O risco, a sério
Jornal O BELTRANO publica artigo do professor e urbanista Roberto Andrés questionando o apoio aberto de jornal mineiro ao candidato Jair Bolsonaro. Rafael Mendonça, editor de O BELTRANO, comenta.
Publicado em 03/10/2018
O BELTRANO veio ao mundo com o intuito de fazer jornalismo. Praticamente aquele ensinado, ingenuamente, na academia. Aquele que é ético, é profundo, é justo e principalmente correto. Sempre afirmamos, mesmo em nosso editorial, que temos lado sim, o das minorias, o dos necessitados de uma voz, os que não encontram isso na grande imprensa.
O crescimento de Jair Bolsonaro nos últimos anos faz parte de um conjunto de coisas e projetos de poder muito mais complexos que este espaço permite explicar. Mas é de seu viés fascista e os males que isso traz para a imprensa é que é discutido aqui embaixo pelo grande amigo de muitos e longos carnavais Roberto Andrés. E, um dono de jornal, ao apoiar o candidato que abertamente defende a perseguição de seus diferentes, vai ao contrário de tudo o que prega a academia, a profissão e o bom senso.
O BELTRANO reitera seu compromisso com a liberdade, com a necessidade de ir contra movimentos autoritários e que se transformarão em uma bola de neve com consequências terríveis. Infelizmente já vivos, digo, vimos essa manchete no Brasil e no mundo. Ou melhor, não vimos, pois ela foi censurada por um ignorante censor em uma mesa na redação. Pelo jornalismo livre, sempre!
Rafael Mendonça, fundador e editor de O BELTRANO
O risco, a sério
Por Roberto Andrés
O artigo de Vittorio Medioli no último domingo, publicado no jornal O Tempo, tem o título “O Risco” e trata das eleições presidenciais. Pensaríamos tratar do risco apresentado pela candidatura de Jair Bolsonaro, que elogia ditaduras, fala em “autogolpe” e em metralhar seus adversários políticos.
Algo na linha do que vem apontando com muita consistência o professor de Harvard Steven Levitsky, em uma série de artigos na Folha de São Paulo. Levitsky é co-autor do livro “Como as democracias morrem” e tem argumentado em sua coluna que o Brasil encontra-se em momento grave.
Sem meias palavras, o professor de Harvard afirma que “Jair Bolsonaro representa uma séria ameaça à democracia” (https://bit.ly/2QyNHKE).
Em seu livro, Levitsky propõe um teste para verificar se um candidato é autoritário, resumido em quatro perguntas: 1) O político questiona as regras democráticas do jogo? 2) Encoraja a violência? 3) Nega a legitimidade dos oponentes? 4) Mostra disposição de restringir as liberdades civis dos rivais?
O autor conclui que Bolsonaro se enquadra nos quatro critérios e apresenta sérios riscos à democracia brasileira. Já Ciro, Marina, Alckmin e Haddad não apresentam sinais de autoritarismo.
Na mesma linha argumenta a professora titular da USP Maria Herminia Tavares de Almeida, historicamente crítica ao PT. Em artigo recente, sem deixar de citar os problemas dos governos petistas, ela aponta que o partido nunca buscou mudar as regras do jogo, respeitou as derrotas eleitorais e não ameça romper o pacto democrático – ao contrário de Bolsonaro (https://bit.ly/2QmnwWE).
Mas Medioli não tratou desses riscos. Buscou normalizar a candidatura do ex-capitão, colocando seus defeitos na conta da imprensa e sua candidatura como uma “terceira via” que correria risco por desafiar o sistema.
De maneira ainda mais grave, o autor afirmou que “o cenário se apresenta entre saudosos de Lula e saudosos de uma época de ‘normalidade’, em que o Estado era discreto, cobrava pouco e não atrapalhava. Em que as coisas se resolviam pelo bom senso, e não pela judicialização.”
Aqui, fiquei confuso. Que época de “normalidade” foi esta? O autor estaria se referindo a uma ditadura que cassou mandatos, censurou a imprensa, torturou oponentes, e entregou o país em caos econômico com inflação meteórica?
Os regimes autoritários sempre contaram com apoio de setores da imprensa, da classe política moderada e do empresariado para chegar ao poder. Foi assim com Hitler e Mussolini – e aqueles que os apoiaram foram rapidamente extintos do mapa. O Golpe de 1964 no Brasil foi apoiado por Carlos Lacerda, que foi preso e teve seus direitos políticos cassados 4 anos depois.
Medioli nasceu na Itália do pós guerra. Pessoas da sua geração viveram o horror do nazi-fascismo na Europa. Bolsonaro não é uma saída, mas um risco sério de adentrarmos um período de horror, em que a imprensa será a primeira a perder sua liberdade.
Roberto Andrés é urbanista, professor da UFMG e editor da revista Piseagrama.