Como elas sustentam a causa e a casa

Mulheres que ocupam cadeiras políticas precisam enfrentar as tentativas de silenciamento por homens em seus mandatos


Por Laura Marques – Para Campanha Libertas

Publicado em 05/10/2018

Foto: Vereadora Áurea Carolina agora é candidata a deputada federal – Crédito: Bárbara Ferreira

Três mulheres entraram para o mundo da política formal de maneiras diferentes. Mas, uma vez eleitas, depararam-se com um desafio em comum: fazer suas vozes serem ouvidas no Legislativo, ambiente ainda dominado pelos homens. A Campanha Libertas conversou com a vereadora Áurea Carolina (PSOL), que tenta este ano uma vaga na Câmara Federal, e com as deputadas estaduais Celise Laviola (MDB) e Marília Campos (PT), que buscam a reeleição para a Assembleia Legislativa. As armas para enfrentar as tentativas de silenciamento vão desde os eleitores, a família, até o rap e a psicopedagogia.

A causa

A trajetória de Áurea Carolina é ligada ao movimento de jovens, principalmente da periferia. Ela já foi MC e aprendeu a lidar com ambientes machistas no mundo do rap. A luta voltada para a juventude continuou na Câmara de Belo Horizonte, depois que Áurea foi a vereadora mais votada da história da capital mineira. Foi relatora e hoje preside a Comissão Especial de Estudo sobre o Homicídio de Jovens Negros e Pobres. Atuando nesse espaço, propôs a priorização da cobertura de serviços e investimentos orçamentários nos territórios que apresentam os maiores índices de vulnerabilidade juvenil em BH e o estabelecimento de parcerias com universidades e faculdades de direito para acompanhar e assessorar juridicamente jovens pobres e suas famílias

Na Assembleia Legislativa de Minas, Marília Campos e Celise Laviola trabalharam desde 2015 para tornar permanente a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. Seu objetivo é fomentar políticas públicas, sociais e econômicas pertinentes às mineiras. A vitória chegou em julho deste ano, em um plenário tomado por homens. Por outro lado, está em tramitação desde 2015, sem nenhum avanço, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reserva ao menos uma vaga para cada sexo na mesa diretora da Assembleia. Atualmente, apenas homens compõem esse grupo. Os parlamentares são responsáveis por promulgar emendas à Constituição, ordenar despesas, conceder licenças ao governador, além de nomear, promover, exonerar e aposentar servidores.

A briga para se fazer ouvir

Logo no início de sua carreira política, Marília Campos percebeu que não seria recebida facilmente pelos colegas homens. Quando atuava no Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte, percebia que as mulheres eram priorizadas apenas nas atividades de organização e de suporte às lideranças masculinas. “Não são criadas condições para você ocupar um papel de projeção”, contou. Marília só conseguiu ser valorizada após atuação de destaque em uma greve dos bancários. Por demanda dos próprios sindicalistas, tornou-se presidente da entidade. “A pressão veio de fora para dentro; não foi uma articulação da direção. Foi o reconhecimento da própria categoria que me fez galgar um posto de maior expressão”, afirmou.

A deputada estadual Marília Campos é candidata à reeleição – Crédito: Bárbara Ferreira

Nos dois primeiros anos de mandato na Câmara Municipal de BH, Áurea Carolina sentiu na pele o desrespeito de colegas e de servidores. “O pior mesmo é na relação com os vereadores que se sentem autorizados a diminuir as mulheres, chamando de menina, não chamando pelo nome, fazendo algum comentário sexista sobre a roupa ou sobre o comportamento”, contou. A vereadora usa as lições do rap e a sua experiência como educadora popular para lidar em situações como essa. “Chamo para uma reflexão ou já pontuo que aquilo é um absurdo”. A deputada Celise Laviola, por sua vez, também vivenciou casos assim dia após dia, principalmente quando presidiu a Secretaria das Mulheres da União Nacional dos Legisladores e Legislativos. “A gente percebe que quando a gente chega, a conversa muda”, destacou.

O desafio do financiamento

A situação piora no período eleitoral. Celise aponta que antes da reserva dos 30% do dos recursos dos partidos às candidatas, a briga para conseguir recursos era desgastante. “Não sei como eles nos veem, se é como uma ameaça. Já passei por situações constrangedoras na hora de definir os repasses para as mulheres.” Nesta eleição, 84% da campanha de Celise é bancada pelo MDB. Ela recebeu R$ 300 mil da legenda.

Marília Campos também relata dificuldades para conseguir financiamento. A candidata a deputada estadual contorna o problema por meio do apoio popular. “A distribuição de recurso não é democrática”, disse. Do total de R$ 248 mil recebidos por ela, até o fechamento desta reportagem, apenas 23% vinham do fundo partidário. O restante é fruto de doações próprias e de terceiros.

Áurea Carolina foi a candidata a deputada federal que mais recebeu recursos do PSOL em Minas. Foram R$ 11 mil. Mas o valor representa apenas 10% dos recursos de sua campanha. “Tem um campo muito favorável, apesar de tudo que a gente está vivendo, para a minha emergência, a de Mariele e de outras”, contou.

A casa

Ao final de uma conversa de 40 minutos por telefone, Marília Campos revelou que, enquanto respondia às perguntas, deslocou-se de carro por BH e foi ao salão de beleza para depilar a sobrancelha. Seria impossível encaixar a entrevista na programação de outra forma. Se hoje tem mais tempo para si, a situação era outra no movimento sindical, quando os filhos eram bebês. “Naquela época, não tinha escola de educação infantil, tinha que encontrar uma babá de confiança. Eu sofri muito com isso, porque eles cobravam minha presença”. O marido da deputada também era do movimento sindical e ficava tão ausente quanto ela. “Mas a cobrança era muito maior comigo”, disse.

A pressão sofrida por Celise foi menor, já que os filhos eram adultos quando iniciou a vida pública. A deputada divide com as filhas a responsabilidade de cuidar da casa. “O envolvimento das meninas alivia bastante nesse processo para mim”, contou.

A deputada estadual Celise Laviola, também candidata à reeleição – Crédito: Divulgação/Facebook

Já Áurea divide com o marido as tarefas de casa. “Ele é um grande parceiro. Mas vira e mexe temos alguma discussão de como a gente organiza nossa vida doméstica. Para nós, isso ainda é um peso”, afirmou. A vereadora conta que ainda tem dificuldades para encontrar tempo para si mesma. “As defensoras de direitos humanos têm que se multiplicar para dar conta do recado. Não quero que seja assim, temos que ter mais pessoas ou a gente não vai durar nada”.

Minitrajetórias

Áurea entrou na política formal pela primeira vez em 2015, como subsecretária de Políticas para Mulheres de Minas Gerais. Deixou o cargo por discordar dos rumos do governo Fernando Pimentel (PT). Voltou a coordenar a Secretaria Executiva do Fórum da Juventude da Grande BH, onde já atuava antes de ir para o Executivo. Em 2016, foi eleita vereadora de BH.

Celise entrou no plenário em 2015, após se aposentar como servidora da Assembleia Legislativa. Decidiu disputar as eleições a pedido do MDB e de seus familiares que já tinham tradição na política – a parlamentar é filha de José Laviola Matos, deputado estadual em Minas Gerais por seis legislaturas consecutivas até 1995.

A trajetória de Marília Campos começou no movimento estudantil e depois à frente do sindicato dos bancários. Ela também participou da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) na região do Triângulo Mineiro. Seu primeiro mandato foi em 2000, como vereadora por Contagem. Em 2004, foi eleita a primeira mulher prefeita da cidade, sendo reeleita em 2008. Os últimos quatro anos foram de seu primeiro mandato como deputada.