Ocupação na avenida Afonso Pena é alvo de reintegração de posse
Ocupação Carolina de Jesus, composta por 200 famílias, contesta a propriedade da empresa de previdência privada Sistel sobre o edifício situado no bairro Funcionários. Neste sábado, eles realizam um ato público, a partir das 17h, contra um decisão judicial que determina a desocupação do imóvel até este domingo.
por Lucas Simões (texto e fotos)
O edifício da avenida Afonso Pena de número 2.300, no bairro Funcionários, ocupado por 200 famílias na última quinta-feira (07/9) durante a madrugada do simbólico Dia da Independência, corre risco de despejo com a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), proferida na sexta-feira (08/09), determinando a reintegração de posse. O prédio estava vazio há pelo menos 10 anos.
Nomeada “Ocupação Carolina de Jesus”, em homenagem à autora do célebre livro “Quarto de Despejo”, e com o apoio do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), a ocupação reivindica não só o direito à moradia digna. Também questiona a nebulosa história da propriedade e finalidade de um prédio que nem mesmo o poder público reconhece como legítima.
Procurada, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) não soube precisar se o edifício é público ou privado. Apesar disso, atualmente o prédio integra um catálogo do plano de revitalização do hipercentro, projeto apresentado pelo prefeito Alexandre Kalil (PBH) em março deste ano.
O imóvel chegou a ser alugado pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), entre 2001 e 2006, quando foi definitivamente desocupado. À época, a SES firmou um contrato de locação com o Sindicato dos Eletricitários, absorvido posteriormente pela Fundação Sistel de Seguridade Social, fundo bilionário de previdência privada dos empregados das empresas do antigo sistema Telebras (empresas de telefonia privatizadas), com sede no Distrito Federal, em Brasília, e que reivindica a posse do imóvel.
Por diversas vezes, a reportagem tentou contato com a gerente de relacionamento da Sistel, Ana Cristina de Vasconcelos, para esclarecimentos sobre a legítima propriedade do prédio, mas não obteve retorno. Nesta sexta-feira à noite (08/09), a Fundação Sistel obteve decisão favorável a uma ação de reintegração de posse na justiça. A decisão judicial deu prazo de 24h para que o prédio seja desocupado, ou seja, até este domingo (10/09) – sob pena de autorização de uso de força por parte da Polícia Militar (PM) para cumprir a decisão.
Para Edinho Vieira, integrante do MLB, existe um imbróglio sobre a propriedade do prédio ainda não esclarecido. “O que a gente sabe é que esse prédio é de origem pública, do governo federal. Na década de 1990, esse imóvel foi colocado no bolo das privatizações (do setor de telefonia). E, hoje, quem se julga dona do prédio é a Sistel, uma empresa de previdência privada. Mas isso não é algo claro. A gente acredita que o prédio passou a privado de uma forma ilegal. Tanto é que o prédio está sem ninguém há quase uma década”, explica Edinho.
Por fora, os 14 andares do edifício impressionam. Mas não mais do que sua generosa área útil interior, de 5.966 metros quadrados, completamente abandonada antes da chegada de pessoas em situação de rua e de famílias sem moradia. Rapidamente, os novos ocupantes montaram uma cozinha no terceiro andar, aproveitando a pia e a bancada de uma ampla sala que dá para o térreo. Também estruturaram quartos improvisados, com colchonetes dispostos lado a lado, além de um berçário e uma creche, decorados e com brinquedos, para dar suporte às cerca de 40 crianças da ocupação. Ainda programam montar um cinema numa ampla sala escura do primeiro andar.
Muitas das famílias que compõe a Ocupação Maria Carolina de Jesus vivem em situação de rua há pouco tempo ou perderam moradias por conta da crise. É o caso do camelô Diogo Rafael Pereira da Silva, de 29 anos, que ficou dois meses morando na rua, após o prefeito Alexandre Kalil proibir a atuação de camelôs na região do hipercentro, como parte do plano de revitalização da região.
“Eu vim de Uberlândia para tentar a vida aqui. Eu, minha esposa e meu filho de um ano, que veio com dez meses. Quando o Kalil me impediu de trabalhar, no mesmo dia afetou o que eu tinha para comer. Tenho que fazer bico de estacionamento, essas coisas. Se não fosse o MLB, nem teto eu tinha agora, nesse minuto”, desabafa Diogo.
Sem condições de arcar com o aluguel de um barracão Sete Lagoas, a diarista Zilmara Moreira, de 35 anos, começou a fazer parte do MLB após ir morar de favor, há cerca de dois meses.
“Eu e meu marido ficamos desempregados. Vim morar de favor no bairro Jardim Guanabara com meus dois filhos, na casa de uma amiga. Mas não podia mais ficar assim. Meus filhos, de 7 e 10 anos, não têm uma referência, até hoje, de saber onde é a casa deles, e sofrem por isso. Antes, a gente conseguia pagar o aluguel. Agora tá pior porque, pra gente, que ganha um salário mínimo, não dá para tirar R$ 400 para aluguel. Na minha casa eu não tenho nem tanquinho ou máquina, lavo roupa na mão. Só tenho uma TV e uma geladeira e não consigo pagar a conta de luz, de R$ 100”, conta Zilmara.
Uma situação similar à de Inês Maria de Oliveira, de 59 anos. Antiga moradora do Conjunto Felicidade, no Vetor Norte, ela luta há quase dez anos para conseguir a casa própria. Mas decidiu recorrer à ocupação agora, após a família começar a passar dificuldades, “o que nunca tinham acontecido”.
“Estamos há oito anos na luta. Sempre foi difícil, suado, mas a gente ia levando, alguma coisa acontecia. Já fui até em Brasília com promessa de casa popular, moradia, e nada. No ano passado fiquei com dois filhos desempregados dentro de casa. Tenho mais outros cinco casados e que também não estão conseguindo pagar aluguel. Vamos fazer o que?”, questiona Inês Maria de Oliveira, de 59 anos.
Na tarde deste sábado (09/09), a partir das 17h, a Ocupação Maria Carolina de Jesus vai realizar um ato no prédio ocupado, em protesto à decisão judicial que determina a desocupação do imóvel até este domingo (10/09).