O desmonte da Cemig


Por José Antônio Bicalho

A usina de Jaguara gera 6% da energia total da Cemig / Foto: Cemig

De nada adiantará a grita. Sinto informá-lo, meus caro, mas a Cemig perderá, sim, suas três maiores usinas ainda neste ano. As concessões de Jaguara, São Simão e Miranda serão retomadas e leiloadas pelo governo Temer. A previsão é que a venda aconteça em 22 deste mês de setembro. E acontecerá, a despeito da pressão de políticos e empresários mineiros ou da guerra de liminares. Os leilões poderão até ser adiados, mas são inevitáveis.

E quem comprará as usinas da Cemig? Num leilão tudo pode acontecer, mas eu apostaria minhas fichas nos chineses da State Grid Brazil Holding, a empresa que hoje demonstra mais apetite por crescimento no setor energético nacional. E não apostaria um tostão furado na própria Cemig, a terceira maior empresa do setor no país em receita líquida (R$ 18,8 bilhões em 2016), muito maior ao da própria State Grid, mas enormemente endividada e sem capacidade para investir.

O certo, coração, é que as maiores usinas da Cemig, as jóias da coroa, serão inevitavelmente transferidas da estatal mineira para a iniciativa privada, muito provavelmente para uma multinacional de olhos puxados. Mais um passo no programa de desmonte da coisa pública empreendido por Temer. Mais uma jogada para tapar o rombo gigantesco das contas do governo e livrar o presidente da incorrência em crime de responsabilidade por descumprimento da meta fiscal. Mais uma queima de patrimônio público para contrabalançar os efeitos de uma política econômica insana e devastadora. Mais uma imoralidade arquitetada pela dupla Temer/Meirelles.

Ao final de julho, o governo de Minas, a Cemig, a Fiemg, a Assembleia Legislativa e um grupo de prefeitos e entidades empresariais mineiras divulgaram carta pública em defesa da manutenção das usinas pela estatal. Fizeram um apelo ao governo Federal para que este reabra as negociações para manutenção das concessões. Inútil. Temer não é um cara legal, nem sensível a apelos.

O fato é que o dinheiro a ser amealhado com a venda das usinas é considerado da maior importância para que o governo federal consiga fechar suas contas ao final do ano sem estourar a meta fiscal, que já foi ampliada para o absurdo déficit de R$ 159 bilhões (ainda dependente de aprovação pelo Congresso). A previsão oficial é que a venda das concessões das três usinas renda cerca de R$ 11 bilhões, mas há quem diga que o valor está enormemente subavaliado.

Vamos a uma continha simples para entendermos a importância desse dinheiro para o governo golpista. Em 12 meses até julho, o déficit primário (diferença entre receitas e depesas correntes, não contabilizado o pagamento de juros e obrigações financeiras) do governo central alcançou R$ 183,7 bilhões, o correspondente a 2,8% do PIB. Ou seja, o déficit, hoje, já ultrapassa em R$ 24 bilhões a meta prevista para 2017. O governo terá que tirar a diferença nos próximos meses, reduzindo paulatinamente esse déficit. Mas não é o que está acontecendo, não é essa a tendência apontada até o momento. No acumulado até julho de 2017, o déficit primário foi de R$ 76,3 bi, frente a déficit de R$ 55,7 bilhões em 2016 (valores nominais). Ou seja, o ritmo é de crescimento.

Isso acontece porque as receitas com arrecadação de impostos continuam caindo vertiginosamente. Em julho, a Receita Administrada foi de R$ 108,5 bilhões, o que representou queda de R$ 6 bilhões em relação ao programado. A queda se deu em função da frustração de R$ 1,4 bi no RERCT (o programa imoral de repatriação de dinheiro sujo depositado no exterior, que salvou o governo no ano passado), mas principalmente da queda de R$ 4,7 bilhões do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido. A arrecadação encolhe por conta da desaceleração da atividade econômica e do encolhimento das empresas. Ou seja, da recessão que o próprio governo Temer criou.

Tal queda na arrecadação não compensou o esforço do ajuste fiscal. No mesmo mês, a despesa total executada foi inferior ao programado em R$ 3 bilhões, sendo a maior parte, de R$ 2,2 bilhões, decorrentes dos cortes profundos feitos no Programa de Aceleração do Crescimento. São números mostram que está tudo errado na política econômica. Que quanto mais se corta em investimentos, mais o déficit aumenta e se cria o círculo vicioso no qual estamos. Mas isso é papo para uma próxima coluna…

Por hora, já que estamos tratando da Cemig, o importante é saber que as receitas extraordinárias previstas pelo governo para este ano, ou seja, aquelas não recorrentes e que não são fruto do pagamento de impostos, montam a estratosféricos R$ 59,8 bilhões, um crescimento de R$ 12,8 bilhões sobre as do ano passado, que já estavam turbinadas pelo programa de repatriação (de dinheiro sujo). Neste ano, a maior parte, ou R$ 25,7 bilhões, virá das concessões. E, muito provavelmente, a venda das usinas da Cemig representará mais da metade desse montante.

Então, considerando que as concessões estão de fato vencidas (não acreditem nos argumentos contrários a isso), que o governo federal precisa desesperadamente do dinheiro das concessões e que Minas Gerais é governado pelo PT, vocês acham que existe possibilidade de um acordo entre o governador Fernando Pimentel e o golpista do Temer? Eu não tenho nenhuma ilusão. Adeus Jaguara, adeus São Simão, adeus Miranda.

Economia

José Antônio Bicalho

Jornalista especializado em economia e editor de O Beltrano