Mostra Cantautores e a busca da canção
Cantautores valoriza o artista e a canção e mostra que principalmente em tempos difíceis a arte ainda é a melhor forma de se expressar
Por Rafael Mendonça
Publicado em 05/11/2018
São tempos broncos o que estamos a viver. A desvalorização da Cultura e o anti-intelectualismo tem sido o norte de nossos governantes atuais e futuros e de, infelizmente, boa parte da população. Que comprou estas loucuras e passaram a tratar as artes como um mal. Aí entra a Mostra Cantautores. Essa monstruosidade que vai levar ao público shows de 3 a 10 de novembro do que pode ser o último ano de nossa democracia.
Uma mostra como essa não é só importante pelos shows que já aconteceram neste fim de semana, e que falo já já abaixo, a Cantautores é importante pois nos revigora o amor pela canção, pelo artista e seu instrumento. Traz de volta um amor esquecido. Que a dureza de nossos dias às vezes esconde. O prazer de ver o artista nu. No sentido figurado, é claro… Nu com sua música. Envolto na aura da criação crua. Onde ele, sua poesia e seu instrumento é tudo que iremos ver. Uma volta ao menos para a gente valorizar o mais.
O retorno do amar o simples para que a gente consiga pensar o complexo.
Não, não são apenas apresentações neste momento. São odes à liberdade de pensamento e criação. São lugares para que a gente pode correr. E isso ninguém tira da gente. Escutar uma música é voltar a viver.
No sábado, show de abertura da mostra, Thiakov mandou suas belas canções e nos preparou para o que viria. E ao terminar estendeu o tapete vermelho para ela. E Ângela Ro Ro mostrou ao que veio ao fazer tudo isso acima e mais. Já havia visto um show dela no fim doa anos 90, e o que vi na noite de sábado foi outra coisa. Saiu a figura folclórica que fazia seus shows doidona e você ia pra esperar o barraco e entrou uma das maiores cantoras brasileiras. Exímia pianista, puro talento. Ângela nos brindou com um espetáculo cheio de vigor.
Ao desfilar seus sucessos, contar seus casos e mostrar que sua personalidade não é mais aquele personagem dos anos 90, Ângela se colocou como uma cantora que juntamente com sua história chega aos 71 anos com um vigor da juventude. E a importância das maiores cantoras vivas.
Ro, para os íntimos é The Fall com Gal Costa. É Debbie Harry com Dolores Duran. É de certa forma uma síntese da música brasileira.
Não foram apenas seus sucessos que desfilaram no belo teatro, foi uma história de vida. Uma história de amor. Assim como também foi uma história de amor o show de Cátia de França, já no fim de tarde de domingo (4).
É curioso comparar estilos e como isso forma cada pessoa. Cátia é outra gênia que se coloca para nós de forma completamente cativante. Sua poderosas canções vão nos tomando por dentro e culminam em um choro enorme e constante. Foi assim, aos prantos, que passei sua apresentação.
Seu jeito singular de tocar violão, forte e poderoso, passa pela nossa cabeça como um trem de ferro. Não sem motivos em alguns momento a gente apenas tomava a porrada, e chorava mais. Vinda da Paraíba para ganhar o mundo e nossas mentes.
Ao entrar no palco parecia uma senhora frágil, mas ao ao primeiro acorde veio o trem de ferro que disse acima. Engraçado como ela estava nervosa, pelas próprias palavras, mas foi se soltando. Foi se soltando e com a receptividade do público mineiro. Certa altura do espetáculo ela já estava mais que relaxada. Estava na sala de casa dando aula para a meninada, nós. Ativa, viva, atuante. Que monumento é Cátia de França
Foi marcante demais. Só senti falta de Djaniras, a música dela que mais gosto.
Logo na sequência veio o Macalé. Tenho uma história com ele. De amor. Já produzi uns três shows dele nos anos 90. O primeiro em 96. E já devo ter visto uns 10. Mas esse foi especial. Não só pelo tal “momento que a gente vive”, mas por ele. Macalé está vibrante.
Mandou cada canção! Daquelas que a gente adora e sabe de cor e salteado. Daquelas que nos acompanharam em momentos bons e ruins. Quantas vezes já chorei minhas dores de cotovelo ouvindo “Movimento dos Barcos” ou qualquer outra dele. Quantas vezes já amei e desamei ouvindo suas canções.
E ontem ele estava inspirado. Se divertia com o público e nos divertia. Se emocionava pelo momento e nos emocionava. Não sei como depois desses dois show não tive que ir pro hospital para tomar um soro e hidratar.
Politico, atento, consciente, Macalé intercalava opiniões certeiras e meio subliminares com pedradas em forma de canções.
No bis puxou “Juízo Final” de Nelson Cavaquinho e simplesmente deixou o palco com a gente cantando. Ele foi embora pra lá, nós fomos pra cá, cantando. Até o hall de entrada da sala. Um momento pra ficar na memória.
Prestigiem a Mostra. Ainda tem uma meia dúzia de espetáculos do mais alto nível. Juliana Perdigão na terça-feira (6), Aline Frazão na quarta-feira (7) e mais um tanto de coisa que terminará de forma mais que classuda no sábado com Joyce e João Bosco. Força para todas e todos nós.