Colunismo de Mostra de Cinema
As aventuras e desventuras de um jornalista a procura de assunto
Por Rafael Mendonça
Festivais ou mostras de cinema, como esta aqui em Tiradentes, têm vários pormenores além dos filmes. Sobre filmes, ando vendo meus três ou quatro por dia, entre longas e curtas, e falado deles. Deixo para turma com mais propriedade entrar nos meandros de narrativas e enquadramentos. Eu estou aqui para ver o todo. As pessoas. A sociedade nesse recorte que temos aqui. Ou como disse o amigo internauta, comentarista da página de O Beltrano: Estou aqui para falar, falar e não dizer nada.
Pois bem, comecei o dia vendo o “Apto 420”, do Dellani Lima. Uma divertida, reflexiva e, principalmente, informativa amostra de como mudaram os eixos quando a discussão é maconha. Um filme bacana. Tão leve e descontraído que poderia passar em uma sessão da tarde que as mães dos bolsominions nem reparariam a ‘cooptação comunista’.
“A gente queria fazer um filme que dialogasse com o espectador, mas também, e principalmente, um que dialogasse com os não usuários. Desmitificar. O almanaque são histórias reais de outras pessoas, que os atores interpretam”, afirma Lima.
Neste momento em que a discussão está tão em voga nos EUA, Uruguai e outros, o Brasil golpeado regride a lugares medievais: “As marchas são a linha de frente da discussão no país”, diz Dellani.
Saí do filme e fui ver uma sessão de curtas. Destaque para “Mamata”, de Marcus Curvelo, e “Peripatético”, de Jéssica Queiroz. Neste último, inclusive, em 15 minutos Jéssica conta de forma crua, real, feroz e muito sincera como anda a vida na periferia de São Paulo desde 2006 (ou seria 1806?), quando o salve geral do PCC aterrorizou a capital dos bandeirantes. No meu olhar, um excelente filme.
Fui a São João resolver um pepino (valeu Lívia), e na volta perdi o começo do filme “IMO”, de Bruna Schelb Corrêa. Entrei na sala, vi uma cena da atriz tirando os olhos, não consegui pegar o fio da meada e isso tudo estranhamente me deu fome.
E foi nesta noite de terça-feira que estranhamente minha narrativa tomou forma. Começou com muitas conversas, todas meio estranhas, à cerca de futebol mineiro, Vanderlei Luxemburgo, chatos de palestra e a Eletrobras, pôquer e os meandros dos festivais e editais de cinema. Se as paredes ouvissem, certeza que ruborizariam de vergonha. Difícil é provar… Outros assuntos muito interessantes estiveram em pauta, mas quatro ou cinco deles eu só falaria em off. Mas voltemos às amenidades, pois foram elas que empurraram pra frente.
Ao som de Pixies, uma caixinha JBL apropriada embalava faficheiros que se expandiam. Era a primeira noite que me animei a ir mais fundo. Tentei enturmar com algumas segundas intenções. Em vão. Sou um velho gordo, e nem a título de “ajuda” eles me deram bola. Acontece. Mas eu estava engajado na missão. Mais umas cervejas, mais um tempo. Ajudei uma nova, mas que me pareceu muito antiga, amiga com a brilhante ideia dela ir de pijama ao teste de exibição do filme que é produtora. Achei um absurdo ela, produtora, estar lá cedo. E achei que indo de pijama o recado estaria bem dado.
Não foi a primeira noitada que esperava. Os faficheiros amarraram e a cerveja estava gelada, porém cara. Em compensação dormi bem e acordei melhor ainda. Estarei acompanhando de perto a história dessa JBL vermelha. Acredito que dela ainda sairão grandes histórias.
PROGRAMAÇÃO DE QUINTA-FEIRA
Um dos destaques da programação desta quinta-feira, dia 25, será o bate-papo “Incidência de novos e antigos realismos em perspectiva latino-americana”, que integra o Seminário do Cinema Brasileiro e abre espaço para que a temática Chamado Realista seja expandida para além das fronteiras.
Na mesa, marcada para as 15h, estarão Andrea Stavenhagen (México, correspondente para a América Latina no Festival de San Sebastián), Raúl Camargo (Chile, programador e diretor de competição do Festival de Valdivia) e Roger Koza (Argentina, programador do Filmfest Hamburg e do Ficunam, crítico de cinema do Con los Ojos Abiertos e Revista Ñ), sob mediação da crítica Ela Bittencourt.
A partir da ideia de Chamado Realista, proposta pela curadoria da Mostra, o debate se concentrará nas seguintes questões: como o diálogo com a realidade de suas sociedades tem se manifestado nos filmes da América do Sul e América Central? Existe um contrafluxo em relação à demanda de realidade nas narrativas de ficção e de documentário? O cinema latino-americano, com suas particularidades nacionais, autorais e de filme a filme, está em diálogo com as demandas de vida nas imagens percebida em filmes brasileiros recentes?
O Seminário, entretanto, tem início ainda pela manhã. A partir das 10h, entra em pauta o processo de construção dos longas “O Nó do Diabo”, com o crítico convidado Alfredo Suppia, e “Ara Pyau – A Primavera Guarani”, com a presença de Victor Guimarães; além dos curtas da Mostra Foco 3, reunindo todos os realizadores.
A mostra Olhos Livres começa às 18h30, no Cine-Tenda, com a exibição de “Platamama”, de Alice Riff, sobre família de imigrantes bolivianos que tenta sobreviver no mercado de trabalho de São Paulo. A mostra Aurora traz dois competidores na noite desta quinta, ambos no Cine-Tenda: às 20h passa “Dias Vazios”, de Robney Bruno Almeida, drama intimista sobre casal que precisa decidir os rumos da vida após o fim do ensino médio; e às 22h tem “Baixo Centro”, de Samuel Marotta e Ewerton Belico, com outro casal em crise, desta vez pela força da opressão e pela ameaça da morte e desaparição que se insinua continuamente.
No Cine BNDES na Praça, será projetado “Camocim”, de Quentin Delaroche, às 21h. O documentário acompanha a jovem Mayara, que faz campanha política para um amigo em meio às disputas e aos currais eleitorais da pequena São Camocim de São Félix, no interior do Pernambuco.
A série 4 da Mostra Panorama reúne, às 16h30, no Cine-Tenda, os curtas “Memórias de um Primeiro de Maio”, de Danilo J. Santos, “Sweet Heart”, de Amina Jorge, “Avalanche”, de Leandro Alves, e “Território do Desprazer”, de Maíra Tristão e Mirela Marin.
A parceria cultural com o Sesc traz o show de Felipe Cordeiro, encerrando a noite no Sesc Cine-Lounge, à 0h30. A apresentação contará com a sonoridade típica deste músico influenciado pela Jovem Guarda, vanguarda paulista, carimbó, cumbia e música digital.