Copresidente e copresidenta

Pré-candidatos pelo Psol, Guilherme Boulos e Sônia Guajajara estiveram em Belo Horizonte e concederam entrevistas exclusivas a O Beltrano contando suas ideias para o Brasil e dando um panorama sobre o golpe


Publicado em 20/04/2018

Duas personalidades de destaque no Brasil de 2018. Guilherme Boulos e Sônia Guajajara. Sônia uma guerreira pelos direitos indígenas de longa data. E Guilherme Boulos, estrela em ascensão na esquerda, apontado por muito como possível herdeiro político de Lula. Entrou no Psol para concorrer ao cargo de presidente do Brasil. Mesmo dentro do partido causou polêmica com algumas alas internas. Mas ambos tem uma lúcida visão do que ocorre no Brasil pós golpe. Leiam as entrevistas abaixo. Uma boa forma de conhecer melhor estas duas novas caras da esquerda brasileira.

Rafael Mendonça – Editor de O Beltrano

“Hoje tem um abismo entre Brasília e o Brasil”

Por Lucas Simões

Guilherme Boulos faz jus ao lema “Povo Sem Medo”, nome da ocupação em São Bernardo do Campo (SP) feita pelo MTST, movimento pelo qual ele milita há 16 anos. Agora pré-candidato à presidência da República pelo PSOL, Boulos transparece uma vontade de renovação política explícita na camiseta azul que tem usado com frequência, estampada com os dizeres “sem medo de mudar o Brasil”. A partir desse mote, ele conversou com O Beltrano sobre projetos de governo, a nuvem antidemocrática que paira sobre o país e a sua forma ampla de fazer política, muito percebida nas mobilizações puxadas nas ruas, mas agora também a partir da perspectiva de transformar instituições.

No discurso que o Lula fez em São Bernardo do Campo, pouco antes de ser preso, ele se referiu a você como uma das novas lideranças da esquerda. Você carrega esse sentimento de liderança? É isso que te motivou a assumir uma candidatura à presidência da república?

Nossa candidatura tem o objetivo de apresentar um projeto novo para o país,  Um projeto de enfrentamento aos privilégios, por exemplo, um projeto de democratização profunda e entender os desafios que estão colocados hoje. É uma candidatura de resistência ao golpe, mas também que tem que aprender com as lições do golpe. De que não é mais possível reproduzir um modelo de governabilidade com os mesmos partidos que sempre mandaram no Brasil e no nosso sistema político. De que não é mais possível ter uma conciliação entre os de baixo e os decima. Essa é a mensagem que a gente vem trazendo. Ao mesmo tempo, nós vivemos um momento muito grave. Uma crise democrática profunda. Talvez a mais profunda crise desde o fim da ditadura militar. E isso exige de nós muita unidade. A esquerda tem que ter a responsabilidade para enfrentar esse momento histórico e, por isso, ter unidade democrática. Isso se expressou em vários momentos. Se expressou na nossa luta pelo direito do Lula ser candidato, (nossa luta) contra sua prisão injusta e contra os retrocessos de direitos sociais do governo Temer. A esquerda tem estado junta nessas pautas. Nós achamos que o fato de haver diferenças políticas, elas existem, não podemos também jogá-las para debaixo do tapete. O pensamento único não deve fazer parte da gramática de quem quer transformar a sociedade. A diversidade é saudável, a crítica é saudável. Agora,  isso não pode nos impedir de estar nas mesmas fileiras, de sentar na mesma mesa quando o objetivo é maior. Nesse momento é preciso ter uma ampla unidade democrática.

Você descarta uma aliança com outros partidos, caso a conjuntura política mude?

O debate que estamos fazendo nesse momento é um debate por unidade democrática. Nessa unidade democrática, deve caber não apenas as candidaturas do campo da esquerda não apenas os partidas da esquerda, tem que estar setores da sociedade civil, intelectuais, artistas, figuras públicas, movimentos sociais. Uma expressão disso foi a ida do Leonardo Boff hoje (quinta-feira, dia 19) lá para tentar visitar o Lula. Eu tive em Portugal, na semana passada para ajduar a fortalecer essa campanha internacional em defesa da democracia brasileira, com o Podemos da Espanha, Pilar Del Rio, Tarso Genro. Nós temos que entender a gravidade do momento e não colocar os carros na frente dos bois. Eu acho que esse é um momento que precisamos estar juntos pela democracia.

O Brasil tem passado um desmonte generalizado, mas que atingiu diretamente três áreas fundamentais: educação, com o congelamento de investimentos por 20 anos, saúde, com o desmonte do SUS, e trabalho e previdência, através das reformas impostas pelo governo Temer. Qual é o plano do seu governo, caso eleito, para essa situação?

Primeiro, não tem projeto de futuro para um país, se não reverter os estragos do governo Michel Temer. Em dois anos de um governo ilegítimo, o Brasil andou décadas para trás. A reforma trabalhista desmontou qualquer sistema de proteção aos trabalhadores, existia há 80 anos, desde 1943. A Emenda Constitucional 95 propõe o congelamento em  investimentos sociais pelos próximos 20 anos: saúde, educação, moradia, política social em todas as áreas. Você tem a entrega do pré-sal para empresas estrangeiras e uma série de medidas antinacionais e anti-populares, que precisam ser revertidas. Nossa proposta, a primeira de um governo nosso, é chamar um plebiscito para que o povo possa decidir se quer manter o revogar as medidas do governo Temer. Esse é um ponto de partida. Agora, existem outros elementos aí. Eu queria mencionar dois deles, que, nosso ponto de vista, são essenciais para o Brasil seguir um rumo que represente as maiorias. Um deles é o enfrentamento à desigualdade. A capacidade de investimento do Estado brasileiro em saúde, educação e qualquer política pública — inclusive o que pode gerar emprego e retomada da economia — nenhum país em crise retoma a economia apenas no setor privado. Investimento público é essencial.  Para que isso aconteça, é preciso repensar a forma como o Estado brasileiro é financiado. Isso implica propor uma reforma tributária progressiva. Hoje, quem sustenta o Estado brasileiro é pobre e classe média. Rico não paga imposto no Brasil. Nós temos que colocar isso na mesa e fazer com que os ricos comecem a pagar impostos. Tributação sobre lucros e dividendos, taxação de grandes fortunas, criar novas faixas no Imposto de Renda, inclusive desonerando ou isentando, melhor dizendo, as classe mais baixas. Não é simplesmente aumentar imposto porque pobre e classe média já pagam bastante imposto no Brasil. Inclusive, é preciso reduzir para eles e aumentar os impostos sobre o capital, sobre propriedades, sobre lucros, o que hoje no Brasil é uma farra. Isso passa também por regular o sistema financeiro. Quer dizer, é uma disneylândia financeira no Brasil. E uma segunda questão é o sistema político brasileiro. Por que nós podemos ter o melhor dos programas, nós podemos propor todas as reformas necessárias. Mas, nesse sistema de governabilidade, nesse sistema político, não se aplica. Então, nós precisamos realizar uma profunda reforma política, uma democratização do Estado brasileiro e uma aproximação do poder entre as pessoas. Hoje tem um abismo entre Brasília e o Brasil. Nós precisamos garantir que as pessoas tenham voz e tenham vez na política. A crise de representação que nós temos, a desesperança da maioria das pessoas em relação à política, tem a ver com o sistema político, que reserva apenas o direito de você apertar um botão a cada quatro anos. Isso não é democracia. As pessoas precisam ser ouvidas e participar da vida política de maneira permanente: com plebiscitos, com referendos, com conselhos, isso faz parte da política que a gente defende.

Caso seja eleito, como você pretende se comportar em relação às alianças entre partidos? Como é possível governar sem “sujar as mãos”, de certa forma, diante um Congresso que mais parece um balcão de negócios?

Primeiro, eu acredito que o povo brasileiro vai saber fazer uma importante renovação no parlamento. O PSOL está apresentando uma chapa para bancada parlamentar muito expressiva e vai aumentar seguramente a sua chapa. Esperamos também que outras forças progressistas se fortaleçam. Para além disso, este modelo de governabilidade se esgotou, nós temos que partir disso. O chamado presidencialismo de coalizão virou um balcão de negócios escancarado. Nós não pretendemos governar com essas alianças. Nós podemos governar com as nossas alianças e a maioria da sociedade brasileira. Isso significa mobilização da sociedade e, novamente, é garantindo plebiscitos e referendos para que o povo possa decidir sobre questões fundamentais. E não apenas o Congresso, ainda que o Congresso tenha um papel importante, mas não pode decidir tudo, assim como um presidente da república não pode decidir tudo. Voto não é cheque em branco. Uma reforma política de verdade significa o poder dos políticos e aumentar o poder das pessoas. É dessa maneira que nós pretendemos governar. Um governo em que todos tenham voz.

No cenário atual entre os pré-candidatos, quem são seus concorrentes principais, principalmente com Lula possivelmente fora da disputa eleitoral?

As eleições de 2018 são as mais abertas e imprevisíveis desde 1989. Nenhuma pesquisa que saia neste momento tem condições de apresentar um raio-x de como será o processo eleitoral. O cenário é incerto. O Lula lidera as pesquisas, há um movimento fortíssimo dos setores do judiciário para tirá-lo do processo eleitoral. A prisão dele tem a ver com isso. Nos cenários onde o Lula não aparece quem ganha, de longe, não é o Bolsonaro: são indecisos, brancos e nulos. O cenário é de muita confusão. Não é possível apontar o que será um cenário de segundo turno. Nossa candidatura é para valer e nossa disposição não é marcar posição na eleição, é disputar um projeto de país.

Uma marca sua são as ocupações e o chamado para os protestos e debates nas ruas.  Qual é o seu posicionamento, enquanto candidato à presidência, a respeito desse processo?

Política se faz nas instituições, mas não só. Política se faz nas ruas também. Eu atuo no MTST há 16 anos fazendo política. Não a política que foi desmoralizada, a política do 1%, das negociatas, mas ajudando a organizar as pessoas, estar junto com as pessoas, organizando demandas e lutas, isso é política no seu sentido mais forte e necessário para a sociedade. É verdade que nós precisamos disputar projeto eleitoral e minha candidatura é uma expressão disso. É verdade que precisamos disputar espaço dentro das instituições deste país. Mas é verdade também que é preciso ter lastro nas ruas. Por que mesmo que se ganhe as eleições, se você não tem um processo de mobilização da sociedade, se você não constrói formas de organizar a sociedade para mudanças, você ganha, mas fica refém de quem sempre controlou o Estado brasileiro.

Uma questão chave sobre a pluralidade de vozes no país é a democratização da comunicação, prometida inclusive por Lula, durante seu discurso em São Bernardo do Campo. Você, que aborda tanto a disputa por narrativas, como pretende agir para que a mídia brasileira deixe de estar hiper-concentrada no poder de seis famílias empresariais?

Nós precisamos fazer com que a Constituição seja cumprida. A democratização dos meios de comunicação é um imperativo na sociedade. Ela significa que as vozes que falam todos os dias para o povo brasileiro expressem a diversidade em todos os sentidos. A representação de diversos setores da sociedade, a representação de posições políticas distintas. Uma mídia não pode ser monolítica. E a própria Constituição diz que não pode ter monopólio e nós temos monopólios; a Constituição diz que não pode ter propriedade cruzada e nós temos propriedade cruzadas; a Constituição diz que político não pode ter concessão e político tem concessão a dar com pau nesse país. Então, o que nós queremos propor é que seja cumprida a Constituição Federal.

Apesar de falar pouco da sua vida pessoal, você comentou algumas vezes sobre sua formação em psicanálise. De alguma forma, a psicanálise de ajuda no trato político? Saber psicanálise ajuda muito nos tempos atuais para se fazer política. Auda porque a psicanálise nos ensina a escutar. E nos ensina a evitar certas armadilhas, que em tempos como esses, podem ser muito comuns na política. Como aqueles que, por exemplo, fazem de um momento de crise, muito insegurança na sociedade e perda de perspectivas, um grande manancial para o medo, estimulam o medo na sociedade. E o medo, isso é uma coisa que a psicanálise também nos diz, conduz à agressividade. Embora possam parecer opostos, eles são complementares: quem tem medo está muito aberto para um discurso de ódio, violência e agressividade. Bolsonaro é a maior representação disso hoje, não só no processo eleitoral, mas no debate político. Fazer um enfrentamento a isso, não pelo caminho do medo, mas pela esperança, apresentando um projeto de futuro, tentando dialogar e construir a várias mãos um projeto de futuro, nós acreditamos que é uma saída necessária.

 

Foto: Petra Fantini

A copresidenta indígena

Por Petra Fantini

Sônia Guajajara defende participação popula e preocupações ambientalistas na disputa eleitoral de 2018.

Primeira mulher indígena a fazer parte de uma chapa para as eleições presidenciais, Sônia Guajajara esteve na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) na manhã da última quarta-feira (18/04) para o debate “Povos indígenas: corpos e ideias para transformar a política”. A vereadora carioca Talíria Petrone, a mais votada de Niterói, na Grande Rio, também esteve presente e apresentou sua perspectiva enquanto mulher negra.

A militante maraense é candidata à vice-presidência pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) ao lado de Guilherme Boulos, candidato à presidência. Porém, Sônia avisa que sua chapa faz uso de uma outra nomenclatura, em que ela e Boulos seriam “copresidentes”. A ideia é destacar o peso igual que ambos possuem nas propostas de governo.

Pertencente à etnia Guajajara/Tentehar, Sônia é coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que abarca mais de 300 povos. Ela possui formação em Letras e Enfermagem e pós-graduação em Educação Especial pela Universidade Estadual do Maranhão.

Antes do evento, Sônia bateu um papo com O Beltrano sobre questões indígenas, ambientalistas e sistema político no Brasil.

Alguns cientistas políticos analisam que, por representar e trazer a bandeira de um povo específico, seria mais efetivo que você se candidatasse para um cargo legislativo. Por que escolher o executivo?

Essa é uma análise que nós também fazemos, o movimento indígena já há muito tempo faz essa discussão e a gente detecta essa necessidade de ter uma representação no legislativo. Para o executivo foi uma oportunidade que a gente encontrou na construção da aliança dos movimentos sociais com o Psol. E a minha candidatura na copresidência com o Guilherme Boulos não impede outras candidaturas indígenas nos estados.

Por isso o que nós estamos fazendo é incentivando outros indígenas a saírem candidatos, tanto que já temos confirmadas 12 candidaturas indígenas em 10 estados. Nós estamos tentando ocupar os diversos espaços que estão aí, e nesse momento a gente está na disputa eleitoral tanto no legislativo quanto no executivo.

Enquanto vice-presidenta, você acha possível dialogar com a direita do Congresso para a aprovação de propostas?

É complicado, né, muito complexo. Porque todas as propostas nossas enquanto Psol, enquanto movimento social, são totalmente contrárias ao que a direita defende. Então é impossível a gente fazer uma aliança com partidos de direita nesse sentido. E a gente sabe também que esse sistema político e a representação no Congresso Nacional como ela é hoje está totalmente defasado.

Esse sistema não consegue trazer para dentro do Congresso a demanda ou a representação da diversidade. A maioria dos que estão ali são das bancadas ruralista, evangélica fundamentalista conservadora, da segurança pública. Falta a cara do Brasil ali dentro. Então que a gente pretende fazer é ver uma forma de como, aos poucos, mudar essa sub-representação no Congresso. E claro, não se consegue isso de uma hora para outra.

Com relação à aprovação daquilo que a gente defende, do nosso programa, nós precisamos contar com a participação popular. O que nós enquanto Psol defendemos é que nós temos que incentivar os referendos e os plebiscitos e contar com a participação das pessoas. No nosso mandato a gente vai priorizar a participação popular.

Muitos países têm cotas para pessoas indígenas. Há uma articulação para aumentar a representatividade desses povos originários no parlamento?

Nós precisamos fazer isso, e para isso é preciso ter uma mudança no sistema político brasileiro. Então com certeza o nosso programa vai defender isso, que tenha maior participação da diversidade, e de fato ter um parlamento que tenha a cara do Brasil

Quais as demandas mais urgentes dos povos indígenas?

Uma demanda real e contínua é a questão da demarcação das terras indígenas. Nós temos hoje no Brasil, já em processo concluído, 13% de terras indígenas. E às vezes a bancada ruralista usa isso contra a gente, dizem que o território brasileiro já disponibiliza uma área muito grande para os indígenas e que essas áreas são improdutivas. Só que na verdade as nossas áreas estão segurando a redução dos efeitos das mudanças climáticas no Brasil, porque são essas áreas que mantêm barreiras naturais contra a emissão do gás carbônico, por exemplo.

Deste território indígena, 98% está na Amazônia. E aí a gente tem um passivo gigante de terras a serem marcadas no nordeste, no sul do país, no centro-oeste. Tem os indígenas que estão totalmente à mercê do estado brasileiro, à exemplo do que é o Mato Grosso do Sul, onde temos conflitos permanentes. A violência tem aumentado bastante, os assassinatos indígenas, e a maioria deles vêm por conta da luta por esses territórios tradicionais.

A criminalização das lideranças tem aumentado muito. Não só de lideranças indígenas, mas também de ativistas de direitos humanos, de direitos do meio ambiente, essas pessoas estão sendo muito ameaçadas e assassinadas. No ano passado, foram constatadas 70 mortes de lideranças ativistas.

Outra coisa que pode ser considerada grave também é o próprio projeto de desenvolvimento do país. A construção de hidrelétricas, a ampliação de ferrovias, a autorização de mineradoras em terras indígenas têm sido feitas sem garantir o direito à consulta prévia dos povos originários. Isso tem feito com que o Brasil se torne um país que desmata muito além do que é permitido. E ao invés de se lutar para ter uma política efetiva de proteção ambiental, nós estamos vivendo uma situação de flexibilização da legislação ambiental.

No Congresso Nacional hoje tramitam mais ou menos 180 medidas que têm a ver com retrocesso de direitos indígenas. Dessas, aproximadamente 20 dizem respeito diretamente à flexibilização da legislação ambiental. Ou seja, facilitar o acesso para a exploração. A gente não está dizendo que não tem que crescer, mas tem que ver as formas mais equilibradas, mais adequadas para garantir o crescimento aliado ao bem viver das pessoas.

Qual seria a maneira mais sustentável de aliar o meio ambiente, com os povos indígenas, e a agricultura no Brasil?

Eu acho que a consulta é uma forma. Inclusive a gente tem a Convenção 169 (https://goo.gl/rYCrZW) que garante a consulta livre, prévia e informada. E isso não é respeitado aqui no Brasil. Se fosse, com certeza haveria um meio termo para evitar o crescimento dessa forma que só destrói, considerando as questões social e ambiental.

A própria agricultura, a forma como ela está se expandindo hoje, é muito agressiva porque está entrando nos territórios da União que eram de preservação. E eu acho que devemos ajustar a questão da produção. O que se produz hoje no Brasil, tenta se vender essa ideia de que é para o crescimento econômico, para alimentar a população brasileira, mas só que grande parte é para exportação.

Essas áreas estão sendo muito ampliadas para plantação de soja, e a soja não é nosso alimento, ela é exportada basicamente para ração na Europa. O próprio gado, a carne é toda para exportar para a Europa, o couro é para ir para a Itália para sapatos, para bolsas. E o lucro disso não volta direto para o Brasil, volta para o agronegócio mesmo.

 

Foto: Petra Fantini

Algo que tem acontecido muito é a comparação de que você seria a nova Marina Silva. O que você acha disso, qual sua relação com ela?

A Marina é uma liderança política importante, disso ninguém duvida. Foi uma voz muito forte em defesa do meio ambiente durante muito tempo, a origem dela também, de uma pessoa que vem do campo, de luta.

Só que, ao longo da sua carreira política, as alianças que ela foi fazendo colocaram-na um pouco distante de nós. E eu acho que um momento delineador para isso foi a aliança que ela fez com o Aécio (Neves, no segundo turno das eleições presidenciais de 2014). Quando ela se alia ao PSDB, que tem uma política histórica contra a nossa luta, contra os povos indígenas, um partido que está do lado do agronegócio, que é totalmente ruralista, tem todo esse projeto de desenvolvimento que é contrário ao que a gente defende, nesse momento ela já diz de que lado ela está. E esse lado não é o nosso.

Há muitos grupos evangélicos chegando às tribos para pregar sua religião aos indígenas. Com isso tem afetado as aldeias? Tem uma mudança, uma perda de valores originários?

Tem, bastante. A gente não é contra a entrada da Igreja nas aldeias, em muitos casos tem até ajudado com programas sociais. Mas eles entram de uma forma que impõem a sua fé. Se eles entrassem para fortalecer a cultura, para ajudar os indígenas a estarem ali mantendo suas tradições, seria diferente.

Mas é uma forma muito violenta, muito agressiva como eles tentam impor mudanças na cultura. Eles acabam fazendo um etnocídio na forma como é, de que os indígenas têm que seguir aquela religião, que usar urucum, usar jenipapo não é permitido. Enfraquece muito a cultura dos povos indígenas. Está muito preocupante, porque está crescente esse número de pessoas.

E o pior é que não é só o evangélico que está entrando, porque tem evangélicos progressistas que conseguem dialogar e conseguem trazer uma mensagem sem impor mudanças bruscas. Quando a gente fala desses que impõem são os conservadores, fundamentalistas, e são os mesmos que fortalecem a bancada evangélica que vota contra nós. Nós não podemos separar aquele que está na aldeia com aquele que está ocupando o Congresso. Eles estão ali com esse propósito também. Então é preciso ter muito cuidado.

Como é a questão do gênero nas tribos indígenas?

O machismo é uma coisa que está arraigada no Brasil inteiro, e não tem como a gente também não ter herdado isso do colonialismo. A gente teve esse período todo de invasão, processo de colonização muito violento, massacre. Então nossos povos também herdaram muita coisa desse processo.

E de certa forma, dentro das aldeias, há também divisões de tarefas. O que homem faz, o que que mulher faz, que a gente às vezes considera como cultural. Só que, ao longo dos tempos, as mulheres têm conseguido romper um certo bloqueio e não mais entendem essas imposições como cultura, e sim como heranças que precisam ser superadas.

A gente tem conseguido ocupar vários espaços para além das aldeias, porque durante muito tempo nosso lugar era ali, no dia a dia, na rotina. Muitas mulheres indígenas hoje estão ocupando espaços também de discussão política, espaços do poder. E a gente está refazendo a nossa história a partir do protagonismo na luta.

Há uma onda de rejeição aos antigos políticos, você acha que também poderia entrar nisso, ser um novo rosto?

Com certeza. É a primeira vez que eu estou participando da disputa eleitoral. Sempre fui do movimento social, sempre estive aí no movimento indígena, e é a primeira vez que eu chego nesse campo da disputa eleitoral.

O eleitorado está procurando de fato uma cara nova, está procurando alternativas para poder escolher seus candidatos. Já tem toda essa experiência de pessoas que estão aí a vida inteira e não conseguem fazer uma mudança efetiva na forma de fazer política. Então eu acho que a gente precisa sim de ter outras alternativas.

Como o Psol pretende superar o tempo curto para propaganda eleitoral na televisão, de forma que o eleitorado conheça a sua cara e a do Guilherme Boulos?

Indo no corpo a corpo, no dia a dia (risos). Claro que a televisão é super importante, tem um alcance muito maior, muito mais rápido. Mas nós estamos nessa trincheira de percorrer o Brasil inteiro, conversar com diferentes grupos, e fazer com que as pessoas que acreditam nisso possam também ser multiplicadores da divulgação da nossa campanha. E não só de uma campanha eleitoral, mas de um processo que a gente quer construir para pós eleições.