Caro eleitor do Bolsonaro
Ante à onda de violência fascista, O Beltrano pede que você repense seu voto
Por O BELTRANO
Publicado em 17/10/2018
Caro eleitor do Bolsonaro, nós, de O Beltrano, sabemos que você não é um fascista. Aos que forem, aconselhamos que abandonem a leitura por aqui. Mas temos a convicção de que a maior parte dos eleitores do Bolsonaro não o é, e se este for o seu caso, este texto é para você.
Queremos relatar-lhe o que ouvimos, ontem, de um jovem de 20 anos. Um garoto sensível, alegre, com um toque de timidez que não o impediu de falar em público. Na tarde de ontem, estávamos umas 20 ou 30 pessoas numa sala calorenta do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais. Participaríamos de uma coletiva de imprensa organizada por uma série de entidades para denunciar o surto de violências que se espalha pelo país no rastro da perspectiva da eleição de Bolsonaro.
No início da entrevista, fomos informados que, por motivos de segurança, não seriam apresentados relatos pessoais de vítimas das violências praticadas recentemente contra as comunidades LGBT, negros, mulheres e militantes de movimentos sociais. Mas este jovem quebrou o protocolo, pegou corajosamente o microfone e deu um depoimento triste e emocionante.
Ele se chama Israel e é morador de um bairro da periferia de Belo Horizonte. É estudante e tira algum dinheiro como dançarino em shows de funk. É moreno, esguio e gay. Ainda mora com os pais, num lote subdividido em pequenas porções onde estão também as casas de seus tios e primos.
Israel disse ontem ao microfone que está com medo de agressões e de sair à rua. Trata-se de um medo concreto, pois ele já foi agredido duas vezes por estranhos nas últimas semanas. Ele está abalado e seus olhos marejam ao relembrar os ocorridos, mas tenta se fazer forte e não vergar. “Mas está difícil”, confessa.
Ele sente medo quando está no ponto de ônibus do seu bairro, no qual foi recentemente ameaçado por ocupantes de um carro que trazia um adesivo do Bolsonaro. “Eles gritaram que dia 28 está aí, e que depois disso eu não vou viver muito. Disseram que iriam limpar o bairro”. Nesse dia, Israel voltou para casa chorando e, do pai, que não aceita sua condição de homossexual, recebeu o conselho para ‘virar homem’ ou então ‘não sair de casa’.
Depois disso, no retorno de um baile, quando seu grupo de amigos gays se dispersou na Praça Sete e ele se viu sozinho no ponto de ônibus, foi atacado por dois homens. Eles lhe empurraram, sujigaram e esbofetearam. E disseram que depois da eleição “não vai ter mais rolezinho de veado no Centro da cidade, não vai ter mais bonde de travesti”.
Caro eleitor do Bolsonaro, se você chegou até este ponto do texto é porque no primeiro parágrafo se identificou como um ‘não fascista’. Mas, aqui lhe fazemos uma pergunta definidora de identidade ideológica. Você acredita que homossexuais mereçam ser empurrados, sujigados, esbofeteados e ameaçados por sua condição, como aconteceu a Israel? Tenho certeza que sua resposta é um veemente “não!”, porque você não é um fascista.
Agora, uma outra pergunta, se nos permite: você acredita que essas duas experiências de ódio vividas por este jovem são eventos isolados ou se tratam do início de uma grande onda de intolerância posta em marcha por seu candidato?
Caro eleitor do Bolsonaro, concordamos que ações de ódio contra homossexuais não são novidade neste nosso país homofóbico e recordista em assassinatos na comunidade LGBT. Sim, sabemos que a violência extrema sempre fez parte do cotidiano de gays, lésbicas e trans, assim como do de mulheres, negros, indígenas, favelados, umbandistas e militantes sociais. Mas, meu caro, será que você não vê que alguma coisa está mudando radicalmente e nos empurrando para um mundo ainda muito pior?
Veja, meu caro, não estou exagerando quando digo que seu candidato, Jair Bolsonaro, está por detrás das violências perpetradas contra o jovem Israel. Os próprios agressores afirmaram isso com orgulho. E, mais do que isso, ameaçaram recrudescer a violência depois da vitória do ex-capitão. O que virá, então? Os gays serão caçados e abatidos nas ruas? E tais crimes, como serão tratados num governo Bolsonaro? Como agirão as polícias na investigação de tais crimes e na defesa da segurança dos grupos sociais mais vulneráveis?
Sim, caro eleitor do Bolsonaro, o objetivo deste texto é exatamente o qual você já desconfiava. Nós gostaríamos, sinceramente, que você repensasse seu voto. Se você não se identifica com o ódio, com o preconceito e com a intolerância, não vote em quem propaga o ódio, o preconceito, a intolerância. Nem em quem, colocado no poder, terá em suas mãos instrumentos para institucionalizar a violência e transformá-la em ideologia.
Sim, meu caro, nós sabemos que você não é fascista, mas Bolsonaro o é. Seu candidato pode não ter estofo intelectual para se dizer um fascista teórico ou histórico, mas é um protofascista, um ser político movido pela defesa da supremacia dos direitos das maiorias e da repressão violenta contra as minorias como inúmeras vezes já o fez.
Pense bem, lhe pedimos, e aceitamos contra argumentações. Temos até o dia 28 para resolver essa parada.
P.S.: Sobre a coletiva de ontem, as denúncias relatadas, as entidades participantes e a cobrança de uma resposta das autoridades contra a onda de violência, leia a matéria publicada no site do SJPMG: http://www.sjpmg.org.br/2018/10/movimentos-sociais-denunciam-violencia-eleitoral-e-querem-que-autoridades-tomem-providencias/