Impostos e recessão


Por Fabrício Augusto de Oliveira

Brasília – Presidente Michel Temer discursa durante lançamento do Programa de Renovação da Frota de Ônibus do Sistema de Transporte Público do Brasil, o Rrefrota 17 (Marcos Corrêa/PR)

O governo ensaia – e deve divulgar nos próximos dias – a ampliação da previsão do déficit fiscal do governo central ainda para este ano de R$ 139 bilhões para R$ 159 bilhões. Mas este número pode ser ainda mais expressivo e ultrapassar R$ 170 bilhões. Para 2018, cogita-se uma revisão dos R$ 129 bilhões para R$ 159 bilhões, mas este também pode ser maior. Trata-se de um rombo apreciável que pode causar impacto considerável na velocidade de crescimento da dívida bruta do governo geral, empurrando-a mais rapidamente para a temerária casa dos 80% do PIB.

A principal causa do aumento do rombo reside, segundo as próprias autoridades econômicas, no desempenho das receitas bem abaixo do projetado para o ano, as quais conheceram um modesto crescimento, em termos reais, de 0,8% no primeiro semestre, mas sobre uma base bastante deprimida de 2016. Existem, também, perdas imprevistas de receitas extraordinárias, como a do Refis, cujo projeto aprovado na Câmara Federal dragou cerca de R$ 13 bilhões que se esperava arrecadar da repatriação de recursos. Além de outras receitas das quais não se tem mais certeza, como as dos leilões de concessões de projetos de infraestrutura.

Do lado dos gastos, aos ganhos obtidos com a redução das despesas primárias pela aprovação da PEC-55, se sobrepõem outros gastos como os reajustes dos salários de algumas categorias do funcionalismo decididos nos anos anteriores e os do uso de recursos orçamentários pelo governo Temer para escapar da autorização, pelo Congresso Nacional, da investigação de corrupção proposta pela Procuradoria Geral da República.

Diante deste quadro, como dificilmente a atividade produtiva, asfixiada pelo ajuste fiscal esquizofrênico implementado, poderá contribuir para reverter ou pelo menos atenuar este desequilíbrio e, com isso, impedir questionamentos sobre a própria reputação da política econômica, cujos gestores foram saudados como salvadores do modelo do tripé macroeconômico, as atenções destes têm se voltado principalmente para o aumento dos impostos indiretos, especialmente por meio do aumento das alíquotas do PIS/Cofins sobre alguns produtos, como medida salvadora do ajuste, processo que foi deslanchado a partir do mês de julho. Um tiro no próprio pé.

Como o balão de ensaio feito recentemente pelo governo, de ampliar a cobrança do imposto de renda das camadas mais ricas da sociedade, com a introdução de uma alíquota adicional de 35% em sua estrutura para os rendimentos mais elevados, foi rapidamente esvaziado e abortado pela rápida reação das classes mais poderosas, com o respaldo do Congresso, não há mais dúvidas de que, com a limitação desta alternativa, não há outra saída, na perspectiva do governo, de continuar combinando novos aumentos de impostos indiretos com cortes – ou contenção – dos gastos no orçamento para sua viabilização. Aí é que está o busílis.

Do lado dos gastos, após a aprovação do congelamento das despesas primárias, em termos reais, o governo sinalizou que poderá suspender os reajustes de salários acordados com algumas categorias e, mais grave, deixar de corrigir, até mesmo pela inflação, os salários do funcionalismo. Se isso se confirmar representará uma nova paulada na demanda efetiva, já desfalecida. Do lado das receitas, os impostos indiretos atingem, bem mais do que os diretos, a atividade econômica, ao retirar renda das camadas mais pobres e diminuir o consumo, introduzindo alguns bons graus de dificuldades para a economia reagir e a arrecadação voltar a crescer, comprometendo o próprio ajuste por operar como fonte de maior desajuste.

O fato é que a receita para o ajuste seguido pela ortodoxia contraria qualquer bom senso em termos de teoria econômica por derrubar mais ainda, em período de recessão, a demanda efetiva, quando é exatamente de sua reativação que depende a expansão da renda e, por conseguinte, o aumento da arrecadação para viabilizá-lo. Ao insistir nesse caminho, o governo fecha as portas para que ele possa ser alcançado e condena a economia brasileira a continuar prisioneira, por mais algum tempo, do inferno do processo de recessão/estagnação.

Economia

Fabrício Augusto de Oliveira

Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, colunista do Debates em Rede e de O Beltrano, e autor, entre outros, do livro “Política econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”.