Casais LGBT´s apressam casamento devido à eleição de Bolsonaro
Diante dos diversos tipos de incertezas do que vem por aí, casais LGBT's buscam direitos
Por Pablo Abranches
Publicado em 05/11/2018
Casar está em alta na população LGBT. E não por acaso. É por urgência! E o motivo é a eleição de Jair Messias Bolsonaro à Presidência da República, confirmada no domingo (28/10). Com medo de perder direitos, casais homoafetivos decidiram adiantar a união civil antes da posse do presidente eleito, que acontece em janeiro de 2019.
É o caso do professor e ativista dos direitos humanos, Toni Reis, 54 anos, e seu companheiro David Harrad, 60 anos, natural do Reino Unido. Eles moram juntos há 28 anos e são pais de três filhos, em Curitiba. Depois de quase três décadas de convivência diária decidiram que este seria o momento para oficializar a relação. “Toda essa situação com a eleição de Bolsonaro fez meu marido ‘sair do armário’ (sic) e decidimos que era necessário o registro civil agora para não perdermos direitos.”, comentou Reis com bom humor.
Desde 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece a união homoafetiva, uma vez que o ministro Ayres Britto à época argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua orientação sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para a desigualação jurídica”, pontuou o ministro. E seguindo a resolução do Supremo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na resolução nº 175, dispõe sobre a habilitação do casamento civil, nos quais ficam obrigados os cartórios de todo o país a celebrar o registro e converter a união estável homoafetiva em casamento.
Todo este receio em meio à comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros se deve às declarações polêmicas proferidas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro quando ainda era deputado federal e em alguns momentos da sua campanha à presidência. Por exemplo, em 2011, ele disse em entrevista à Playboy: “Seria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo”.
Preocupadas com o discurso, a comoção nacional em torno de Bolsonaro e todas as questões sociais e jurídicas que envolvem o tema do casamento, motivaram também a jornalista Nara Lacerda, 37 anos e sua companheira, a publicitária Milena Machado, 36 anos, a adiantar a união civil. Nara, que morava em Brasília, foi viver com Milena, em Campinas, interior de São Paulo, por motivo de trabalho e desde então a rotina é de casamento. “Não pensávamos em casar oficialmente agora, porque nosso convívio já bastava, mas ao percebermos toda essa onda conservadora em torno do candidato, voltamos a pesquisar sobre o assunto e decidimos que era momento”, afirmou a jornalista.
Prevendo que medidas contra os direitos de cidadãs/ãos LGBT´s possam ser efetivadas, Toni também decidiu apressar os preparativos. Ele conta que começou a pensar na possibilidade de adiantar tudo entre primeiro e segundo turnos da eleição, quando as pesquisas de intenção de voto já mostravam a vitória do candidato de extrema-direita do PSL por 55% dos votos válidos, dado que se confirmou no segundo turno.
O advogado e integrante da Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG), Thiago Coacci, esclarece que vivemos num contexto real de retrocesso em razão das ideias conservadoras de Bolsonaro, mas é importante que a comunidade não entre em pânico. Para ele, a recomendação pessoal da ex-desembargadora e presidenta nacional da Comissão da OAB de Diversidade Sexual, Maria Berenice Dias, pode ter chegado para as pessoas de forma alarmista, mas que devemos ficar atentos. “Para que o próximo presidente possa mudar a lei que permite a união homoafetiva ele teria que pressionar muito a sociedade e o legislativo, mas no geral o direito tem por principio a proibição de rever matérias de direitos humanos, embora na prática isso possa acontecer”, afirmou Coacci.
A advogada e doutoranda em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Erika Pretes, concorda com Thiago, e diz que a eleição do Bolsonaro não significa necessariamente uma perda automática de direitos. “São vários os ritos no legislativo que devem ser vencidos e ainda assim as leis podem ser questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez também que a composição atual da corte é favorável aos direitos humanos e civis”, esclarece Pretes.
Nos últimos dias, uma consulta pública no site do Senado colocou em votação popular a proposta do senador Magno Malta (PR), aliado de Bolsonaro e cotado para ser ministro da Família, novo nome da pasta Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, que revogaria a Resolução nº 175, do CNJ, que reconhece a união civil homoafetiva, impedindo que casais do mesmo sexo contraiam união civil e convertam em casamento.
AUMENTA O NÚMERO DE UNIÕES HOMOAFETIVAS NO BRASIL
Apesar do clima de perseguição, as uniões homoafetivas estão mesmo em alta no Brasil. De acordo com dados divulgados na quarta-feira (31/10), os registros de casamento entre pessoas do mesmo sexo aumentaram em 10% em relação a 2016, o que representa quase seis mil casamentos a mais que em 2017. Embora casais LGBT´s estejam casando mais, de forma geral, (incluindo uniões heterossexuais), os casamentos têm durado menos. Na década entre 2007 e 2017, o tempo médio dos casamentos caiu de 17 para 14 anos.
Para a jornalista Nara Lacerda, toda a mobilização em torno do seu casamento se tornou um evento burocrático. “Estamos indo buscar um documento. É bem menos orgânico. Eu sei que, no futuro, se a gente for conversar com a comunidade LGBT que se casou em 2018, todo mundo vai dizer que estava com medo”, lamentou a Nara.