Mineração avança sobre Arêdes
Deputados aprovaram redução da Estação Ecológica de Arêdes, beneficiando duas mineradoras. Patrimônios histórico, natural e arqueológico estão em risco
Por Bruno Moreno
Cercada por mineradoras e plantações de eucalipto, a Estação Ecológica de Arêdes (EEA), em Itabirito, na região Central de Minas Gerais, perdeu uma parte considerável no último dia 28 de dezembro, e esse pedaço que pertencia à unidade de conservação já tem o destino traçado: será transformado em cavas de mineração de ferro. A autorização para que a Arêdes perdesse essa área foi dada por 44 deputados estaduais, no apagar das luzes do ano legislativo, e sancionada pelo governador Fernando Pimentel (PT).
A mudança beneficia diretamente as empresas Minar Mineração Aredes Ltda e Sanvicel São Vicente Indústria e Comércio Extrativa Ltda, que detêm os direitos minerários da área que foi excluída da Unidade de Conservação.
A mesma mudança no desenho da Unidade de Conservação foi proposta em 2014, mas vetada pelo então governador, Alberto Pinto Coelho (PP), e, posteriormente, em abril de 2017, considerada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça. Menos de oito meses depois, o legislativo estadual aprovou praticamente a mesma lei, realizando um procedimento semelhante.
O Ministério Público de Minas Gerais já instaurou inquérito para apurar irregularidades e investigar a constitucionalidade da mudança, mas uma pesquisa rápida na legislação federal e estadual dão pistas de que o procedimento não foi correto. Um abaixo-assinado na internet já conta com quase mil assinaturas pedindo a governador Fernando Pimentel que revogue a lei. Confira aqui.
Os novos limites que já estão em vigor colocam em risco a preservação da história de Minas Gerais e comprometem a preservação da fauna e da flora. Arêdes é uma das áreas que compõem um corredor ecológico formado com outras unidades de conservação e áreas preservadas na região, como a Serra da Moeda. Além disso, a estação ecológica mantém importantes sítios arqueológicos, com três construções que remontam à época da descoberta do ouro em Minas Gerais.
Com as alterações, a mineração poderá chegar a menos de 10 metros de um casarão do início do século XVIII, uma das construções mais antigas de Minas. O receio de especialistas é que, além de perder o espaço para os animais e plantas, a movimentação das máquinas acarrete o desmoronamento do que ainda resta das ruínas.
Dos parlamentares da base do governo e da oposição, que foram unanimemente favoráveis à desafetação (termo técnico para que a área deixe de ser protegida), seis votaram contra a mesma proposta, há pouco mais de três anos. Desta vez, mudaram de opinião André Quintão (PT), Elismar Prado (PDT), Rosângela Reis (PROS), Sargento Rodrigues (PDT), Tadeu Martins Leite (PMDB) e Tony Carlos (PMDB).
Todos esses deputados foram procurados por O Beltrano, mas apenas o Sargento Rodrigues (PDT) atendeu à reportagem. Ele afirmou que as últimas reuniões legislativas de 2017 foram muito tumultuadas, porque havia muitos projetos de lei para serem votados. Por isso não se lembra especificamente do PL que mudou os limites de Arêdes.
No entanto, ressaltou que é comum na casa que os projetos de lei recebam emendas que descaracterizam os textos, antes de serem votados no segundo turno, com as chamadas “emendas Frankestein”.
“Você entra num processo de votação longo e não consegue pegar uma lupa e verificar tudo. Normalmente pede orientação da bancada, da assessoria, pergunta se há alguma coisa imoral e ilegal no projeto. Eu não gosto de votar nada na Assembleia que retroceda no aspecto ambiental”, garantiu.
Surdina
A manobra para a redução da área de Arêdes foi feita de modo a dificultar a participação de atores da sociedade que poderiam ser contrários à medida, como ambientalistas, arqueólogos e o Ministério Público Estadual. O projeto de lei (PL) nº 3.677/2016, que foi transformado na lei estadual 22.796, de 28 de dezembro de 2017, tramitava na casa desde junho de 2016, mas apenas no em 19 de dezembro do ano passado recebeu o artigo da desafetação no perímetro de Arêdes.
A incorporação do artigo foi feita na Comissão de Administração Pública, sob relatoria do deputado estadual João Magalhães (PMDB). No dia seguinte, na última reunião extraordinária do ano, o texto foi aprovado no plenário. O parlamentar foi procurado para comentar a legislação, mas a assessoria dele não retornou à reportagem.
O PL 3.677 teve origem na Comissão Extraordinária de Barragens, e basicamente propunha formas de conseguir mais recursos para os órgãos de fiscalização ambiental. Dentro dos órgãos ambientais estaduais, a proposta de lei era bem vista. Originalmente, o PL possuía cinco artigos, e foi aprovado com 94 artigos.
A tentativa de mascaramento foi tamanha que não há menção à palavra Arêdes no artigo 84, que determina a supressão da área. O texto diz apenas que “a estação ecológica criada pelo Decreto nº 45.397, de 14 de junho de 2010, e alterada pela Lei nº 19.555, de 09 de agosto de 2011, passa a ter os limites e confrontações estabelecidos no Anexo VI desta lei”.
Com a medida, os deputados não apenas descartaram a inconstitucionalidade verificada no início do ano passado pelo TJMG, mas também ignoraram e desrespeitaram o que determina a 3ª edição do Manual de Redação Parlamentar da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), publicado em 2013. Isso porque na ementa da lei, que é um texto introdutório antes dos artigos, deveria constar a legislação que criou Aredes, em 2010, mas isso não ocorre. Há apenas uma menção, no artigo 84.
De acordo com o Manual de Redação Parlamentar da ALMG, a ”ementa serve para apresentar o conteúdo do projeto. (…) Um resumo claro e conciso da matéria tratada. O enunciado da ementa deve ser preciso e direto, de modo a possibilitar o conhecimento imediato do assunto e ainda facilitar o trabalho de registro e indexação do texto. (…) A expressão “e dá outras providências”, que às vezes aparece no final das ementas, somente deve ser usada se a proposição contiver dispositivos complementares, relacionados com o objeto central do projeto, como disposições modificativas de leis em vigor ou alterações na estrutura administrativa de órgãos públicos, destinadas a possibilitar a implementação da lei nova”.
Por outro lado, os 44 parlamentares também desrespeitaram a lei federal no 9.985/2000, que regulamenta o artigo 225 (que trata de meio ambiente) da Constituição Federal e institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc). O sétimo parágrafo do artigo 22 da lei do Snuc, como é conhecida, é muito claro ao dizer que “a desafetação ou redução dos limites de uma unidade de conservação só pode ser feita mediante lei específica”. E não foi isso o que aconteceu, como é possível verificar o histórico da tramitação, disponível no portal da ALMG.
Inconstitucional
Há quase quatro anos, quando Alberto Pinto Coelho vetou a lei 21.555/14 que desafetava a Arêdes, ele argumentou que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou que “a proposta de alteração de limites da Estação Ecológica de Arêdes deve ser subsidiada por estudos técnicos (bióticos, abióticos, fundiários, socioeconômicos, dentre outros) que justifiquem a proposição destes novos limites” e, por isso, a Semad se posicionou a favor do veto.
Em outra frente, o Ministério Público de Minas Gerais, por meio da Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) , propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a lei 21.555/14, ao detectar vícios formais e materiais na lei. Em abril do ano passado, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) declarou a inconstitucionalidade da norma.
A forma como os deputados tentaram modificar os limites de Aredes em 2014 foi parecida com a utilizada agora: plantar um texto em um projeto que já estava tramitando, e modificar o sentido dele. No jargão de quem lida com o legislativo, esse tipo de projeto é conhecido como ‘Frankenstein’ por juntar várias partes que não se relacionam, como na criação do personagem de filmes de terror.
Naquele ano, inicialmente, o Projeto de Lei (PL) de iniciativa do governador Antonio Anastasia (PSDB) alterava os limites do Parque Estadual da Serra do Papagaio, localizado nos municípios de Aiuroca, Alagoa, Baependi, Itamonte e Pouso Alto, no Sul de Minas, a 330 quilômetros de Arêdes.
No entanto, ao chegar à ALMG, foi emendado por parlamentares e passou a tratar da Estação Ecológica Estadual de Arêdes. De acordo com o portal do MPMG, para a PGJ, as emendas do Legislativo devem ter ligação direta com o tema proposto pelo Executivo. Essa “afinidade lógica” entre o PL e emenda parlamentar reside, entre outras coisas, no princípio da separação dos Poderes.
Ainda de acordo com a PGJ, a alteração do tema feriu a ordem constitucional que disciplina o processo legislativo, pois o PL de iniciativa do Governo de Minas abordava uma unidade de conservação localizada no Sul do estado, e não uma área de preservação situada na região Central, com características geográficas e ambientais diferentes.
Além disso, não teria havido qualquer estudo ou exame técnico da área para promover a mudança, colocando em risco o meio ambiente. Um laudo do MPMG demonstrou que a aprovação da lei afeta “sítios e vestígios arqueológicos que motivaram a criação da unidade de conservação” de Arêdes e impacta áreas florestais e mananciais de abastecimento humano.
Segundo reportagem publicada no portal do MPMG, o relator da ADI no TJMG enfatizou que é “admitido ao parlamentar emendar projetos de lei, desde que respeitadas as limitações estabelecidas na Constituição Estadual, dentre elas, a existência de pertinência temática, harmonia e simetria com a proposta inicial”. No entanto, na redação do PL em 2014 isso não ocorreu, assim como em 2017.
Insistência
Desde que foi criada, há quase oito anos, esta foi a sexta vez que Arêdes é alvo de tentativa de diminuição de sua área pela ALMG, e a segunda vez que se conseguiu (mas a primeira foi posteriormente declarada inconstitucional pela Justiça, como dito acima). Em 2011, uma lei de autoria do governador Antonio Anastasia autorizou a divisão da unidade de conservação para que fosse construída uma estrada que tiraria da BR-040 o tráfego pesado de caminhões. A estrada está pronta, mas não é utilizada pelos caminhões.