiança do governador”. Ele foi enfático ao ressaltar que “este PL, caso se transforme em lei, pretende contribuir com a paz no campo e na cidade. Evitar que mais sangue seja derramado em nosso Estado. Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito”, disse o secretário.
Neivaldo também é citado no áudio do deputado Felipe Attiê, como um dos apoiadores do projeto de lei a ser combatidos, assim como Gilmar Machado, ex-prefeito de Uberlândia e ex-presidente da CUT-MG. Em parte do áudio, o petebista diz que “isso aí é (coisa do) Neivaldo, é Gilmar, esse pessoal aí que quer por água e luz por conta da Cemig e Copasa em assentamento quando eles invadir (sic)”. O PL 3.562/16 não prevê a instalação de redes de água e luz por parte do Estado em terrenos ocupados.
Sem medir as palavras, Attiê ainda diz que iria “botar fogo” no projeto de lei, caso ele fosse apreciado em plenário. “Se fosse para votar aqui, no dia da votação, eu já tinha comprado até um vidrinho de álcool. E ia pegar ali na tribuna, botar fogo nisso, nesse projeto, e falar que tô queimando na minha mão e ia dar maior confusão contra esses sem terra e esse povo”, diz o deputado. Contatado pela reportagem, o deputado Attiê não respondeu aos questionamentos sobre o áudio.
Procurado, o secretário Odair Cunha também não retornou o contato da reportagem para comentar o acordo entre oposição e governo. O deputado Gustavo Corrêa, ferrenho opositor de Pimentel, foi questionado, mas não se pronunciou sobre o áudio. Já o presidente da Assembleia, Adalclever Lopes, não foi encontrado para comentar o caso.
Ouça o áudio completo aqui:
ENREDO
Para barrar o PL 3.562/16, o deputado Felipe Attiê ainda conta com o apoio dos deputados Antonio Carlos Arantes (PSDB) e Sargento Rodrigues (PDT). Os dois fazem esforços nas quatro comissões de tramitação do projeto para a protelação das análises. O PL foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, mas, antes de poder ser votado em plenário, ainda precisa de parecer nas Comissões de Administração Pública, Direitos Humanos e Agropecuária e Indústria.
O desembargador Alberto Diniz Júnior, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), se posicionou favorável à aprovação do projeto, uma vez que, segundo ele, a proposta se alinha ao novo Códio de Processo Civil, sancionado pela Lei Federal 13.105, de 2015, e que privilegia incondicionalmente a conciliação em conflitos fundiários. “É preciso conciliar, é preciso sentar à mesa e dialogar”, defende o desembargador.
O projeto de lei também tem apoio do coronel Aroldo Pinheiro de Araújo, comandante da 15ª Região de Polícia Militar de Minas Gerais. O coronel adiou por dois anos a reintegração de posse da Fazenda Córrego Fundo/Gravatá, no município de Novo Cruzeiro, no Vale do Jequitinhonha, exigindo um planejamento completo da operação. A medida resultou numa mesa de diálogo que terminou com a desapropriação da terra para reassentamento rural, em 2015.
GAFE
O deputado Felipe Attiê (PTB), que encabeça a cruzada contrária ao PL 3.562/16, é o mesmo que cometeu recentemente uma gafe na Assembleia Legislativa, ao debochar da apreciação de um projeto de lei, sem sequer saber que ele mesmo era o autor da proposta. Em sessão legislativa no dia 8 de novembro, Attiê reagiu com sarcasmo ao ouvir o título do PL 3.697/16, que institui o Dia Estadual do Coach. “Do coach… (risos). Esses deputados, é brincadeira”, disse. Logo na sequência, ao ser anunciado autor do PL, o deputado reagiu com um espantoso “oi?”.
Posteriormente, o parlamentar justificou o embaraço ao dizer que pediu o engavetamento do PL ainda em 2016, mas que “por um erro dele e da assessoria, a proposição continuou tramitando à revelia do gabinete”.