Hasta la victoria, siempre
Um giro por Havana, ao lado de Fernando Morais
por Clarissa Carvalhaes (texto e fotos)
especial para O Beltrano, de Havana
Da mochila de couro preta, Fernando Morais retira a pequena caixa amarela de Montecristo. O gesto é um ritual cotidiano: faz passear o charuto entre os dedos, acende, leva à boca três ou quatro vezes, mas apaga antes mesmo que o fumo chegue à metade. “Faz mal para saúde”, explica o escritor e jornalista mineiro enquanto caminha para La Cabaña, fortaleza do século 18 que abriga o museu de Che Guevara, em Havana.
Dali, todas as noites, às 21 horas, um tiro de canhão faz-se ouvir nos quatro cantos da capital cubana. Um som que Fernando, ao longo dos anos, das idas e vindas à Cuba, se habituou a escutar. Confessa que já nem se lembra mais de quantas vezes esteve na ilha de Fidel. Apesar disso, as histórias da Revolução que ainda hoje chacoalham o mundo, provocam nele a euforia e o encantamento juvenil, como se cada retorno fosse, na verdade, sua primeira visita ao país.
Dessa vez, há exato um ano após a morte de Fidel, Fernando voltou à Havana para ser homenageado pela Casa de Las Américas – uma das instituições culturais mais reconhecidas e proeminentes da América Latina e Caribe. Na programação, uma maratona de encontros, mesas de debates políticos e culturais, entrevistas e, claro, sessões de autógrafos. Foram horas a fio de compromissos que levaram esta repórter à exaustão, mas que deixaram este jovem senhor de 71 anos indiferente ao cansaço. “Toma um energético que passa”, aconselhava enquanto ele próprio bebericava um.
Veja o vídeo realizado pelo Nocaute:
Com o celular que estampa a foto de Helena, uma de suas três netas, sempre à mão, Fernando Morais talvez seja um dos vovôs mais conectados e antenados que alguém pode ter notícia. Do hall do hotel Presidente, ele conseguia, ao mesmo tempo, coordenar as pautas do Nocaute com a equipe em São Paulo; conversar com correspondentes do blog pelo mundo; dar uma zapeada pelo Facebook (que ele adora); tocar os dados daquele que ele promete ser seu último livro, a biografia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ainda monitorar seu maior xodó: a Casa de Mariana, instituição que será sediada na casa onde ele nasceu, no centro histórico de Mariana, e que já começa a reunir um imponente e histórico acervo.
Foram temas como esses, aliás, que nortearam grande parte das atividades no auditório Manuel Galich, na Casa de Las Américas. Na plateia, um público que ouvia atento as experiências e opiniões do jornalista, agarrava como se fosse ouro cada oportunidade que surgia, fosse para tirar uma foto, cochichar ao pé do ouvido ou conseguir uma dedicatória pessoal naquele livro antigo.
“Fernando, eu trouxe isso pra você”, mostrou a senhora enquanto desenrolava um livro cuidadosamente embalado; “Fernando, você esteve nas Farc? Eu sou da guerrilha”, revelou a jovem miúda; “Fernando, eu era cozinheira do Che. Você tinha que tê-lo conhecido!”; “Fernando, autografa aqui pro meu pai? Eu sou filha do Corbyn (Jeremy)”. Fernando, Fernando, Fernando… As histórias mais impressionantes saltavam como piracema no colo do escritor. E ele, pacientemente, tomava nota, fazia foto, salvava números no celular, às vezes pedia arrego – “dá tempo de fumar um charuto?” – e quando não dava, ele só continuava, como se tivesse acabado de chegar.
Passados os cinco dias de Havana, Fernando escolheu o La Cabaña como ponto para se despedir da cidade. Andou debaixo da Figueira, caminhou entre os canhões, leu os registros, fotos, objetos de Che. “É impressionante, não acha?” disse mirando a vista que o museu oferece. Vencedor de três Prêmio Esso, autor de clássicos como “A Ilha”, “Chatô”, “Olga” e “Últimos soldados da guerra fria”, Fernando Morais é um emaranhando de histórias que ouve, decifra e escreve na ilha aonde está viva a Revolução. Tanto quantos seus livros. Tanto quanto a luta permanente pela vitória, sempre.