O aumento do ônibus cheira mal

Se o reajuste seguisse a inflação, a passagem deveria ser R$ 0,51 mais barata


Por Wallace Graciano

Foto: Rafael Mendonça

 

A passagem dos ônibus subiu novamente hoje (terça-feira, 3 de janeiro) em Belo Horizonte. E como já é tradição, subiu acima da inflação. Este é o oitavo aumento dos últimos seis anos. Como o cálculo do reajuste das passagens é feito pelos próprios donos das empresas de ônibus e encaminhado para aprovação da BHTrans, e como esses cálculos nunca foram apresentados publicamente de forma clara e acessível ao cidadão comum, nós, d’O Beltrano, decidimos fazer nossas próprias continhas. Os resultados comprovam que os últimos aumentos são, no mínimo, injustos.

O reajuste de ontem faz com que o belo-horizontino agora tenha que desembolsar R$ 4,05 para utilizar o serviço principal da rede, que antes custava R$ 3,70. A variação é de 9,4%, bem acima da inflação apurada no período, que é de 6,58% (estamos utilizando o IPCA 15 de dezembro, já que ainda não temos o IPCA fechado de 2016, mas a distorção é irrelevante).

Em dezembro de 2011, quando houve o primeiro reajuste das passagens na década, o preço saltou de R$ 2,45 para R$ 2,65. De lá para cá, a tarifa foi alterada, também, em dezembro de 2012, abril e dezembro de 2014, além de agosto e dezembro de 2015. No período, o preço das passagens em BH foi alvo de liminares e ações na Justiça em diversas oportunidades, envolvendo o Ministério Público, BHTrans e empresas que operam o transporte público na capital, sem grandes sucessos para os usuários.

Então, se levarmos em conta o acumulado na década desde o primeiro aumento, naquele longínquo dezembro de 2011, o preço das passagens subiu 65,3%, contra uma inflação no mesmo período de 41,2%. Se o reajuste seguisse a inflação, a passagem deveria custar hoje R$ 3,46, e não R$ 4,05, gerando uma economia para o usuário de R$ 0,51 em cada viagem.

Se a base de cálculos da inflação ao consumidor e dos custos das empresas de transporte são diferentes não há dúvidas. Mas a enorme diferença entre a inflação e o reajuste dos ônibus, sempre a favor das empresas, mostra que alguma coisa continua cheirando muito mal no relacionamento entre prefeitura e concessionários.

Vozes ativas contra o aumento

Integrante do movimento Tarifa Zero, Juliana Galvão discorda veementemente do reajuste, o qual considera abusivo. Ela e membros de diversos coletivos prometem se aliar à manifestação organizada pelo Movimento Passe Livre (MPL). O protesto partirá da Praça Sete de Setembro, no Centro da capital, a partir das 17h30 desta terça-feira, e tentará pressionar Alexandre Kalil, prefeito recém-empossado, a interceder diretamente no aumento da tarifa.

“Esta manifestação é organizada pelo Movimento Passe Livre (MPL), mas o Tarifa Zero e outros coletivos estão participando ativamente. Todos nós entendemos que esse aumento é excessivo para a população. A manifestação vem com o lema #cancelakalil. Sabemos que o aumento foi feito na gestão do Lacerda, mas como ele (Kalil) foi eleito com a promessa de que veria o transporte público através dos usuários, queremos que interceda ao nosso favor”, explicou a integrante do Tarifa Zero.

Juliana Galvão teme que esse aumento atinja outros setores da sociedade. “O Tarifa Zero começou a atuar em 2013. De lá para cá, me assusta ver que esse valor quase aumentou em quase 35%. Isso é castrador para o cidadão. Sempre falamos que o transporte deveria ser um direito, não um serviço. Ainda mais quando se vê que o acesso ao transporte afeta todos os serviços. Sendo precário, atinge diretamente a saúde e a educação da capital porque, muitas vezes, funcionários não podem chegar em condições ideais ao seu local de trabalho”, avalia.

Além de tomarem a Praça Sete, os integrantes do movimento se organizaram online contra o aumento da tarifa. Através da hashtag #CancelaKalil, os coletivos tentam pressionar o gestor a interceder diretamente no processo. Até o início desta tarde, a hashtag havia conseguido alcançar mais de 35 mil usuários nas redes sociais.

Caixa Preta

Foto: Rafael Mendonça

Outro mote das reivindicações feitas ao novo prefeito é em relação à sua promessa de campanha de “abrir a caixa preta” dos contratos com as empresas de ônibus de Belo Horizonte. Segundo Juliana Galvão, a transparência em relação aos contratos é essencial para o futuro do transporte público na capital.

“A questão da abertura da caixa preta dos contratos sempre foi imprescindível. Sempre quando há um reajuste de tarifas, pedimos esclarecimento sobre essa questão. Enquanto não soubermos de fato o lucro, elas não deveriam reajustar as tarifas. Afinal, não sabemos se elas conseguem justificar prejuízo. E ainda que sejam empresas privadas, estão servindo o público. Temos convicção de que enquanto não abrirem plenamente esses dados, elas terão um ponto para reclamar”, avaliou.

Mais que apenas questionar o valor das passagens, os manifestantes pretendem pressionar o novo prefeito para cumprir suas promessas de campanha.

“O (Alexandre) Kalil esclareceu que iria abrir a caixa preta e vamos pressioná-lo. Se tiver que entrar com ação, vamos fazê-lo. Mas, primeiro, precisamos entender seu posicionamento. Não adianta justificar o aumento de forma evasiva que foi sancionado pelo Lacerda. Precisamos, ao menos, saber sua postura para o futuro e se vai pressionar as empresas que operam o transporte público em Belo Horizonte e a BhTrans”, afirma Juliana.

Em contato, a assessoria de imprensa da Prefeitura esclareceu que o reajuste já entrou em vigor e o atual gestor da capital não teria capacidade de suprimi-lo, caso avaliasse incorreto. Porém, segundo o órgão, tanto Alexandre Kalil, quanto o vice-prefeito, Paulo Lamac, já pediram estudos sobre o aumento da passagem e prometem avaliar a situação do transporte público na capital mineira.

O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH), por sua vez, entende que o aumento das passagens segue os parâmetros estabelecidos nos contrato da concessão, avaliando a variação de custos no óleo diesel, rodagem, veículos, mão-de-obra e despesas administrativas. A comunicação do órgão explicou, ainda, que o estudo do aumento foi encaminhado à BHTrans. Em relação à “abertura da caixa preta”, o SETRA-BH entende que PBH e BHTrans que devem ser os alvos da cobrança.

Através da sua equipe de comunicação, a BHTrans explicou que o reajuste já é previsto em contrato ao final de cada ano e sofre uma revisão quadrienal para “aparar arestas” que tenham ficado no caminho, seja aumento ou decréscimo no valor. O órgão explica, ainda, que mantém os documentos na internet no seu portal.

SERVIÇO

Tarifas do transporte convencional por ônibus:

Valores vigentes a partir de 3/1/2017:

• Linhas perimetrais, diametrais, semi-expressas e Move – R$4,05;

• Tarifa de integração com o metrô – R$4,05;

• Linhas circulares e alimentadoras (ônibus na cor amarela) – R$2,85;

• Linhas de vilas e favelas (microônibus na cor amarela) – R$0,90;

• Linha Executiva SE02(Buritis/Savassi) – R$6,10.

Obs: Na tarifa da linha executiva SE02 está mantida a concessão de desconto aos usuários do Cartão BHBUS. O desconto será de 6,55%, ou seja, a tarifa com desconto ficará em R$5,70.