Na Costa Rica
Uma viagem ao país dos nossos adversários na Copa, com a repórter Glória Tupinambás e o fotógrafo Renato Weil, casal que explora as Américas a bordo de um motorhome
Texto: Glória Tupinambás/A Casa NômadeFotos: Renato Weil/A Casa Nômade
Publicado em 21/06/2018
“Quero nossa cidade sempre ensolarada / Os meninos e o povo no poder, eu quero ver / São José da Costa Rica, coração civil / Me inspire no meu sonho de amor Brasil (…) / Sem polícia, nem a milícia, nem feitiço, cadê poder? / Viva a preguiça, viva a malícia que só a gente é que sabe ter”
Os versos de Coração Civil, de Fernando Brant para a música de Milton Nascimento, traduzem a alma e o espírito desse mágico país chamado Costa Rica. Uma nação alegre e hospitaleira. Uma “tripinha de terra” na América Central, dona de 5% da biodiversidade de todo o planeta. Um povo orgulhoso de sua história, marcada pela coragem de José Figueres Ferrer, o presidente que há 70 anos, diante da ameaça de um golpe militar, aboliu o Exército e destinou todos os recursos antes desperdiçados em armas, fardas e canhões para criar escolas de qualidade, programas sociais e projetos ambientais. Um lugar repleto de verde, praias paradisíacas, vulcões ativos e animais exóticos por todas as partes. Um cantinho do mundo onde seus 5,2 milhões de habitantes repetem várias vezes ao dia a expressão “Pura Vida”, sempre depois de um “buenos días”, “muchas gracias”, “a la orden” e “acá estamos para servirles”.
O grito de gol parece entalado na garganta dos ticos, apelido carinhoso dos costa-riquenhos. A estreia do país na Copa do Mundo da Rússia, no último domingo, não foi animadora. Um único e arrebatador ataque da Sérvia, logo no início do segundo tempo, jogou um balde de água fria na torcida. Mas a esperança ainda colore as ruas com o azul, vermelho e branco da bandeira nacional. E nesta sexta-feira, quando a Costa Rica entrar em campo em São Petersburgo, contra o Brasil, todos os olhares estarão voltados para o ídolo da seleção: o goleiro Keylor Navas, a quem os ticos confiam a missão de fechar as portas para Neymar e companhia. Ainda na primeira fase, a Costa Rica enfrentará a Suíça, no dia 27 deste mês, em Nizhny Novgorod. Muito realistas, eles não alimentam o sonho de colocar a mão na taça neste Mundial, mas querem garantir pelo menos uma conquista: a de que a seleção chegue às quartas-de-final, o lugar mais longe onde ela chegou em uma Copa.
O rosto de Keylor está estampado em jornais, revistas e outdoors por todo o país. No rádio, seu nome é exaustivamente repetido. E como figurinha carimbada em todos os programas de TV, uma defesa marcante de Keylor aparece até como pano de fundo na propaganda de uma agência de viagem que vende pacotes turísticos para que os costa-riquenhos assistam aos três primeiros jogos da seleção na Rússia por salgados US$ 9.999,99. O fanatismo chega ao ponto de eleger Navas, atual goleiro do Real Madrid e reconhecido por sua humildade, simplicidade e disciplina dentro e fora dos gramados, um herói nacional. Tão amado e idolatrado como Óscar Arias Sánchez, o presidente que não mediu esforços para pacificar a América Central e encontrar caminhos para o fim de guerrilhas e conflitos entre Costa Rica e os vizinhos Nicarágua, El Salvador, Guatemala e Honduras. Feitos que levaram Óscar Arias Sánchez a receber o Prêmio Nobel da Paz em 1987.
Mas a paixão dos ticos pelo jeito simples de Keylor e pelo espírito pacificador de Óscar Arias Sánchez diz muito sobre o país. Um mergulho na história remonta a 1948, quando o Exército foi abolido pelo então presidente José Figueres Ferrer e a Costa Rica passou a ser o primeiro país latino-americano a prescindir das Forças Armadas. A atitude de Ferrer foi tomada diante dos rumores de um golpe militar e, muito habilmente, o presidente não só extinguiu o Exército como obteve apoio popular convencendo a nação de que o dinheiro até então usado em armas seria revertido em melhorias sociais e ambientais.
E a promessa de Ferrer foi cumprida.
Setenta anos depois, a Costa Rica tem hoje 98% da sua população alfabetizada; 40% do seu território coberto por bosques e selvas (sendo 26% de área florestal preservada – proporcionalmente, a maior do planeta); o quarto país do mundo em qualidade de serviços públicos de saúde; e a mais alta expectativa de vida na América Latina. Uma goleada sobre o Brasil e uma lição para os brasileiros em tempos tão sombrios: é com democracia e sem armas em punho que ganharemos qualquer jogo!