Como lidar com o PMDB


Por João Gualberto

Antonio Cruz/Agência Brasil

Então, os caciques do PMDB no Senado agem como uma quadrilha? Não! Para! Não pode ser! Estamos chocados! Notícia mais reveladora do que essa, só a que deu conta do complô de Eduardo Cunha e Michel Temer para derrubar Dilma Rousseff. Cá pra nós: Renan Calheiros, Romero Jucá, Jader Barbalho, Edison Lobão, Eunício Oliveira, Valdir Raupp (além de José Sarney, que parece ter ido pra São Luís descansar em definitivo), é uma escalação campeã em candura e probidade.

Pois foram todos esses senadores e ex-senadores do PMDB denunciados por Rodrigo Janot em seu queimão de gaveta. E, nas últimas horas de seu mandato à frente da PGR, ele ofereceu a segunda acusação contra o presidente da República. Desta vez, Temer é acusado de formação de quadrilha e obstrução à Justiça.

Parênteses

Aqui começa um parêntese. Em agosto, os deputados federais livraram o chefe do Planalto da denúncia de corrupção passiva, por conta daquela mala com R$ 500 mil em posse do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR). Para tal absolvição, o plenário da Câmara foi comprado com R$ 4,1 bilhões em emendas e achacado com a ameaça de perda de cargos ocupados por apaniguados dos parlamentares na administração federal.

Passeando pelas estradas da região metropolitana de BH, o que se vê são outdoors de deputados propagandeando obras em hospitais, rodovias, quadras etc, feitas com verba de emendas que eles conquistaram. Só não contaram a que preço. Vai continuar assim?

Quando essa bufunfa em indicações ao orçamento foi liberada para salvar a cabeça de Temer, noticiou-se que o governo tinha raspado o cofre – o que é uma mentira, mas não venham querer fazer o cidadão de burro falando em crise fiscal para justificar reformas que espezinham com os mais pobres.

A nova e dupla denúncia de Janot (ainda que ele tenha se açodado e quase se queimado nos últimos dias) é muito mais poderosa do que a primeira, baseada em nada menos do que 22 delatores, entre eles, os donos da J&F e o doleiro Lúcio Funaro. É X-9 pra ninguém colocar defeito. Imaginemos o quanto nossos prostituídos deputados não irão cobrar para fazer o serviço (ainda mais sujo e doloroso) de livrar o presidente da República outra vez! Em um ano, as eleições baterão à porta e o medo de a memória curtinha do populacho funcionar justifica preço alto.

Certo é que vão abrir a porta do cofre de novo, e é essa a linguagem que mafiosos compreendem quando negociam. Temos um governo que esbanja bilhões em uma única “política pública”: sobreviver. Perdeu a razão de existir, se é que teve algum dia. Fecha o parêntese.

Quadrilha

Com amparo ainda de inquérito da Polícia Federal, Temer é acusado de cochefiar a quadrilha de seu partido, não só no Senado, mas na Câmara também. Outra vez, é uma informação surpreendente. Recapitulemos as revelações: 1) a cúpula do PMDB age como quadrilha; 2) parte dessa cúpula articulou a destituição da presidente eleita; e 3) quem urdiu o golpe se apossou da Presidência. Olha, é um encadeamento lógico alarmante! Nenhum gênio seria capaz de interpretar e antever essa trama há um ano e meio! (Ironia de novo, não custa alertar).

O canarinho que hoje se constrange ao acordar do pesadelo e reconhecer que foi manipulado para gritar pelo impeachment na rua, ainda assim não aposentou o PT como inimigo de estimação. Acusa Lula de ter escolhido Temer para ser vice de Dilma e, por essa lógica, temos uma quadrilha no comando da República também por culpa do inimigo número um da gente de bem brasileira. Ora, o PMDB foi o grande fiador da eleição e do governo de Dilma, realmente, e Temer, como talvez a maior liderança do partido, acabou escolhido para casar chapa. Acontece que essa força peemedebista também respondeu pelo sucesso eleitoral e governamental do próprio Lula… e de Fernando Henrique também.

Em uma rara expressão de genialidade, Aécio Neves (PSDB) soltou esta pérola, quando ainda era governador de Minas e provavelmente comentava alguma derrapada da administração federal de Lula: é difícil governar com o PMDB e impossível governar sem ele.

O partido que ora ocupa a chefia do Estado brasileiro atua segundo a estratégia da facção numerosa. Seu slogan: “Meu nome é legião, porque somos muitos”. São 1.028 prefeitos, sete governadores, 142 deputados estaduais, 68 federais e 22 senadores. A sigla controla o Congresso Nacional, boa parte do Executivo nas três esferas e tinha ainda as rédeas dos meios de financiamento de suas candidaturas e a de partidos aliados, pelo menos sob o modus antigo, como ficou demonstrado pela ascensão de Eduardo Cunha.

Fisiologista até o osso, “hay gobierno, estoy en el!”, o PMDB está no governo federal desde a redemocratização, até porque qualquer grupo que assuma a Presidência precisa, para se manter, do grande aliado, que permanece na Esplanada com todo o gosto. Até por preterir a qualidade de seus quadros em favor da mediocridade numerosa, o partido jamais foi capaz de eleger um presidente, optando por adotar de modo preferencial o papel de coadjuvante de luxo. Tal vocação não o impediu, contudo, de chegar ao comando do Planalto pela terceira vez em 30 anos, com Sarney, Itamar e Temer.

Patrimonialista no DNA, os peemedebistas fazem política para o próprio ego. Cientes de que são eles que viabilizam qualquer governabilidade, cobram alto e jogam baixo: “faça o que queremos ou pulamos do barco e fechamos um complô com seu opositor”. Por serem tantos, os maiores, acumulam poder político para amealhar mais poder econômico, que se converte em mais poder eleitoral, que resulta em mais poder político. Nesse ciclo que se retroalimenta, o PMDB incha, cada vez mais rico e poderoso, infiltrando-se em todas as repartições públicas do país.

Se o PSDB, hoje, é o PMDB do PMDB – ou seja, o grande aliado do grande aliado histórico – o PMDB, por sua vez, é a Arena de décadas: fincado no central da política, ele é o velho, o conservador, o mofado, o podre, o atrasado. Saudosos Tancredo, Ulysses, Pedro Simon. Saudoso MDB, que abrigou e sustentou a esperança da democracia a ser convertida em dias melhores.

Agora, o PMDB nada mais é do que o impasse da política brasileira, compreendida como meio de se impulsionar, pelo Estado, uma sociedade mais justa e próspera. É ele o “stalemate”, o nosso nó górdio. A solução para o país passa, em boa dose, em dar jeito na facção. Como e quem? Não se vê no horizonte Messias, Hércules, Aquiles, Gengis Khan ou Superman.

Tem uma charge do André Dahmer assim: dois caras assistindo a um jogo de futebol pela TV. O primeiro pergunta ao segundo: “Quem está jogando contra o Brasil?” E o outro responde: “O PMDB”.

Política

João Gualberto

Jornalista, economista e cientista político.