O afastamento dos investigadores da Samarco
A ação do Ministério Público para tentar evitar novas tragédias causou o afastamento dos procuradores
Por Clarissa Carvalhaes
Os motivos eram absolutamente óbvios, mas ninguém entendeu nos detalhes o que se passou no dia 7 de dezembro último, quando a força-tarefa do Ministério Público que investigava o acidente da Samarco, em Mariana, foi desmobilizada. Naquele dia, Antônio Sérgio Tonet tomou posse como o novo procurador-geral do Ministério Público, escolhido pelo governador Fernando Pimentel. E sua primeira medida no cargo foi acabar com a força-tarefa e enviar seus três cabeças para promotorias no interior do Estado.
A desmobilização acontece no momento em que a Samarco tenta viabilizar o retorno de suas atividades. A empresa está em processo de licenciamento ambiental do conjunto de suas operações e prevê utilizar cavas antigas de mineração como alternativa para deposição de rejeitos, em substituição à barragem que se rompeu. Também acontece em meio ao caos econômico do governo mineiro, que, coincidentemente, naquele mesmo dia 7 de dezembro, decretou ‘estado de calamidade financeira’.
Está claríssimo que a força-tarefa do Ministério Público era um obstáculo ao retorno das atividades da mineradora e por isso foi desmobilizada pelo novo procurador-geral do MP a mando do governador, mas vamos aos detalhes.
A gota d’água para o corte dos cabeças foi uma ação civil pública (a qual O Beltrano teve acesso) contra o Governo do Estado e em defesa do meio ambiente, com pedido de tutela antecipada, de autoria dos três promotores que integravam a força tarefa: Carlos Eduardo Ferreira Pinto, Mauro Ellovitch e Marcos Paulo de Souza Miranda. A ação foi ajuizada três dias antes do desmonte, em 4 de novembro, e tramitará na Vara da Fazenda Pública.
Carlos Eduardo, que era o coordenador da força-tarefa e também do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente (Caoma), foi enviado para Ribeirão das Neves. Mauro Ellovitch, das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente das Bacias dos Rios das Velhas e Paraopeba, passou a atuar em Ibirité. Já Marcos Paulo, da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC), seguirá carreira em Santa Luzia.
A ação
A ação do MP é uma resposta ao descumprimento pelo Estado do que está legalmente previsto no Decreto 46.993, de maio do ano passado. O decreto proíbe expressamente novos alteamentos de barragens a montante por reconhecer o perigo oferecido por essa solução de engenharia para aumento da capacidade de contenção de rejeitos. Segundo documento assinado pelos procuradores do MP, apesar do decreto, o Governo do Estado fez concessões e liberou a continuidade de alguns desses empreendimentos.
“O Estado continua, sim, a dar tramitação normal a pedidos de licenças ambientais para empreendimentos que envolvem disposição final ou temporária de rejeitos de mineração em barragens que utilização o método – tecnicamente anacrônico ambientalmente agressivo e juridicamente não recomendado – de alteamento para montante”.
O altear uma barragem de rejeitos consiste, basicamente, em engrossar e elevar o paredão que segura as lamas e areias geradas no processo de tratamento do minério. A elevação a jusante é mais segura, porque é feita sobre o solo seco, mas também mais cara e demorada. Já o alteamento a montante é feito sobre a camada de rejeitos já depositada, que contem água. É preciso construir um complexo sistema de drenos que nem sempre se mostram eficientes, como demonstrado no acidente da Samarco.
Um ofício expedido pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente atestou que, até novembro, tramitavam administrativamente 37 pedidos de licenciamento ambiental de empreendimentos que utilizariam tal método de alteamento, que foram formalizados antes do Decreto passar a valer.
“Por coerência, não se pode regulamentar uma mesma situação de dois modos claramente contraditórios entre si. O permissivo constitui uma verdadeira autorização para a repetição de novos desastres em Minas Gerais, como se as mortes e danos decorrentes dos rompimentos de Fernandinho, Herculano e Fundão não fossem suficientes”, diz um dos trechos do documento, fazendo menção a outras tragédias em Minas.
O texto do MP diz ainda que as empresas de mineração devem não apenas adotar Melhores Tecnologias Disponíveis (MTD), como precisam deixar de utilizar o método de alteamento para montante – já que o rompimento da barragem em Mariana evidenciou a fragilidade da técnica.
“O Ministério Público do Estado tem se posicionado não no intuito leviano de infirmar a necessidade e relevância socioambiental e econômica da mineração, de importância histórica crucial em Minas Gerais, mas de conformar o exercício da atividade aos ditames constitucionais e legais”, afirma o documento.
“Com a ação, o MPMG espera que licenças ou autorizações que envolvam instalações ou ampliações de barragens de rejeitos de mineração não sejam mais concedidas, nem renovadas pelo Estado. Mais ainda: que todas as empresas de mineração apresentem durante os processos de licenciamento ambiental alternativas ao alteamento – como as tecnologias com desaguamento, empilhamento drenado, redução, reutilização e reciclagem dos rejeitos ou ainda a disposição de rejeitos com secagem e em forma de pasta”, diz o MP.
Novos tempos
Tão logo Antônio Sérgio Tonet assumiu o posto de procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, em 6 de dezembro, e afastou os promotores de Justiça que assinaram a ação civil, Rômulo Ferraz foi anunciado como coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, que ganhou ainda a incumbência de proteger o Patrimônio Histórico Cultural, de Habitação e Urbanismo.
Nos bastidores, Ferraz (que também é Procurador de Justiça Adjunto Institucional) é conhecido por transitar muito bem entre partidos e políticos distintos: foi ex-subcretário de Relações Institucionais do atual governo e também ex-secretário de Defesa de Antonio Anastasia (PSDB). O cargo que assume agora provavelmente lhe dará ainda mais status se levarmos em conta a crise financeira pela qual passa o Estado e a urgência na aprovação de novos empreendimentos empresariais.
O governador Fernando Pimentel (PT) não esconde a preocupação. Durante debate sobre o tema “Mineração hoje no Brasil e no mundo: tendências, desafios e oportunidades”, realizado em 16 de dezembro, no Expominas, o petista destacou que o principal motivo da crise econômica em Minas é a crise da mineração.
“Projetos de bilhões de reais estavam parados por falta de licenciamento ambiental (…) nós vamos mandar para a Assembleia Legislativa um projeto de lei alterando alguns aspectos importantes do processo de licenciamento, basicamente para torná-lo mais ágil. Nós vamos colocar prazo, porque, por incrível que pareça, não há prazo para que ele seja expedido e isso não gera qualquer punição para quem está retendo o pedido”, disse.
Na noite anterior à fala de Pimentel, quase 2 mil moradores de Mariana participaram de audiência pública, obrigatória no processo de licenciamento ambiental, para discutir o projeto de retorno das operações da Samarco.
Na ocasião, a empresa apresentou projeto onde pretende usar uma nova área para o depósito de rejeitos de minério. O novo sistema deve aproveitar a cava de Alegria Sul, localizada em Ouro Preto, mas faz parte do Complexo de Germano, onde ficava a barragem de Fundão. A cava é um buraco de onde já foi extraído minério. Ao lado dela, a proposta é construir um dique de dez metros de altura.
O sistema terá capacidade para 17 milhões de metros cúbicos de rejeitos, o suficiente para cerca de dois anos e meio a três anos de operação da empresa. No entanto, a mineradora não divulgou o que será feito com os rejeitos que forem depositados nesta cava após esse período ou ainda qual o destino do rejeito que será produzido a partir daí.
Em 20 de dezembro, a empresa anunciou que estava em negociação com suas sócias controladoras, as gigantes mundiais Vale e BHP Billiton, para utilização de uma outra cava, Timbopeba, de propriedade da Vale, também próximo ao complexo de Germano. Mas sem informar capacidade de armazenamento.
Mas, mesmo sob muitas dúvidas, os moradores da cidade, sob a voz da prefeitura, demonstraram apoio à retomada de operação da Samarco. A explicação está na crise econômica que engolfou o município, com queda brutal na arrecadação e no nível de empregos.
“A empresa é responsável pela tragédia. Ela não pode, de forma alguma, ser vista como vítima. Ela tem que ser cobrada e pessoas terão que ser responsabilizadas. Mas, a partir daí, a gente precisa colocar um ponto e entender também que o retorno da empresa para nós, marianenses, representa aquecer a nossa economia, que os cofres públicos vão poder manter os serviços essenciais e que, hoje, a mineração ainda é muito importante para o município”, afirmou o prefeito do município, Duarte Júnior (PPS).
Curioso é que a ação civil pública movida pelo MP parecia prever os argumentos em favor da retomada das atividades da mineradora. “Nem mesmo sob aquele argumento tradicionalmente utilizado, de que se pretende a satisfação de necessidades de igual relevo, como o de crescimento econômico, a manutenção ou geração de empregos, se pode admitir o abandono, sequer temporário, da proteção do meio ambiente”, diz um dos trechos do documento.
No dia da nomeação da nova equipe da força-tarefa (que conta ainda com a promotora Giselle Ribeiro de Oliveira e o promotor Guilherme Meneghin), o MPMG assegurou, por meio de nota, que não haverá ruptura no acompanhamento dos desdobramentos da tragédia de Mariana.
Os procuradores afastados da força-tarefa foram procurados pela reportagem d’O Beltrano, mas não foram encontrados para comentar o assunto.