O canto do Tuiuti
Em entrevista exclusiva para O Beltrano, Thiago Monteiro, diretor de Carnaval da Paraíso do Tuiuti, diz que a Rede Globo conhecia o enredo da escola. Para ele, surpresa não é desculpa
Por Ana d´Angelo
Do Rio de Janeiro
“O que não tivemos esse ano foi medo, fomos para arriscar tudo”, diz o diretor de Carnaval da Paraíso do Tuiuti, Thiago Monteiro, com a voz rouca de tanta festa pelo segundo lugar, com gosto de primeiro, no Carnaval do Rio. A Tuiuti causou, lacrou e ‘desenhou’ o golpe na avenida. Lavou a alma de boa parte da população. “Não sei se da maioria”, ri Thiago, já se preservando com a fama e o sucesso repentinos. “Mas posso dizer que a identificação e aceitação da nossa proposta foram maiores que o imaginado”.
A Tuiuti criou um termo ao qual nenhum intelectual se arriscara: ‘manifestoches’. Ocupando uma ala inteira, estavam os ‘paneleiros’ montados em patos da Fiesp e manipulados como marionetes pelas gigantescas mãos da mídia hegemônica. Calou comentaristas da Globo e encerrou o desfile com um destaque tenebroso: o presidente Michel Temer representado como um vampiro, com a faixa atravessada no peito e dólares como adereço em torno do pescoço. Conhecida pelo sobe e desce do grupo especial, e última colocada no ano passado, a Tuiuti não titubeou em lançar todas as fichas. Mostrou carteiras de trabalho fuziladas e chocou geral com escravos açoitados na comissão de frente.
Thiago Monteiro contou ao O Beltrano que repórteres e comentaristas da Globo foram ao barracão, conheceram todos os carros alegóricos e obtiveram todas as informações sobre o enredo deste ano antes do desfile. “Posso te garantir que não foi surpresa para eles”. Falta de informações foi uma das justificativas para o laconismo da transmissão oficial na passagem da escola, com comentaristas evitando dar detalhes daquilo que era óbvio: a forte crítica ao governo e aos setores da sociedade que articularam o golpe, incluindo a própria emissora.
Abaixo, a integra da entrevista exclusiva de Thiago Monteiro ao O Beltrano.
Você já falou que a escola queria provocar, mas imaginava o tamanho da treta? Tinha noção do apoio e também das críticas que viriam na sequência do desfile?
A gente não sabia o que ia alcançar. Sabia que poderia mexer com alguma coisa, mas que seria tão bem recebida assim foi uma surpresa. O povo se viu, pelo menos parte do povo, não sei se a maioria. Com certeza , um dos segredos do sucesso é a comunidade (do Morro do Tuiuti) se ver no desfile.
O enredo foi decisão coletiva? Como foi desenvolvido?
A idéia original era ficar na Lei Áurea, no período da escravidão no passado. Quando fomos nos aprofundando, vimos que poderíamos falar da exploração do homem pelo homem e chegar nos dias atuais. Jack Vasconcelos, o carnavalesco, é o condutor da parte artística, mas a presidência e diretoria ficaram juntas o tempo todo, decidindo e apoiando. O que não tivemos esse ano foi medo. Ano passado, a escola estava no último lugar. A gente não podia ter medo de nada, tudo menos medo. Fomos para arriscar e ver que bicho ia dar.
Perder por um décimo é…
Tem uma pontinha de engasgo. A Beija-Flor foi linda na avenida, apoiamos e estamos muito felizes com tudo e parabenizamos as duas escolas. A crítica deles representa o povo sim, violência, morte… o povo tá bem representado ali. Fizemos críticas contundentes. As duas escolas transmitiram um pouco do anseio de parte da sociedade.
Manifestoches já é novo vocábulo da língua portuguesa. Quem criou?
Jack Vasconcelos. Se você pensar, a escola poderia estar numa charge de jornal. Essa é a idéia. Não respondemos a nada, mas perguntamos sobre tudo. No momento das manifestações, quem se manifestou à época foi manipulado ou não? A carteira de trabalho sendo fuzilada é uma pergunta: nossos direitos sociais e trabalhistas estão sendo fuzilados? A escola perguntou e o público respondeu afirmativamente. Mas é importante dizer que a escola é apartidária, é um grêmio recreativo cultural, trabalhamos com alegorias. A Tuiuti é apenas um instrumento para a discussão. A gente nem se preocupou com o ano eleitoral. Quem acha que não houve golpe, por exemplo, acha que a escola exagerou. Fui acusado de várias coisas, inclusive de ser… como se fala mesmo… esquerdopata (risos).
Sobre as críticas, resumidamente, as vozes contrárias dizem que vocês criticam a reforma trabalhista mas não assinam carteira dos funcionários, não pagaram indenização à família da radialista morta no acidente do ano passado e que receberam dinheiro do Minc.
Captamos parte dos recursos pelo Ministério da Cultura, que fomenta a cultura. Não estamos em momento de censura. O ministro da Cultura Sérgio Sá Leitão foi ao barracão um mês antes do Carnaval e em nenhum momento pediu para mexer em nada. Nenhuma escola de samba assina carteira de funcionários, eles trabalham por empreitada, muitos são MEI, que pagam seus impostos e trabalham como autônomos. Quem fez essa crítica desconhece a realidade das escolas do Rio.
Sobre as indenizações, a escola ajudou as vítimas e parentes de vítimas. Duas não aceitaram e foram à Justiça. Então, quem decide é a Justiça. Nós fizemos nossa parte dentro dos limites da capacidade da escola, porque o que aconteceu foi um acidente, não um ato deliberado.
Como a escola se financia e quanto custou o desfile?
Televisão que paga os direitos da transmissão, ingressos da Liesa, venda de CDs, financiamento próprio. Conseguimos nesse ano financiamentos privados através da Lei de Incentivo, do Minc. Nenhum desfile custa menos de R$ 5 milhões.
Depois de todo esse sucesso de vocês e se fosse possível a Globo retransmitir você acha que seria diferente? (O desfile das campeãs neste sábado 17/02 só será transmitido pela TV BRASIL – o desfile começa às 21h15, mas a entrada da Tuiuti está prevista para 1h35, já na madrugada de domingo)?
Confesso que não vi a transmissão da Globo, mas é importante dizer que os narradores vieram ao barracão, os repórteres de pista também. Conheciam tudo, o projeto todo e gostaram muito, elogiaram. Posso te garantir que não foi surpresa para eles. Eu fui uma das pessoas que apresentou o projeto para eles. Não posso criticar, porque não vi a transmissão, mas surpresa não foi.