Derrota e afago na estreia do Galo feminino
As meninas do Atlético Mineiro feminino foram da várzea para o campeonato brasileiro. A estreia da séria A2 em uma crônica de Maria Thereza Reis
Por Maria Thereza Reis (texto e fotos)
Hoje pela manhã coloquei uma blusa do Galo na bolsa.
Paula tinha me avisado sobre o jogo de estreia do Galo no futebol feminino do Campeonato Brasileiro, série A2, aqui em São Paulo, no Canindé, contra a Portuguesa.
Ela disse que iria e que eu conseguiria ir também. O horário não era nada animador: quarta-feira, três da tarde. Mas como sou muito atleticana e aquele era um jogo especial, a sensação era a de que se posso, preciso ir… e fui.
O Galo montou o time feminino por exigência da Confederação Sulamericana de Futebol (Conmebol), que obriga times classificados para a Copa Libertadores e para o Campeonato Brasileiro a terem times femininos. O Brasileiro A2 conta com 36 clubes e o Galo está no Grupo 4. O time, ainda em formação, está sendo treinando desde janeiro. Trata-se de uma parceria do Galo com o Prointer, da Barragem Santa Lúcia, favela das mais antigas e tradicionais de BH.
Antes amadoras, as meninas têm agora a estrutura de um time grande para treinar e o profissionalismo que vem com carteira assinada, benefícios e um grande desafio: os quatro primeiros colocados no A2 subirão para o Campeonato Brasileiro A1 do ano que vem.
Paula me avisou no meio da manhã que não conseguiria ir. Assim, depois do almoço, peguei o metrô sozinha rumo ao Canindé. Já tinha ido lá duas ou três vezes, mas há bastante tempo. Desci na estação e perguntei ao segurança qual a saída usar para atravessar a ponte. Ele, meio incrédulo, perguntou se eu iria mesmo a pé. “Claro”, respondi.
E assim fui… Caminhei um pouco, atravessei a ponte sobre o rio e sobre a marginal Tietê. Do outro lado, passei pela calçada de um shopping e caminhei até o estádio, que tem torres de refletores e as costas da arquibancada bem visíveis. Andar na calçada da Marginal não é uma experiência corriqueira pra mim, mas foi absolutamente tranquila, apesar dos carros em alta velocidade e das buzinas das motos. Mais vinte minutos e avistei o muro verde e vermelho.
Ao chegar, o estádio parecia deserto. Contornei uma das laterais e entrei. Passei pela revista policial e tive de deixar minha garrafa de água. A entrada era gratuita, o que eu não sabia.
Subi as escadas ao som do hino nacional. Entrei no banheiro e troquei a camiseta. A visão, depois das escadas, era das arquibancadas coloridas e numeradas vazias de torcedores. Menos de cem pessoas no estádio. Era possível ouvir os gritos das jogadoras em campo. E todos os poucos torcedores do mesmo lado do estádio, abrigados do sol.
De início, não vi ninguém com a camisa do galo além de mim. Começado o jogo, chegaram três que colocaram bandeiras na grade do lado ensolarado. Além dessas, havia outra bandeira fixada dentro do campo, na grade atrás do banco de reservas do Galo.
Todos os outros torcedores eram da Portuguesa, muitos uniformizados, mas nenhuma bandeira. Eu me mantive na sombra, junto deles, solitária, alvo de olhares curiosos e até sorrisos. O clima era o melhor possível. Comprei uma coca do único vendedor ambulante. Ele me ofereceu cachorro quente. Eu perguntei se tinha bolinho de bacalhau. Como não tinha, fiquei no copo de coca, tirado de uma garrafa de dois litros.
O Galo não jogava bem e a Lusa empolgava os torcedores. Eles gritavam os nomes das jogadoras e, assim, antes de Laiane marcar duas vezes, eu já a conhecia. A impressão era a de que todos eram familiares ou amigos delas. E eu, atleticana sozinha, em um Canindé com menos de cem torcedores, tomando um copo de coca e conhecendo a escalação da Portuguesa pelos gritos. No horizonte, via o placar, alguns prédios, a Serra da Cantareira, aviões em procedimento de descida em Guarulhos e, por vãos das saídas de emergência, os carros na Marginal. Tarde de quarta-feira…
Ainda vieram os gols de Amanda, Sassá, Bruna e Letícia. O Galo perdeu por 6 a 0. Sem gol, não pude nem comemorar. Não foi uma boa estreia, mas de certa maneira foi maravilhoso. Ao final, a torcida da Portuguesa gritou, as meninas vieram à grade, jogaram copos de água para os amigos e familiares. Todos se davam parabéns.
As meninas do Galo se sentaram em roda no campo e não vi quando saíram, precisava voltar. O portão pelo qual entrei estava fechado, o que me obrigou a dar uma volta bem maior acompanhando o muro verde e vermelho até chegar à Marginal, para então atravessar novamente a ponte e voltar à estação do metrô.
Chateada com o resultado, me vi sorrindo, pensando em conquistas. As daquelas meninas e as nossas enquanto mulheres. Em tempos tão difíceis, mesmo na derrota, viver um acontecimento histórico e bacana assim afaga o coração. Mulheres.