Meio terno, meio tarado
Novo livro de poesia de Flávio de Castro é de dar raiva e inveja
Por José Antônio Bicalho
Era para ser uma entrevista com o Flávio de Castro, mas não deu tempo. Então, segue o texto que fiz a título de prefácio. E, só para lembrar, o lançamento acontece neste sábado, 1º de dezembro, às 19hs, no Bar da Gabi, em Santa Tereza. Nos encontramos lá para uma geladinha.
Prefácio para ‘A última casa noturna da manhã’, de Flávio de Castro
Queria tranquilidade e paz de espírito para todos os meus amigos. Queria que a vida lhes fosse leve e desembolada. Sem violências, nenhum medo, grana na medida, saúde e amor, conforto e segurança.
Mas tem uns caras que são foda. Metem o pé na jaca, frequentam os antros mais sórdidos, gastam o que não tem, deixam de ganhar o que poderiam, se jogam em romances inventados e entram em todas as roubadas.
Daí você resolve dar um toque. Da mesa do bar, de toalha de plástico, começa a cagar regra e a dar conselhos sobre amor e vida. Mas se dá conta de que, naquele encontro casual, foi seu amigo que te encontrou sentado sozinho no pardieiro do lado ruim da cidade, tomando um conhaque vagabundo.
Daí caí a ficha e você passa a ouvir mais do que a falar.
E começa a entender que aquela questão de‘gosto pela violência’ é, na verdade, impaciência e inconformismo com a intolerância. E que o ‘desapego material’, que você citou com um sorriso maroto, é inadaptação real a este mundo de merda. E acaba sacando que a ‘inconstância emocional’ se trata de uma necessidade premente de vida.
Não tenho muitos grandes amigos, mas tenho a sorte de contar uns cinco ou sete que terão seus trabalhos ainda fruídos, estudados e tomados como referência por mais algumas décadas. E não vou ser hipócrita. Metade deles é formada por caretas inteligentíssimos, certinhos, estudiosos e planejadores de suas carreiras.
Mas tem também a outra metade, composta por poetas e artistas que trazem o espírito que um dia se chamou de maldito. Sem qualquer demérito aos demais, é a estes que se deve a radicalidade que a arte exige para ser revolucionária.
Flávio de Castro é amigo, e isso já faz de mim suspeito para falar de sua poesia. Sou ainda seu editor (não da poesia, mas das crônicas e dos contos-reportagens deliciosos publicados por O Beltrano, e que ainda serão compilados em livro). Então, sou suspeitíssimo. Mas não me importo.
De uns anos para cá, fui testemunha de que um amor tranquilo pode suavizar a maldição do poeta e até melhorá-lo. Gosto da radicalidade, do poema rasgado e sem censura. Mas também, e as vezes mais, do poeta radical que amadurece sem encaretar.
A poesia do Flávio nunca vai ser careta, isso é evidente. A crueza é sua sina, o único caminho que conhece. Mas sua poesia vem incorporando mais matizes entre o branco e o preto, sem deixar a simplicidade das cores básicas.
No conjunto da obra, o cara é escandalosamente bom. É de dar raiva e inveja. E este livro? Não é a fúria e a revolução pausada do seu anterior. Mas serve como um vômito da poesia mal digerida – por vezes linda na rudeza – para se pensar no que fazer de novo. E, no final das contas, deu num livro muito foda. Meio terno, meio tarado e meio revoltante.