O desmonte do Bolsa Família

Cortes de Temer atingiram 80 mil famílias beneficiadas pelo programa em Minas Gerais até julho deste ano e representam R$ 15 milhões a menos circulando na economia do Estado mensalmente


Por Lucas Simões

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

De mãos dadas com o fantasma da fome e da miséria, os cortes feitos por Michel Temer no Bolsa Família começam a afetar a economia das cidades brasileiras. Em Minas Gerais, pelo menos 80 mil famílias foram excluídas do benefício entre outubro do ano passado e junho deste ano, segundo a secretária de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Rosilene Cristina Rocha, uma das gestoras do Bolsa Família desde sua implantação. Ela também denuncia que novos cadastros não estão sendo aceitos.

Segundo Rosilene, além do desamparo da faixa mais empobrecida da população, os cortes representam cerca de R$ 15 milhões mensais a menos em circulação em Minas. “O reflexo se dá na vida das pessoas e na economia das cidades. Levantamos na Sedese que R$ 15 milhões deixam de girar na economia, todo mês, com os cortes. Estamos falando da pessoa que não vai mais à feira, não vai à vendinha, não vai ao salão de cabeleireiro do bairro. Aí você inicia o ciclo: comércios que fecham e famílias que empobrecem”, diz Rosilene.

O cenário é resultado direto da política “pente fino” aplicada ao Bolsa Família pelo governo Temer desde outubro de 2016. À época, 1,136 milhão de famílias tiveram o benefício suspenso — sendo que 469 mil famílias foram excluídas definitivamente do programa por terem renda per capita superior a R$ 440. Outras 667 mil famílias tiveram o benefício bloqueado por três meses, até regularizarem a documentação exigida pelo Governo Federal.

Na semana passada, Temer suspendeu o reajuste do Bolsa Família, previsto para 4,6%, percentual acima da inflação dos últimos doze meses. “É um corte sob a justificativa de economizar R$ 800 milhões do orçamento federal, o que não é nada. O governo suspendeu um aumento básico, que já estava anunciado. A folha (de pagamentos) já estava rodada, as pessoas já tinham sido avisadas. Então, foi muito dramático”, diz Rosilene.

Impasse

Segundo Rosilene Rocha, o governo Temer também tem se recusado a aceitar novos cadastrados no Bolsa Família. Ainda no ano passado, o secretário Nacional de Renda e Cidadania, Tiago Falcão, anunciou como medida emergencial após o corte histórico no programa a criação de 150 mil vagas para compensar parte dos quase 500 mil excluídos. Na prática, porém, a aceitação de novos pedidos está engessada, de acordo com Rosilene.

“Estamos vivendo cortes pequenos mensalmente desde outubro. Neste mês vamos ter mais. Mandávamos as listas dos beneficiários para repor as vagas e o Governo Federal não repunha. Na quarta-feira passada (5/7) mandamos mais uma lista, sem resposta. E sabemos que as pessoas não vão ser incluídas. Criaram uma espécie de burocracia para impedir novos cadastros. A gente manda, eles não aceitam. E isso contraria o próprio programa, que tem fila de espera”, diz a secretária.

Convertido em lei em 2004, o Bolsa Família tem um teto máximo para contemplar 13 milhões de pessoas no Brasil inteiro. Esse é o número estimado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de cidadãos em situação de pobreza extrema e que necessitam do benefício. O cancelamento de cadastrados e a rotatividade de beneficiários é natural, segundo a secretária, uma vez que os inscritos têm dados cruzados em diversos cadastros que podem apontar melhoria na renda ou morte, como Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), Sistema de Controle de Óbitos (Sisobi) e CNPJ, por exemplo. O problema, segundo a secretária Rosilene Rocha, é que a abertura de novos cadastros não está acontecendo.

“Cada município tem uma cota de beneficiários, um teto máximo calculado pelo IBGE. É normal alguns deixarem o programa porque conseguiram renda, e outros entrarem. Mas essa cota simplesmente não está sendo respeitada. Em Minas Gerais, o teto para abrigar beneficiários é de um milhão e cem mil famílias. Esse era o número que tínhamos em outubro passado e que deveria ter sido mantido. Mas, hoje, em julho de 2017, temos um milhão e vinte mil famílias cadastradas. Ou seja, faltam 80 mil famílias aí”, diz Rosilene.

Impactos

Diante da situação, o Fórum Nacional de Secretários de Estado de Desenvolvimento Social (Fonseas), do qual Rosilene faz parte junto a outros 26 secretários do país, abriu um canal de diálogo com o secretário Nacional de Renda e Cidadania Tiago Falcão. Na próxima reunião, marcada para acontecer entre os dias 21 e 22 de julho, os secretários pretendem cobrar um cronograma do Governo Federal para voltar a cumprir o teto do Bolsa Família.

Além disso, o Fórum pretende iniciar lobby no Congresso Nacional para conseguir apoio dos parlamentares, a partir de um relatório ainda a ser finalizado, que mostrará o impacto econômico dos cortes no Bolsa Família. “É importante que cada secretário converse com as bancadas federais, num movimento suprapartidário. É preciso explicar como a ausência do Bolsa Família afeta as economias locais e o transtorno que trará aos prefeitos de qualquer partido quando isso se agravar. Por que é na porta dos prefeitos que as pessoas batem”, diz Rosilene.

“Num cenário de 14 milhões de desempregados, a retração no sistema de proteção social brasileiro significará fome. O que já está acontecendo: famílias passando literalmente fome”, diz a secretária.