Censura, arte e bate-boca
Profissionais da cultura e deputados debatem onda de ataques à liberdade artística
por Lucas Simões
Em discussão acalorada na Assembleia Legislativa, na tarde desta segunda-feira (23/10), profissionais da cultura e deputados debateram as recentes tentativas de censura às artes em Belo Horizonte, em reunião Extraordinária da Comissão da Cultura. O encontro acabou tumultuado pelas declarações do deputado Leo Portela (PRB), que insinuou haver radicalismo por “dois lados extremos da sociedade, direita e esquerda”. E também causou polêmica ao se colocar como “oprimido” e defender o projeto Escola Sem Partido, apresentado por ele na Assembleia.
Requerida pela deputada Marília Campos (PT), a reunião encheu o Plenário da Assembleia, com presença massiva de artistas e representantes do poder público, em um intenso debate de três horas de meia.
Em determinado momento, Leo Portela pediu a palavra e falou sobre tentativas de censura por dois lados opostos da sociedade. Pastor evangélico da Igreja Batista e apoiador aberto da campanha à presidência do deputado federal Jair Bolsonaro, ele se colocou no lugar de oprimido por causa de sua religião. E incendiou a discussão: “Tive membros da família impedidos de serem enterrados num cemitério por serem evangélicos. Meu pai tomou pedrada por pregar ao ar livre”, disse Portela.
O deputado ainda citou a exposição “Faça Você Mesmo Sua Capela Sistina”, de Pedro Moraleida, dizendo que sugeriu a retirada de uma tela específica do conjunto exposto no Palácio das Artes, mas que não foi contra a mostra artística e não participou dos protestos de religiosos a favor do fechamento da exposição. “De certa forma, encontrei em uma tela margem para questionamento. Não sei… feria a integridade da exposição como um todo”, justificou o deputado.
Criticado e interrompido várias vezes pela plateia presente, Portela reclamou de “ser censurado” ao citar o PL 4.247/17, de sua autoria, que institui o polêmico Escola Sem Partido nas escolas públicas estaduais, que ainda não foi apreciado pelos deputados.
Em resposta às colocações do parlamentar, Luiz Bernardes saiu em defesa da exposição de seu filho, Pedro Moraleida, renomado artista mineiro morto em 1999, aos 22 anos.
“O deputado tentou passar uma ideia de que existe um conflito entre dois lados que estão sendo radicais. Isso não é verdade”, disse Bernardes. “Eu não fui para porta de nenhuma de igreja católica para discutir pedofilia. Eu não fui para porta de nenhuma igreja evangélica para discutir o dizimo que enriquece muitos pastores e bispos. E eu não fui porque eu acho que eu tenho que respeitar as pessoas que estão lá. Não significa que eu concorde que se assalte o bolso do povo ou que se pratique pedofilia nas igrejas e em outros lugares. Por que você não vê pedofilia dentro de museu, em um show de música”, completou Bernardes.
Regulação
O presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Rômulo Avelar, foi questionado pela deputada Marília Campos sobre como poderia funcionar uma possível regulamentação por lei para tratar de classificações etárias indicativas em atividades artísticas ao ar livre, como as praças, uma vez que espaços fechados, como museus e cinemas, já possuem suas classificações.
“Eu acho que a gente tem que ter muito cuidado para que essa regulação não venha na forma de censura. Esse é o perigo. Acho que não é fácil estabelecer esse tipo de regulação. Mas acredito na relação que artista e produtor estabelecem com o público, mesmo em espaço público. É bom senso, é o artista que conhece seu público. Acho que não devemos retroceder para a criação de um organismo que vai ser definidor do que pode ou não ir para a rua”, disse Avelar.
João Miguel, da Superintendência de Interiorização e Ação Cultural da Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais (SEC), ampliou o debate ao relacionar a onda de conservadorismo contra a arte com outras violências simultâneas, mas pouco reverberadas na imprensa.
“Também têm a ver com que a gente presencia todo dia, todos nós sabemos, a mesma violência”, disse. “São os terreiros (de candomblé e umbanda) sendo depredados. Tem expressões da cultura popular sendo expulsas das ruas”, completou o superintendente da SEC.
Ato público
Longe de um consenso ou do encaminhamento de políticas públicas inclusivas no âmbito artístico, essa foi “a primeira de muitas reuniões” para debater liberdade de expressão nas artes, segundo Marília Campos. “Eu saiu daqui com mais perguntas do que respostas, mas isso não é ruim. É só o início do debate, e precisamos fazer debates antes de leis”, disse a petista.
No próximo dia 21 de novembro, um grande ato nacional em defesa da liberdade de expressão artística será convocado no país inteiro. Em Belo Horizonte, a Frente Nacional Contra a Censura organiza um protesto com concentração na Casa dos Jornalistas.