No rastro das indiretas
No caos que se tornou Brasília, congressistas digladiam em busca de seus interesses
Por Amauri Gonzo
A manhã desta terça-feira (23) registrou um dos mais inusitados episódios do Febeapá 2, A Missão, que assola o Brasil: em Porto Alegre, um grupo muito serelepe, portando cartazes e bandeiras lilás com assinatura do Livres (tentativa de renomeação do Partido Social Liberal – PSL), protestava em favor das eleições indiretas. É isso mesmo, o “partido startup” (tá escrito no Facebook deles, é sério) defende a realização de eleições para presidente, desde que sejam indiretas. Eles publicaram um artigo sobre isso, inclusive.
A questão é que o Livres não é o único a adotar tal estratégia. Na verdade, as indiretas se tornaram praticamente um consenso dentro do establishment político em menos de uma semana do estouro do “FriboiGate”. Houve, num primeiro momento, e ainda há, apoio circunstancial à permanência de Temer – como aconteceu com Dilma antes do impeachment tomar forma. Quem está segurando o ex-interino claudicante na cadeira não é o chamado centrão, bloco sem cor ideológica que Temer se esforçou em criar, e que deverá se esfacelar com sua queda, mas a boa e velha direita.
No início da atual crise, sob os quentes holofotes da Globo, bateu-se cabeça interna e externamente. O PSDB, acuado com a fulminante empirulitada de Aécio (e família), ensaiou saída com entrega de ministério (caso de Bruno Araújo, de Cidades) e pedido de renúncia de Temer (caso de FHC). Todo mundo voltou atrás. No DEM, a mesma coisa: o líder do partido no Senado, Ronaldo Caiado, abriu cedo o coro pela antecipação das eleições para a Presidência e o Congresso, enquanto Rodrigo Maia, presidente da Câmara, tremendo e suando frio, seguiu jurando lealdade a Temer. O PPS foi além, entregando um ministério (da Cultura, de Roberto Freire), segurando outro (Defesa, de Raul Jungmann), e rompendo para depois desrromper com declarações do próprio neo-ex-ministro Freire.
Agora DEM e PSDB aparecem dizendo juntos que não vão embora assim tão fácil, e que devem esperar pelo menos o julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE – aquela pedida por Aécio apenas para “encher o saco do PT”, programada para o dia 6 de junho. Mas os conchavos estão a mil, numa busca desesperada por “um nome de consenso” para dirigir a nação até 2018. Nessas horas, FHC procura até o PT. Difícil é encontrar o cidadão disposto à árdua tarefa que o establishment político impõe. Ao judiciário e à mídia, deve jurar apoio à Lava Jato (que agora ceifa o governo Temer); ao mercado, as impopulares reformas; e ao povo, o combate ao desemprego.
Além de se equilibrar nesse delicado tripé, o novo mandatário ainda terá que governar com um legislativo em pé de guerra e com um Judiciário sedento em manter as vantagens amelhadas no acordão de Temer. Os nomes já levantados para a inglória tarefa não parecem garantir sustentação: o ministro da Fazenda Henrique Meirelles (PSD) era membro do Conselho de Administração da J&F, holding da JBS, até 2016; Nelson Jobim (PSDB), ex-ministro de Lula e FHC, é sócio e membro do conselho do BTG, do banqueiro André Esteves, que foi preso na Lava Jato; Carmen Lúcia, presidente do STF, nem partido tem; Rodrigo Maia tem uma investigação na Lava Jato pra chamar de sua. Para além disso, apesar dos brados pela constitucionalidade da saída indireta, suas regras ainda são nebulosas e caducas. A lei que as regulamentaria, prevista na Constituição, nunca saiu do papel. No seu lugar segue a regra que deu posse à Costa e Silva no alvorecer do regime militar.
Pelo jeito, a Globo havia apostado em uma saída rápida para Temer, mas vai ter que se contentar com o banho-maria. Já o ex-interino perde a cada dia a legitimidade e até mesmo o apoio da mídia – a Folha publicou editorial aventando a saída das indiretas (mas sem deixar de lado as diretas) no mesmo dia em que demitiu Aécio. Só lhe sobra o Estadão, que abriu espaço para um artigo onde se defende a miragem da “recuperação econômica”. Sem a queda rápida, a tendência é ver Temer se estrebuchando em praça pública, enquanto o establishment tenta acertar a saída: não há volta, que o digam os 14 pedidos de impeachment já protocolados na Câmara. Por isso mesmo, Renan Calheiros (PMDB-AL) já anda por aí pedindo celeridade na transição.
A esquerda foi o único bloco parlamentar que apoiou univocamente a solução das eleições diretas – Miro Teixeira (Rede), autor da PEC que regulamenta o pleito popular, acredita que “há clima” para a sua aprovação. No centro, o presidente da CCJ na Câmara, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), afirmou a este O Beltrano que vai dar “prioridade máxima” à sua aprovação, enquanto o relator Espiridião Amin (PP-SC) deu seu parecer favorável. Porém, é preciso combinar com os russos, que parecem intransigentes no movimento pelas indiretas, que contam com uma possível anistia a Temer como moeda de troca para a sua rápida saída. Entende-se que o tal “mercado” tem pressa pela substituição no Executivo por estar com medo do travamento das reformas trabalhista e da Previdência – na terça, a reunião da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, que discutiria a reforma trabalhista, quase terminou em porrada. Por isso, mesmo o PT parece recuar aos poucos dos gritos de “Diretas Já”. Recentemente Rui Falcão apareceu ao lado de Lula para decretar que “o governo Temer acabou” e convocar a povo nas ruas pelas Diretas Já – logo ele, tão infeliz em convocações do tipo desde 2013. Porém, apesar do grito rueiro, que serve acima de tudo para marcar posição, os dirigentes petistas parecem torcer pela lenta sangria de Temer. Pelo jeito, o caixão já está encomendado, só falta marcar a data do enterro e resolver o pior: a briga pela herança.