Da rua pro palco, do palco pro mundo

Grupo Galpão completa 35 anos com série de espetáculos e espírito de criança


Por Lucas Simões

Grupo Galpão 35 anos: Foto Guto Muniz

Desde a primeira encenação, em novembro de 1982, que levou à Praça 7 algumas dezenas de pessoas para assistir “E a Noiva Não Quer Casar”, o Grupo Galpão fez da rua e do céu aberto o seu palco principal. Hoje, com 35 anos de trajetória, ainda que a trupe flutue por um consenso de prestígio consolidado em teatros e festivais de renome, o DNA é tão forte “que a gente dá um jeitinho de levar essa arte para a rua sempre”, diz a atriz Inês Peixoto.

Muito por isso, na comemoração dos expressivos 35 anos, que começam hoje e vai até o dia 29 de junho, o Grupo Galpão levará três de suas peças mais recentes para a Praça do Papa, esperando um público de 5 mil pessoas em cada apresentação gratuita, em Belo Horizonte. Até o fim do ano, a trupe faz turnê passando por Rio de Janeiro, Natal, João Pessoa e Aracaju, com o mesmo espírito mambembe de exercitar linguagens diferenciadas, provocando as interseções entre teatros tradicionais e o espaço público. 

Ao todo, a turnê condensa cinco espetáculos mais recentes do grupo: “Os Gigantes da Montanha”, “De Tempos Somos”, “Till, A Saga de Um Herói Torto”, “Nós” e “Tio Vânia (aos que vierem depois de nós)”. É um recorte da diversidade que pauta os 23 espetáculos criados pela companhia até hoje, passando por clássicos, montagens de rua, palcos italianos e até mesmo um sarau. “Nos 20 anos do grupo, a gente já tinha reunido cinco peças emblemáticas. Agora, 15 anos depois, vimos que as nossas cinco peças recentes são muito diferentes. Do infantil à problematização social adulta. É bom ter esse retorno de que as coisas seguem diversas no grupo”, diz Eduardo Moreira, um dos fundadores do Grupo Galpão.

Há 22 nos, o Galpão mantém o mesmo núcleo, com 12 atores fixos (todos cantores e instrumentistas), e a característica de sempre trabalhar com diretores convidados, como Yara Novaes, Eid Ribeiro, Cacá Carvalho, Gabriel Villela e Ulisses Cruz. Praticamente uma família que exercita o hábito de revirar memórias, fragmentos de sentimentos e leituras dramáticas com uma paciência típica para chegar sempre à inovação.

Grupo Galpão 35 anos: Foto Guto Muniz

“Toda montagem que vamos fazer é uma discussão, um processo minucioso e lento para chegar a novas perspectivas. Quando sentamos para reunir, inevitavelmente vem a pergunta: o próximo espetáculo vai ser de palco ou de rua? Sempre há esse questionamento. Pensamos em fazer o próximo de palco, mas não está nada definido. Quero dizer, as coisas podem mudar. Ainda estamos na fase de absorção de influências e inspirações para lançar um próximo espetáculo inédito, em 2018. Fato é que o Galpão nunca esteve fora das ruas. O que fizemos nos últimos anos foi intensificar as discussões de novos espaços para estar presente”, diz Eduardo Moreira, um dos fundadores da companhia teatral.

Mesmo recebendo patrocínio da Petrobras desde 2012, e com montante de 2,2 milhões de reais renovados para este ano, o Galpão se mantém em movimento para buscar novas formas de expressão, muito além dos teatros que ainda não explorou ou dos circuitos artísticos que ainda pretende atingir.

Não à toa, a celebração dos 35 anos surgiu ancorada nas experiência de uma das peças mais recentes do grupo, montada na rua. “Os Gigantes da Montanha” (2013), sob direção de Gabriel Villela, que narra a história de uma companhia teatral decadente e mágica, que questiona os padrões materiais da vida contemporânea. Foi encenada seis vezes em praça pública, com público de 50 mil espectadores.

O sucesso popular nas ruas, porém, tem um preço alto cobrado pela burocracia. “É uma coisa linda uma praça enorme lotada para ver uma peça de teatro. Hoje, o Galpão conseguiu público, que era justamente o que faltava no início, quando o teatro na rua era incipiente e o grupo não era conhecido. Mas, em contrapartida, hoje em dia também existem mil burocracias para se montar um espetáculo na rua. Mil licenças, autorizações, gastos com segurança e limpeza etc. É nosso maior empecilho para ocupar espaços abertos”, diz Inês Peixoto.

Mas nada que impeça o Grupo Galpão de acentuar ainda mais suas experiências ao ar livre neste ano. Durante os ensaios para a temporada de 35 anos, que têm acontecido diariamente por até oito horas, alguns personagens foram até a praça 7 interagir individualmente com o público. “É uma espécie de amostra do teatro da rua. Quando não podemos estar com toda a estrutura ali, levamos um ator, fazemos uma espécie de pílula do espetáculo, um recorte. São caminhos que vão aparecendo, formas de expressão diferentes”, completa Inês.

Grupo Galpão 35 anos: Foto Guto Muniz

Espetáculos

Na Praça do Papa, além de voltar a encenar “Os Gigantes da Montanha” ao ar livre, a companhia apresenta o sarau “De Tempos Somos”, uma compilação das principais canções da companhia até hoje, e “Till, A Saga de Um Herói Torto”. Ambos os espetáculos foram concebidos para o teatro, mas ganharam maleabilidade em versões na rua. “O primeiro é um espetáculo musical, repleto de recursos cênicos que dialogam com as músicas, e que causou uma perspectiva interessante ao ar livre. Till também tem um caráter lúdico, fantasioso, e acabou sendo uma das melhores pedidas na rua. Pena que nem todos conseguimos levar para as praças”, diz Eduardo Moreira.

Por isso, o Grupo Galpão também reservou três apresentações em teatro justamente para as peças que não tinham ido para as ruas. É o caso da montagem mais recente do grupo, “Nós” (2016), que usa um enredo familiar para debater a violência, a intolerância e a convivência com a diferença, e “Tio Vânia (aos que vieram depois de nós”), de 2011, escrita a partir da peça de Anton Tchékhov. “Essas são peças com uma densidade grande de tensão, emoção, diálogos e silêncios. Ao ar livre fica bastante complicado executar”, completa Monteiro.

Disco

Considerado um presente para os fãs do Grupo Galpão, a companhia também lança um álbum do espetáculo-sarau “De Tempo Somos”. Apesar de ser o quinto disco do grupo, este é o primeiro com canções arranjadas, compostas e gravadas em estúdio. Com produção de Chico Neves, o álbum reúne 13 temas apresentados no sarau, contemplando composições desde a década de 1980, como “A Comédia da Esposa Muda”, até produções mais contemporâneas, a exemplo de “Elipse” (2011).

“Há algum tempo nós queremos fazer esse trabalho. Foi a primeira vez que fomos ao estúdio compor, gravar instrumentos separados, tratar as músicas. Nossas outras gravações são registros ao vivo de espetáculos. Desta vez, encontramos uma forma de dar um apelo e cuidado maior à música, que sempre acompanhou o Galpão em suas produções. Então, é uma espécie e coletânea com boa parte das nossas canções. Muita coisa que está no disco foi recuperado de composições da memória dos atores, de partituras que não foram gravadas, projetos engavetados”, destaca a atriz Lygia Del Picchia.

Grupo Galpão 35 anos: Foto Elenize Dezgeniski

PROGRAMAÇÃO – 35 anos do Grupo Galpão

ESPETÁCULOS DE RUA:

Praça do Papa 

Av. Agulhas Negras, s/n – Mangabeiras

Acesso Gratuito

 

OS GIGANTES DA MONTANHA

Direção: Gabriel Villela

16 de junho (sexta às 20h)

Classificação indicativa: livre | Duração: 90 minutos | Gênero: fábula trágica

Sinopse: A fábula “Os Gigantes da Montanha” narra a chegada de uma companhia teatral decadente a uma vila mágica, povoada por fantasmas e governada pelo Mago Cotrone.

Escrita por Luigi Pirandello, a peça é uma alegoria sobre o valor do teatro (e, por extensão, da poesia e da arte) e sua capacidade de comunicação com o mundo moderno, cada vez mais pragmático e empenhado nos afazeres materiais.

 

DE TEMPO SOMOS

Direção: Lydia Del Picchia e Simone Ordones

17 de junho (sábado às 20h)

Classificação indicativa: livre | Duração: 70 minutos | Gênero: sarau literário musical

Sinopse: O Galpão realiza um sonho antigo de celebrar, com o público, o encontro da música e do teatro. Em cena, o grupo foge ao rótulo de espetáculo e experimenta um formato de sarau com cantoria, festa e poesia. 

 

TILL, A SAGA DE UM HERÓI TORTO

Direção: Júlio Maciel

18 de junho (domingo às 18h)

Classificação indicativa: livre | Duração: 90 minutos | Gênero: tragicomédia

Sinopse: Um dia, na eternidade, o Demônio aposta com Deus que se tirasse do homem algumas qualidades, ele cairia em perdição. Deus, aceitando o desafio, resolve trazer ao mundo a alma de Till. Ambientado na Idade Média e vivendo numa Alemanha miserável, povoada de personagens grotescos e espertalhões, logo de início nosso protagonista é abandonado em meio ao frio e a fome e descobre que a única maneira de sobreviver naquele lugar é se tornar ainda mais esperto e enganador. Assim começa sua saga cheia de presepadas e velhacarias. A montagem, que estreou em 2009 tem direção de Júlio Maciel, cenário e figurinos de Márcio Medina e direção musical de Ernani Maletta.

ESPETÁCULOS DE PALCO:

NÓS

Direção: Marcio Abreu

8 a 11 de junho de 2017 (quinta a sábado às 21h e domingo às 19h)

Classificação indicativa: 16 anos | Duração: 90 minutos |Gênero: teatro contemporâneo

Sinopse: Enquanto preparam a última sopa, sete pessoas partilham angústias, algumas esperanças e muitos nós. Gerada de um mergulho radical na experiência de mais de 30 anos do Galpão, a 23ª montagem da companhia debate questões atuais, como a violência, a intolerância, a convivência com a diferença, a partir de uma dimensão política.

*As apresentações contarão com tradução simultânea em libras

TEATRO SESIMINAS |R. Padre Marinho, 60 – Santa Efigênia

Ingressos: R$30 (inteira), R$15 (meia)

Ingressos à venda pelo site www.tudus.com.br e na bilheteria do Teatro Sesiminas. 

Mais informações: (31) 3241-7181

 

TIO VÂNIA

Direção: Yara de Novaes

22 a 25 de junho (quinta a sábado às 20h e domingo às 19h)

Classificação indicativa: 12 anos | Duração: 90 minutos | Gênero: comédia dramática

Sinopse: Peça escrita em 1897 por Anton Tchékhov, “Tio Vânia” tem como tema central a perda inevitável das ilusões e a consequente necessidade do homem de se reinventar e de enfrentar o futuro. Ambientada em uma decadente propriedade rural russa, no final do século XIX, o texto aborda, de maneira profunda e delicada, o amor, o desejo, a passagem do tempo, o declínio físico, a aridez da existência, o desalento, a aniquilação dos sonhos, e inclui, surpreendentemente, uma mensagem atravessada de fé. A montagem faz parte do projeto “Viagem a Tchékhov“, lançado pelo Grupo Galpão em 2011.

*As apresentações contarão com tradução simultânea em libras

TEATRO FRANCISCO NUNES | Av. Afonso Pena, s/n – Centro

Ingressos: R$30 (inteira), R$15 (meia)

Ingressos à venda pelo www.sympla.com.br e na bilheteria do teatro. 

Mais informações: (31) 3277.6325

DE TEMPO SOMOS

29 de junho (quinta às 20h)

Espaço Cênico Y. Yagi, no Teatro Raul Belém Machado | Rua Leonil Prata, s/n, Alípio de Melo

Ingressos: R$20 (inteira), R$10 (meia)

Ingressos à venda pelo site www.sympla.com.br e na bilheteria do teatro.

Mais informações: (31) 3277-6437

Grupo Galpão 35 anos: Foto Guto Muniz

Linha do tempo

O início de tudo foi na rua (1982)

A primeira peça do Grupo Galpão, “E a Noiva Não Quer Casar”, com direção de Fernando Linhares, foi encenada na praça 7, em novembro de 1982. O espetáculo foi todo montado em pernas e pau e técnicas circenses. Mesmo em um momento tenso no final da ditadura militar, a peça conseguiu reunir bom público em algumas encenações nas praças a capital, e não sofreu com a censura do golpe.

A comédia dell’arte,  circo, música e experimentação (1984)

Em um período inicial de pouquíssimo dinheiro e recursos, os primeiros espetáculos experimentaram várias linguagens mistas, como circo, malabarismos, comédia, piruetas, propiciando um misto de linguagens presentes em espetáculos como “Ó procê vê” (1984) e “Arlequim Servido de Tantos Amores” (1985). A ousadia das linguagens do grupo propiciou as primeiras apresentações fora de MG.

Corpos políticos no teatro  (1987)

“Foi por Amor”, de 1987, pode ser considerada uma das primeiras montagens com cunho explicitamente político, muito embasada nos casos de crimes passionais que tomaram conta dos jornais mineiros à época. Até então, o Grupo Galpão se dedicava bastante à comédia dell’arte e às linguagens lúdicas mistas.

Pesquisas e sede própria (1989)

As pesquisas autorais da companhia começaram a ser catalogadas no início dos anos 1990, após a trupe voltar da primeira viagem internacional à Itália, e ter se encontrado com Grotowski e Peter Brook, duas lendas do teatro experimental do século XX. Com recursos próprios, adquiriram um galpão na rua Pintangui, número 3.413, bairro Sagrada Família, onde até hoje funciona a companhia. Foi ali que eles começaram a organizar as primeiras as leituras, ideias e manuscritos.

Fama, críticas e repercussão (1990)

Em 1990, o grupo realiza a montagem de “Álbum de Família”, de Nelson Rodrigues. Depois, em 1992, alcançaram uma fama maior com “Romeu e Julieta”, de Shakespeare, em típica montagem de rua, vencedora do Prêmio Shell. Dois anos depois, o aclamado “14 Passos Lacrimosos sobre a Vida de Jesus”, baseado na obra “O Mártir do Calvário” (1994), de Eduardo Garrido, recebe nada menos do que 17 prêmios, entre eles, Sharp, Shell, Molière e Mambembe.

Turnê pelo mundo e amadurecimento (1996)

A década de 1990 rendeu boas viagens, com uma turnê pela Europa e América Latina, rodando com os espetáculos “Romeu e Julieta” e “Rua da Amargura”. Após voltar ao Brasil, o grupo decide realizar a montagem de “Um Molière Imaginário”, fazendo uma leitura própria de um dos maiores mestres da comédia satírica de todos os tempos.

Reconhecimento internacional e ineditismo (2000-2008)

A virada do século marcou uma série de expansões para o Grupo Galpão. Em 2000, foram convidados a se apresentar no “Shakespeare’s Globe Theatre”, em Londres, onde “Romeu e Julieta” se tornou a primeira montagem brasileira a se apresentar no renomado espaço londrino. Nos anos seguintes, a companhia firmou uma série de parcerias frutíferas, entre elas, uma dobradinha com Paulo José na montagem do espetáculo “Um Homem É Um Homem” (2006), além de um projeto colaborativo com o público, “Pequenos Milagres” (2007), composto por recortes de mais de 600 histórias reais enviadas pelo público.

Workshops e fortalecimento interno (2009-2014)

Após viver uma tentativa frustrada de montar a ópera “Il pagliacci”, de Rugero Leoncavallo, com convite para direção do suíço Daniele Finzi Pasca, em 2009, o Grupo Galpão abandona o projeto e resolve investir em workshops, nos quais os integrantes do grupo passam a dirigir e trocar experiências com os próprios colegas. Esse processo colaborativo levou a companhia a exibir publicamente suas experimentações, permitindo que o público votasse nas melhores cenas, o que gerou o espetáculo “Till, A Saga de Um Herói Torto”.

A rua como ponto de partida e retorno (2014-2017)

Depois do sucesso de “O Gigante da Montanha”, com mais de 50 mil pessoas em seis apresentações pelas praças de Belo Horizonte, e da boa repercussão do sarau “De Tempo Somos” (2014), ambas com estruturas e cenários complexos, o Grupo Galpão investe em uma trajetória reflexiva e profunda em seus espetáculos. Assim nasce a montagem “Nós”, do ano passado, parceria com o diretor Marcio Abreu (Cia Brasileira de Teatro), e uma das mais densas obras do grupo. Que venham mais 35 anos de teatro inovador para surpreender o público com linguagens e temáticas impensáveis.

Grupo Galpão em números 

23 espetáculos

+ de 1.700.000 espectadores

100 prêmios brasileiros

+ de 2.900 apresentações em + de 260 cidades

Apresentações em 18 países diferentes

48 festivais internacionais

75 festivais nacionais