Jagger e eu


Por Silvana Mascagna

Reprodução internet

Queria ter em comum com Mick Jagger aquela barriguinha sarada que ele mantém desde sempre. Queria ter aquele jeito único de dançar, que muitos tentam, mas ninguém consegue imitar. Queria ter a capacidade de encantar uma multidão durante duas horas de show, em qualquer lugar do mundo, seja em Cuba, na França, no Brasil, na China ou na Austrália. Queria ter vendido milhões de cópias de discos e composto “Tumbling Dice”, “Brown Suggar”, “Simpathy for the Devil”, “Gimme Shelter”, “Angie”, “Wild Horses” , “Miss You”, “Satisfaction”, “Far Away Eyes”…

Queria, como Jagger, ter feito sexo com David Bowie nos anos 60 e ter gravado com ele, em um dia, uma versão de “Dancing in The Streets”, na década de 80.

Queria ter em comum com ele ser a band leader da mais longeva banda de rock do mundo. Queria poder desfrutar, mesmo numa relação de amor e ódio, da companhia do fenomenal Keith Richards há mais de 60 anos. Queria poder cantar, enquanto um dos mais maiores e mais elegantes bateristas do mundo, Charlie Watts, me acompanha. Queria ter em comum com Jagger uma das mais poderosas vozes e performances do mundo da música.

Queria ter uma vida sexual tão ativa que, mesmo já tendo bisnetos, esperaria feliz a chegada do oitavo filho aos 73 anos.

Queria ter em comum com Jagger uma fortuna de 360 milhões de dólares e ainda ter força, energia e gana de sair em turnê pelo mundo, com o mesmo prazer que fazia há mais de cinco décadas.

Queria ter muitos pontos em comum com a biografia de Mick Jagger. Principalmente a parte dos 360 milhões de dólares e trabalhar aos 73 anos de idade porque quero, porque isso me dá prazer, além de encher ainda mais o meu bolso de dinheiro.Queria, na verdade, mais do que a atual condição de Mick Jagger, ter uma imprensa decente, que não usasse interesses próprios para defender o indefensável. Que não fosse perversa ao comparar a situação financeira de um dos mais bem-sucedidos rock stars do mundo para convencer os trabalhadores brasileiros que as novas regras da aposentadoria são decentes. Uma imprensa que apresentasse, com honestidade e clareza, o fato de que a reforma da Previdência proposta pelo governo prevê que homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45 anos terão que trabalhar até mais do que o dobro do tempo exigido pelas regras atuais para ter direito à aposentadoria integral. E que ninguém vai se aposentar decentemente, a não ser que comece a trabalhar aos 16 anos e não haja nenhum período de interrupção nas contribuições, seja por desemprego ou afastamento.

Mas isso parece ser pedir demais na Era Temer. Ou não teria o desprazer de ver a revista “Exame”, em sua mais recente edição, estampar na capa uma foto de Mick Jagger, com os dizeres: “O que você e ele têm em comum. Talvez não seja a fortuna, nem o rebolado, nem os oito filhos. Mas, assim como Mick Jagger, você terá de trabalhar velhice adentro. A boa notícia: Preparando-se para isso, vai ser ótimo”.

A “Exame” não poderia ser mais indecente. A má notícia: é que vai ter um monte de gente convencida da teoria da revista.

 

Crônicas

Silvana Mascagna

Jornalista paulista, que escolheu Belo Horizonte há 20 anos para viver