O amor, o sorriso e a flor

Experiências vividas nas telas e na vida. Tiradentes capricha em mais um dia de mostra


Por Rafael Mendonça

Publicado em 20/01/2018

Foto: Rafael Mendonça

A vida nos reserva grandezas, coisas que sem mais nos arrebatam e nos fazem acreditar que dá pra ser melhor e mais leve. No meu segundo dia da Mostra de Cinema de Tiradentes e último dia por aqui, eu tomei uma surra dessas coisas. Três filmes, um amistoso entre o centenário Aimorés e o Galo e a canção.

Nem sei por onde começar, acho que pelo mais difícil. Não sei. Vamos pelos filmes. Plano Controle, Noir Blue e Temporada. Cada um do seu jeito mandando um tipo de mensagem que te transforma.

Divulgação

O filme da Juliana Antunes, Plano Controle, é pra mim uma metáfora de um tanto de coisa que a gente vive. Ao querer viajar, ao querer se teletransportar, ao querer New York e ir parar em Nova Iorque periferia de BH, ao voltar e ficar preso no passado (desculpem o spoiler), tudo isso nos remete aos dramas e anseios da nossa vida. De um jeito ou de outro os dramas e anseios de quem for, da forma que for.

Juliana nos mostra que mesmo com os malucos da ruaney fazendo o que fazem de melhor, relinchar, 15 mil reais são capazes de colocar um belo filme no ar. E saibam, é pouco pra caramba. É quase nada. E com essa pouca verba sai um filme que te questiona. “Fazer cinema pra mim é desejo de mostrar um mundo que geralmente não pode ser meu. e ao mesmo tempo poder circular pelo mundo através do cinema. cada filme é uma espécie de vida, sabe?”. Afirma um Juliana que a cada dia me parece saber mais o que quer e como fazer. Depois do estonteante Baronesa, Juliana, ou Ju, está a cada dia mais em cima. Mais plena e consciente do cinema que faz.

“Todo o teletransporte é feito por imagens de arquivo da televisão aberta brasileira. o baixíssimo orçamento do Plano Controle (15 mil reais) é um convite a nostalgia e uma ode ao maior governo de esquerda da América Latina, o PT”, reflete Juliana sobre o momento que vivemos.

Sobre o futuro mostra uma visão bem realista: “Adoraria ter uma resposta otimista, mas ela não é possível, mesmo. Também tenho certeza de pouca coisa, mas do pouco que sei, “paz” não é uma possibilidade para o nosso futuro, seja no cinema ou em qualquer outra área. Vão ser tempos duros. E é esse sangue fervendo na veias que me faz seguir. Tou viva e enquanto eu viver, a bandeira não baixará.”

Foto Beto Staino/Universo Produção

Já o filme da Ana Pi, Noir Blue, traz um outro tipo de coisa. Dançarina, negra, política, com um poder e personalidade impressionantes Ana nos coloca em um tipo de sinuca de bico. E dentro de uma sutileza, beleza e profundidade. Nos coloca nas cordas ao mostrar a beleza da dança. Nos mostra o nosso lugar, expões nosso racismo sem falar de racismo. Vai da dança ao posicionamento político para nos mostrar que nas entrelinhas e sutilezas estão coisas que todo mundo deveria aprender e levar muito a sério.

“Noir Blue e cinema performance em sua máxima potência por tudo. Como um corpo e ver nisso sua máxima potência”, afirma Maria Trika, crítica de cinema e atenta observadora.

Em entrevista para Larissa Muniz no site do Festival de Curtas de Belo Horizonte (http://www.festivaldecurtasbh.com.br/critica/de-tao-preto-e-azul/), Ana fala quase tudo que queria dizer. “Experiência que atravesso de forma solitária mas, acompanhada de uma câmera e um lápis, posso compartilhar. Esse continente que é uma incógnita para nós. Categorias de dança que têm cor são negras: uma dança azul de tão preta. Performance é o espaço de arreganhar. Aprendi a falar devagar porque a maior parte do tempo era estrangeira. É meio psicografado esse trabalho, um filme que queria nascer. Este filme foi feito de forma independente — não só pelo dinheiro, mas pela liberdade. Uma coisa livre que a gente preta não tem direito. Um filme de pessoas que conheço e não conheço, mas sinto.”

Sobre o Temporada, não vi aqui, perdi. Verei no cinema onde ela já se encontra em cartaz. Mas ao conversar com o André Novais, diretor do filme ele falou um trem que acho muito bonito. “Nestes retratos da periferia organicamente você acaba falando do trabalhador, acaba falando do que as pessoas fazem. No Temporada, no Arábia e é fundamental falar do trabalhador brasileiro neste momento e com respeito. Respeito pelas suas complexidades do momento e da vida”. E isso foi outra coisa que me fez pensar demais.

Foto: Rafael Mendonça

Galo de ouro e os Aimorés

E por falar em trabalhador, vivência e estar perto do que Tiradentes tem a te oferecer. Graças ao Fernando Lacerda fiquei sabendo que o time local completaria 100 anos, obviamente empolguei e pensei que não poderia perder por nada nesse mundo esse trem. Ainda mais que o adversário no amistoso de aniversário seria o masters do Galo.

Foto: Rafael Mendonça

Chamei meu amigo e diretor de cinema Flávio C. von Sperling e rumamos ali para o campo. Ontem falei do lance de viver a cidade E na tarde deste sábado, tomamos uma surra de vivência. Falamos do filme dele, que estreia aqui no dia 22, falamos do Galo, rimos dos piadistas, vimos o povo de Tiradentes. Foi toda uma coisa. Não é só.

Não poderia haver lugar melhor para falar com o Flávio. Um apaixonado por futebol e por cinema. Entre goles de cerveja e reflexões profundas. Entre gols do Sérgio Araújo e dúvidas sobre como continuar fazendo arte nos dias que vivemos. A busca por estas respostas certamente passa por aqueles coroas correndo em campo. Se divertindo e jogando bola. Foi possível discutir cortes e planos como um lanamento do Paulo Isidoro. Sobre classe e a capacidade. Ponto futuro.

Luis José da Fonseca Neto, presidente do Aimorés deixou claro: “Carregar 100 anos, é uma responsabilidade tamanha de manter a tradição e manter os gostos que passaram pra gente. Ontem vimos a máxima que pênalti é tão importante que deveria ser batido pelo presidente. PESSOAL ele foi bater e perdeu.

Pensei no simbolismo disso tudo e como um presidente batendo e perdendo a penalidade máxima reflete tudo que a gente vive.

Foto: Rafael Mendonça

Foto: Rafael Mendonça

 

Quebramar

Depois disso tudo, depois deste dia de emoções fortes e profundas fui nocauteado já na madrugada de domingo pelas mulheres do Quebramar. Meninas lindas fazendo arte, fazendo música. Fazia muito tempo que não me emocionava com música como com elas. Sei tipo nada, tenho que descobrir.