Lula e o centrão: aproveite este Natal


Por João Gualberto Jr. 

 

O desejo sincero era o de deixar algumas reflexões positivas, lambuzadas de esperança. Mas o juízo não permite. Sobre a política partidária e eleitoral brasileira, o gosto se limita a tentar pôr freio no pessimismo.

Estamos com o Natal à porta. Época de corações mais doces. Aproveite, leitor, agora, o bom convívio com seu amigo, seu colega de firma simpático, curta a reunião em família e as conversas amenas em torno da ceia. Primos, tios, irmãos… no Natal do ano que vem, quem garante amenidades? Será um ano apocalíptico, a esperar a face política das revelações.

Não tenho dom da predição, nem me cai bem a capa de falso profeta. Arrisco, contudo, que em 12 meses seremos uma nação ainda mais fraturada e intolerante. Infeliz, portanto, infelizmente. Não, as eleições gerais não serão a panaceia da repactuação pacífica, da recondução da política aos trilhos das instituições. Os candidatos e o marketing que os impulsiona têm demonstrado o poder de preencher a caixa de ressonância da esfera pública com suas estratégias de acirramento, destruição de reputações e manipulação das massas em torno de um maniqueísmo vazio do mais elementar debate de interesse social. Será assim outra vez, e seremos todos contaminados de novo. Se tivermos eleições de fato, já estará menos mal. Aproveite, então, as festas deste dezembro.

“Eleição é isso!”, podem afirmar especialistas mais especializados. Tristeza é isso, retruco.

A preocupação quanto ao jogo político futuro tem dois pés: um é a insistência burra em manter o foco de luz do processo num só lugar e talvez o menos correto; e o segundo é o fator Lula.

Sem demérito algum aos conterrâneos ipatinguenses, marianenses ou piraporenses, mas a sobrevivência por aparelhos da candidatura lulista pode transformar o Brasil em enormes Ipatingas, Marianas ou Piraporas, lembrando o que esses importantes municípios mineiros viveram, no passado recente, quanto a impasses eleitorais e incertezas políticas. Nesses casos, um líder local, poderoso noutros tempos, e já condenado pela Justiça em alguma instância inferior, insistiu como candidato, venceu, atestando popularidade, mas foi impugnado ou cassado depois pela Justiça Eleitoral. O resultado foram celeuma jurídica, dúvida e descrença no jogo e em suas regras. Ninguém ganhou, talvez nem os empossados.

A situação de Lula enquanto réu perseguido e vulto da história já foi tecida neste espaço há algumas semanas. Aquela leitura não foi propriamente bem recebida, em especial a tentativa de compreender se a insistência é um esforço para se legitimar inocência, para se fazer mártir, ou oriunda de alguma razão de caráter mais pessoal. Independentemente de qual(is) seja(m) a(s) razão(ões), é provável que o ex-presidente seja condenado, para além do tribunal, por parte da opinião pública por oferecer riscos coletivos graves em nome de interesses particulares. Em tom de terrorismo, esse discurso já se ouve. Sem razão?

O julgamento de seu recurso no Tribunal Regional Federal da 4ª região está agendado para 24 de janeiro. Será um capítulo importantíssimo para o futuro do Brasil. Lula deverá ser condenado pelo caso do tríplex do Guarujá, que teria sido propina da empreiteira OAS, e, assim, vai se tornar ficha suja. E essa é só a primeira de sete ações arbitradas por Sergio Moro pela Lava Jato na Justiça Federal. No entanto, já é público, pelo próprio Lula e por seus pares, que recorrerá ao STJ e, no Tribunal Superior Eleitoral, há grande chance de o rito – em todas as causas, em número imprevisível, das partes interessadas a favor e contra o petista – empurrar o caso para dentro do período eleitoral. Teríamos, dessa forma, o líder nas pesquisas sendo um candidato sustentado por liminar. Seria um quadro de turbidez nacional possivelmente inédita em dimensão e espessura.

Lula não será candidato. Mas, se sua foto chegar a figurar na urna e se vier a confirmar seu favoritismo, não tomará posse. Logo, não terá sido candidato. Não haverá “Carta aos Brasileiros II”, não haverá a persona “paz e amor”, não haverá acordo com o mercado, não haverá coalizão mais ao centro, não haverá acordo nacional que faça repetir o que tivemos em 2002 como projeção parca sequer. Não estamos exauridos o bastante pelas misérias pró-liberais como estávamos ao fim da era FHC. E, agora, a direita liberal e conservadora está com a faca nos dentes. Difícil imaginar sequer uma marolinha vermelha, o que dirá uma onda.

Mas Lula é grande demais, carismático demais e insiste em chamar de “bobagem” sua impugnação. Sua candidatura hipotética, porém, soa mais como uma decepção seriada ao “não vai ter golpe”, ao “fora, Temer”, ao “não à reforma trabalhista” etc. Nosso destino e a vontade da força política não estão nas nossas mãos. E às mãos nas quais repousam não interessa um novo mandato lulista. Em qualquer hipótese. A consumação do golpe iniciado em 2015 passa por esse óbice necessariamente. Não nos esqueçamos: Lula é o troféu de caça máximo na coleção das cabeças.

Talvez já esteja passando da hora de os setores mais à esquerda, progressistas e desenvolvimentistas, partirem para outro projeto, ainda que menos viável eleitoralmente, mais na perspectiva jurídica. Pensar em conjunção de esquerdas é uma utopia, quase piada.

Mas aguardar a comoção que o impedimento do registro de Lula causará – o que é estrategicamente previsto por ele próprio – para promover uma mobilização pode ser tarde demais. E esse “tarde demais” é a estratégia, por sua vez, de quem visa minar uma candidatura competitiva à esquerda. O relógio também está nas mãos dos empoderados.

Agora, o segundo fator, o foco errado. Na política nacional partidária, o que importa para o Brasil passa pelo centrão. Nosso sistema, o que temos para hoje e que chamamos nossa democracia, conduziu a isso. São os aproximadamente “300 picaretas” que respondem por maioria na Câmara, atrelados a causas conservadoras e por conta delas eleitos e reeleitos. No entanto, dedicados unicamente à bandeira da fisiologia, cujo partido pouco importa, desde que gravite em torno do poder. Grosso modo, é isso o centrão ou baixo clero.

Não se governa sem eles, não se aprova nada sem eles, ou seja, sem comprá-los, na mesma lógica mercantil com que se adquire penca de bananas, sapatos ou se contrata uma prostituta. A ascensão de Cunha, a derrubada de Dilma, a aprovação da emenda do teto dos gastos e da reforma trabalhista, os dois arquivamentos de denúncias contra Temer por corrupção, tudo isso é exemplo de decisões que contaram com a atuação eficaz desse grupão amorfo e que só é coeso quando convém. Ao se conceituar o impeachment do ano passado como golpe parlamentar, por exemplo, comparando-o ao mecanismo de voto de desconfiança do parlamentarismo, vislumbra-se o protagonismo do plenário. E, por uma questão de balança, deduz-se o peso dessa legião, que, claro, também age à revelia do interesse público.

Lembrando a lição de Ulysses, para quem a pior legislatura era sempre a seguinte, o centrão seguirá firme e forte, requerendo mesuras como nunca. Protagonismo que é outra excrecência de nosso sistema, multipartidário que não representa, plutocrata que ilude o povão quanto à sua real importância como jogador. E a cada dia vamos nos cansando disso tudo. Campo climático ideal para a emersão de falsos messias.

Em síntese…

Se ao menos um terço do eleitorado odeia Lula, incondicionalmente, como mostram pesquisas relevantes de intenção de voto, e se, não obstante as pedras dos tribunais, ele promete insistir na candidatura, a previsão é de muitas nuvens, trovoadas e resfriados. Será o ex-presidente, candidato-liminar, ou quem ungir a polarizar de um lado. Do outro, as direitas: os mais radicais contra os menos se comendo por uma vaga no segundo turno. Não será coisa bonita de se ver. Interesse público? Pro beleléu!

Quanto a nós, reles povão, bem, a corrida presidencial vai nos atazanar outra vez, num contágio inevitável de humores. Bobagem tentar resistir: vamos nos decepcionar, largar amigos, afastarmo-nos de familiares.

Mas, como não aprendemos nunca, o centrão, que é quem manda de fato no país, seguirá sossegado governando nas sombras em seu parlamentarismo pré-glorioso. Ganhará aquela oxigenação de 10% das cadeiras e continuará revigorado, exigindo beijo na mão e reverência, em forma de propinas, cargos e emendas.

Viva seu Natal em paz e harmonia e torça para ter, ao menos, um feliz 2019.

Política

João Gualberto Jr.

Jornalista, economista e cientista político.