O Parque é nosso

Juventude do Barreiro reivindica o uso democrático de espaços públicos para festas e eventos culturais. PM proíbe arbitrariamente eventos na pista de skate


Por Petra Fantini

Publicado em 08/06/2018

Foto: Felipe Vieira/Instituto Macunaima

O Parque do Skate, no Barreiro, é fruto da resistência e auto-organização das juventudes locais. Localizado no centro da regional, próximo da unidade da Universidade Católica (PUC), o local é ponto de encontro de jovens skatistas, ciclistas e de integrantes de movimentos musicais como o hip-hop, rock, funk e trance. Recentemente, porém, o 41º Batalhão da Polícia Militar, que fica a poucos metros do local, decidiu por conta própria proibir que o Parque receba qualquer evento.

O impasse ultrapassou os limites do Barreiro e chegou ao conhecimento de “Belo Horizonte”, conforme os barreirenses de forte identidade regional chamam o resto da cidade, por causa do cancelamento da festa de aniversário dos três anos do coletivo de música eletrônica Masterplano, no último sábado (02/06). Após reunir todos os documentos exigidos para a autorização da Prefeitura, o coletivo não conseguiu a assinatura da polícia que confirmaria estar ciente da realização do evento no Parque. Sem esse documento, o coletivo não conseguiu a emissão do alvará final que legalizava a ação.

A negativa teria partido do tenente-coronel Messias Alan de Magalhães, comandante do 41º Batalhão, por conta do afluxo crescente do público de comunidades próximas nos últimos eventos de rap e funk. Segundo Carolina Mattos, uma das organizadoras da festa, os oficiais afirmaram que a ordem é impedir qualquer evento na praça. A Polícia também se recusou informar por escrito os motivos para a não liberação da festa, “o que mostra claramente que eles não têm justificativas cabíveis ou legais para fazer isso”, disse o Masterplano em nota.

A PM não tem poder de decisão sobre o uso do espaço público para eventos, que é de competência da Prefeitura. A corporação deve apenas ser informada da ação para que a licença seja emitida. “Não cabe a PM impedir que moradores de ocupações e favelas tenham acesso a entretenimento e possam organizar seus próprios movimentos culturais”, diz o texto do coletivo.

A tenente Janaína, que recebeu o grupo do Masterplano, chegou a mostrar um vídeo em que a PM dispersa uma festa de funk no local, “numa clara tentativa de ameaça e coerção”, conta Carolina. Ela lembra que esta é a mesma polícia que, durante o carnaval, dificultou ao máximo a saída do bloco Filhos de Tcha Tcha nas ocupações do Barreiro e, no final do desfile, dispersou os foliões com bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta.

Os organizadores tentaram diálogo com os agentes em três ocasiões na semana que antecedeu o evento, e mesmo sem a assinatura da PM arriscaram montar a festa. Como previsto, os agentes estavam a postos no Parque e pararam tudo antes mesmo de o som ser ligado. O grupo decidiu, então, antecipar a festa que seria realizada mais tarde no Viaduto das Artes, uma zona de concessão pública regularizada, mas os policiais também não permitiram.

Numa última tentativa, o Corpo de Bombeiros e a fiscalização da Prefeitura foram chamados para tentar resolver o impasse, porém uma brecha na documentação confirmou o não acontecimento da festa. Segundo os fiscais, no espaço do viaduto é permitida a realização de eventos artísticos e culturais, mas não poderia abrigar uma manifestação festiva. A interpretação dos órgãos públicos, portanto, seria de que festa não é cultura. O cancelamento das festividades causou um prejuízo de R$ 6.304,53 para o coletivo Masterplano, dinheiro angariado através de doações.

Foto: Felipe Vieira/Instituto Macunaima

História de resistência

O rapper e produtor cultural Anderson Fabricio dos Santos, conhecido “até pelo cachorro que late na rua” como Mano Bill, atua no cenário do hip-hop do Barreiro desde 1997. Ele esteve à frente do movimento pela construção do Parque de Skate, inaugurado há 10 anos para servir como espaço de convívio e manifestações das juventudes.

A prefeitura tinha uma parceria firmada com a PUC para a manutenção do local. Com o fim do contrato, a administração retornou para as mãos da prefeitura, que o abandonou. “Desligaram a água, as luzes são precárias pra caramba, não tem mais o apoio da jardinagem. De vez em quando a PUC sede os jardineiros deles para fazer uma limpeza ou outra quando está demais”, relata Mano Bill. Agora, os próprios utilizadores do Parque se unem para garantir a limpeza após encontros e festas no local.

Foto: Felipe VIeira/Instituto Macunaima

A polícia também tem sido um problema para o duelo de MC’s, a Batalha Clandestina, que acontece toda quarta-feira no parque. O evento, que Mano define como uma ocupação do espaço público, acontece desde 2016, quando um outro movimento de hip-hop deixou de existir. A clandestinidade vem da espontaneidade da iniciativa, que não tem nem alvará nem estrutura adequada, “mesmo que isso não seja necessário num espaço público construído pela, para e com a juventude”, diz Mano Bill.

Organizada pelo coletivo Movimenta Barreiro, a Batalha tem crescido exponencialmente: de 30, passou para 600 e hoje chega a mil expectadores. A multidão de jovens atraiu o consumo de drogas e, por isso, os agentes do 41º Batalhão têm tentado impedir a festa desde o final do ano passado. O modus operandi é o mesmo da atuação contra o Masterplano: a corporação exige o registro do evento, mas não assina o documento que liberaria o alvará.

Foto: Felipe Vieira/Instituto Macunaima

“Nós somos a favor da legalização da maconha, sempre lutamos, vamos nas marchas. Mas a gente conscientiza a galera da importância de não usar droga no espaço, principalmente quando ta acontecendo o nosso rolê”, diz Mano Bill. A primeira ação policial deste ano foi violenta. Os soldados agrediram os participantes do duelo e exigiram que todos fossem embora. “A gente resistiu, não saímos. Fizemos um cordão de isolamento em volta do som e não deixamos eles levarem. Nós apanhamos pra caralho, mas não abrimos mão”, conta o rapper.

Mano Bill entrou em contato com o deputado estadual Cristiano Silveira (PT), que é presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (Almg) e tem lutado para conseguir o alvará definitivo de utilização do espaço. Com a presença de Cristiano, o movimento conseguiu iniciar um diálogo com os policiais.

O secretário estadual de Educação Wieland Silberchneider comversa com o pessoal da Batalha Foto: Felipe Vieira/Instituto Macunaima

Outro passo foi o contato com o secretário estadual de Educação, Wieland Silberchneider, para a apresentação dos projetos Escola para Além dos Muros e do Centro de Referência da Juventude do Barreiro. “A batalha estava ficando repetitiva, só duelo, então a gente pensou em dar uma capacitada melhor na galera”, diz Mano Bill. O secretário esteve na Batalha Clandestina na noite de ontem (06/06), declarando seu apoio ao movimento. A polícia militar também marcou presença exigindo o alvará novamente, mas os organizadores da Batalha conseguiram dialogar e dar prosseguimento ao evento.

“É muito emocionante a gente ver que, num horário em que a maior parte dos jovens está na frente da televisão, esses procuram se encontrar para partilhar o rap, a música, a convivência”, disse o secretário depois da sua fala na abertura do evento. Rodrigo Zacarias, presidente do Instituto Macunaíma de Cultura (leia mais sobre sua atuação na cultura do Barreiro www.obeltrano.com.br/portfolio/descentraliza-bh/), anunciou a criação de uma comissão para cuidar das ações culturais do Parque do Skate que, com o apoio de advogados, procura organizar e legitimar o movimento.

Wanderson de Sousa Cleres, professor do ensino básico estadual e membro do movimento Periferia Criativa, está à frente da ideia de um Centro de Referência da Juventude do Barreiro. O projeto surgiu “da necessidade de ter um espaço, no Barreiro, que dialogue com a juventude alternativa que historicamente foi marginalizada e excluída desse processo de construção política, de participação do cenário nacional”, define o educador.

O secretário estadual de Educação Wieland Silberchneider com o pessoal da Batalha
Foto: Felipe VIeira/Instituto Macunaima

O atual Centro de Referência da Juventude, localizado próximo à Praça da Estação (conheça a iniciativa www.obeltrano.com.br/portfolio/democracia-e-acao/), no Centro de Belo Horizonte, já tem uma grande importância, diz Wanderson, “mas está na vez da periferia ter um espaço designado para fomentar a política, arte e cultura com quem, muitas vezes, não tem meios para se deslocar para o centro da cidade”, diz. “A gente percebe que as instituições tradicionais, como as escolas, não estão dando conta de dialogar com a subjetividade dessa juventude. Então a gente precisa de outros espaços formativos que consigam dar uma direção e possibilite a esses jovens interferir e transformar o mundo”, diz Wanderson.

O presidente da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado Minas Gerais (Emater), Glênio Martins de Lima Mariano, também curtiu a Batalha desta quarta-feira. Nascido no Barreiro, Glênio se envolve com movimentos de juventude e periferia desde os tempos de colégio. “A juventude tem suas peculiaridades. Não só no campo do emprego, mas também da formação e do acesso ao esporte e lazer”, observa, exaltando as iniciativas de ocupação de praças. A movimentação do Barreiro, para Glênio, vem da beleza do próprio processo de formação de seu povo, composto por descendentes de povos indígenas, quilombolas e operários imigrantes.

Foto: Felipe Vieira/Instituto Macunaima

Entramos em contato com a PM na tarde desta quinta (07):

Prezados, 

Boa tarde! Me chamo Petra, sou repórter do jornal O Beltrano. 

Movimentos sociais têm denunciado que o 41º Batalhão da PMMG tem impedido a realização de eventos em locais públicos da região do Barreiro, como o Parque do Skate e o Viaduto das Artes.

Segundo relatos, os organizadores apresentam a documentação da prefeitura mas os agentes se recusam a assinar o documento declarando que estão cientes dos eventos. 

  • A corporação tem conhecimento dessa restrição?

  • Por que ela ocorre?

  • Por que a festa em comemoração dos três anos do coletivo Masterplano foi impedida de acontecer no último sábado (02/06) no Parque do Skate e depois no Viaduto das Artes?

Agradeço desde já pela atenção e aguardo retorno até o final do dia de hoje (07/06).

Que nos respondeu:

Boa tarde,

segue esclarecimento sobre a demanda:

PRIMEIRA REGIÃO DA POLÍCIA MILITAR – 41º BPM  

Reconhecemos que indivíduos tentam realizar Bailes Funk em vias públicas, incluindo as ruas no bairro Jatobá IV, sem possuírem autorização da prefeitura ou Corpo de Bombeiro, bem como sem comunicação prévia à Polícia Militar. Nesses Bailes não há montagem de palco ou qualquer outra estrutura, de forma que tentam manter oculta a intenção dos organizadores, apenas no momento que se inicia o Baile é que instalam as caixas de som, que normalmente são transportadas em veículos automotores, o que propicia o rápido início do som e também o rápido recolhimento dos aparelhos quando da chegada da Polícia Militar no local. Destaca-se que o trabalho policial é dificultado nessas intervenções, pois os Bailes normalmente envolvem um grande número de participantes, principalmente adolescentes, que autorizados, ou não, por seus responsáveis participam desses eventos.

A Polícia Militar sempre atua no sentido de coibir eventos que não possuam alvarás de funcionamento junto à Prefeitura Municipal e ao Corpo de Bombeiros. Em diversas ocasiões, ao ser detectado o Baile naquele local, foram feitos contatos com os responsáveis e interrompido o baile, bem como sempre é acompanhada a dispersão dos frequentadores a fim de evitar desordens e para garantir a integridade física dos participantes.

Questões relacionadas a pertubação do sossego não se trata de problema exclusivo do bairro Jatobá IV. Bares e outras festas particulares também provocam inúmeros acionamentos da Polícia Militar, via “190”, e estes são atendidos. A título de exemplo, na data citada, 02/06/2018, houve início de outros bailes funk, nos bairros Barreiro e Vila Esperança, em que a Polícia Militar interveio e provocou o encerramento do baile, pois os organizadores não possuíam autorização para a evento.

Salientamos que os Bailes no bairro Jatoba IV não ocorrem todos os sábados e domingos, como alegam os moradores da rua Samuel Peres Siqueira, na reclamação, pois se assim o fosse, seria fácil reprimi-los, estes ocorrem esporadicamente.

Aproveito a oportunidade para nos colocar novamente à disposição da comunidade do bairro Jatobá IV para tratar e enfrentar o problema apresentado, estando a 12ª Cia PM aberta a todos. Além disso, assim como em datas pretéritas, reforçaremos o policiamento do local já neste final de semana e nos próximos, com a finalidade de evitar a ocorrência de Bailes Funk em via pública, sem autorização.

Também ressaltamos que há na região do Vale do Jatobá várias redes de proteção de vizinhos e comerciantes que estão bastante ativas e estes não corroboram as críticas realizadas, pois sabem do profícuo trabalho desenvolvido pela Polícia Militar na região, diuturnamente, por meio do policiamento em Moto Patrulhas, policiamento a pé, Radio Patrulhamento e Patrulha de Operações Policiais.

A 12ª Cia PM, responsável pelo policiamento na região, encontra-se situada à Avenida Senador Levindo Coelho, nº 2136 – Vale do Jatobá – com o Telefone 3385-5139. A população também pode procurar a Base de Segurança Comunitária do Vale do Jatobá, no horário de 14h às 23h30min, pessoalmente ou pelo telefone 2108-4871.

Além disso, a Polícia Militar trabalha ininterruptamente para atender toda a sociedade e sempre se coloca à disposição para atendimento da população através dos telefones “190” ou Disque denúncia, “181”.