Menos, gente, menos
A propósito dos curiosos cálculos sobre número de participantes em manifestações
Por Aloísio Morais
É impressionante a banalização em torno do cálculo do número de pessoas presentes nos atos políticos nas ruas, praças e avenidas de Belo Horizonte – e também outras cidades. Tanto os da direita, que agora murcharam, quanto os da esquerda. Sem parâmetros, qualquer um se sente à vontade para dizer que tal manifestação reuniu tantos milhares de pessoas, na falta de uma referência mais precisa.
Antes, bem antes, para não dizer antigamente, a Polícia Militar adotava como parâmetro quatro pessoas por metro quadrado para mensurar uma multidão. Ou seja, a cada metro quadrado, quatro pessoas grudadas umas na outras nas grandes concentrações compactas. Com base nisso, foram calculadas em 300 mil pessoas presentes ao grande comício pelas Diretas Já, na Praça Rio Branco, aquela em frente à Rodoviária, em 25 de janeiro de 1984. Era gente pra dedéu e as fotos não deixam mentir. A multidão tomou os dois lados da Afonso Pena e seguiu para a praça da Rodoviária. Um mar de gente e eu fui testemunha lá em cima do palanque como repórter.
Foi, sem dúvida, a segunda maior concentração de pessoas em espaço público da história de Belo Horizonte. A primeirona, também acredito, foi a multidão que se concentrou ao longo e no alto da mesma avenida Afonso Pena, até os pés da Serra do Curral, durante o ato religioso celebrado pelo papa João Paulo II, em 1º de julho de 1980, e que, portanto, completa agora 37 anos. Foi tanta gente que a Praça Israel Pinheiro acabou virando Praça do Papa e fim de papo. Agradecido, João Paulo balbuciou: “O papa nunca os esquecerá”. E a frase até hoje ecoa nos ouvidos de quem esteve ali.
Depois tivemos outras multidões a disputar o terceiro lugar, como a que se concentrou diante do Palácio da Liberdade para dar adeus a Tancredo Neves, ou antes, aquela que marcou a sua posse no governo de Minas, no mesmo local, em 1982. Também ecoa nos ouvidos de quem esteve presente a emocionante abertura de seu discurso: “Mineiros, o primeiro compromisso de Minas é com a liberdade!”, disse Tancredo em tom rouco, ao abrir seu discurso, de autoria atribuída ao talento do jornalista Mauro Santayana.
Agora, em qualquer concentração popular em Belo Horizonte, não faltam os mais absurdos cálculos, na base do chutômetro ou do ‘me engana que eu gosto’. Comigo, não, violão! Como sou frequentador um tanto quanto assíduo destas manifestações políticas e dos jogos nos estádios Independência e Mineirão, tenho adotado a paisagem formada pelo público presente nestes locais para medir, no olhômetro, o número de participantes das manifestações. É uma referência empírica, claro, mas acredito que pelo menos fica mais próxima da realidade. A capacidade máxima do Mineirão, hoje, é de 61.846 pessoas (já foi o dobro). E é gente pra encardir. Já um Independência lotado nunca chegou aos 22 mil que dizem ser sua capacidade.
Nos últimos dois ou três anos, não consegui ver nenhuma manifestação em Belo Horizonte, da esquerda ou da direita, com número de participantes igual ou superior ao equivalente a um Mineirão lotado. Quando muito, talvez um ou mais Independência. Quem já viu um Atlético x Cruzeiro ali no Mineirão sabe do que estou falando. Sessenta mil pessoas é gente pra dedéu. E olha que nos estádios os torcedores ficam colados uns nos outros. No Independência quase ninguém vê o jogo sentado.
Também achei um absurdo os números de participantes divulgados pela chamada “grande imprensa” para os atos dos coxinhas em São Paulo antes do golpe. Falou-se em 500 mil, 800 mil, 900 mil pessoas na avenida Paulista na maior cara de pau. E, na ocasião, a PM ainda reforçava esses números, o que agora deixou de fazer, talvez por se sentir envergonhada diante do ridículo.
É certo que aqueles atos domingueiros não superaram em público o famoso comício das Diretas Já na Praça da Sé (onde também estive), com Tancredo, Lula, Franco Montoro, Mário Covas e outros, em 25 de janeiro de 1984, que teria reunido 300 mil pessoas, embora os exagerados da época tenham falado em até 1,5 milhão. Por uma tremenda coincidência, apenas isso, também tive a felicidade de estar de férias e poder participar do ato das Diretas Já em Belém, que teria reunido 60 mil pessoas, em 16 de fevereiro de 84.
Mas eu entendo por que os organizadores de eventos e participantes inflam os números. Primeiro, há o fator emocional, claro, e também pelo prazer de estar participando de um momento histórico. Mas, sobretudo, pela falsa impressão que uma multidão dá ao ser vista na horizontal. Realmente, qualquer ajuntamento dá a impressão de que há um mundaréu de gente pela frente. Mas se esse mesmo mundaréu for visto verticalmente, ou seja, de cima, a foto ou o vídeo vão mostrar outra realidade. Vão mostrar que há muitos brancos no salão, muitos buracos, que ninguém está grudado(a) no(a) outro(a) e que, na verdade, não é tanta gente quanto se imagina.
É o que pude constatar, por exemplo, no último dia 16, sexta-feira, durante manifestação Fora Temer e pelas Diretas Já na Praça da Estação. Saí do trabalho e cheguei lá correndo exatamente às 21 horas, quando a apresentação dos músicos seguia quente. As fotos e vídeos feitos do alto do caminhão de som mostravam uma multidão razoável. Fiz o círculo completo por dentro daquela multidão e não enfrentei nenhum problemas, porque estava cheio de brancos no salão, a massa não era nada compacta como a visão do alto do caminhão de som dava a entender para muitos – e as fotos mostravam. Pude constatar que o público ali era formado praticamente pelos mais de 10 mil universitários que participavam do Congresso da UNE – que deixaram o Mineirinho a pé e seguiram até o Centro em passeata e ninguém mostrou isso. Mas nas redes sociais e grupos de zapzap várias pessoas falavam em 100 mil pessoas sem a menor parcimônia. Mais realistas, os organizadores chegaram ao cálculo de 40 mil pessoas. Enquanto isso, o DataMorais indicava que não chegava a 20 mil pessoas presentes, quem sabe 15 mil para ser mais realista ou exagerado, considerando que o grosso dos habituais manifestantes de BH estava viajando, aproveitando o feriadão, e quem, na verdade, estava ali eram os participantes do congresso da UNE, que estão de parabéns por tudo o que fizeram e aconteceram.