Onda conservadora na educação

Vereadores conservadores querem acabar com a discussão política e sobre sexualidade nas escolas de BH


Por Lucas Simões

Foto: Bernardo Dias

Punir alunos que depredarem patrimônio com tarefas como lavar banheiros. Coibir debates sobre sexualidade sob alegação de combater a apologia gay. E implementar o retrógrado projeto Escola Sem Partido até o fim do ano. Esse é o resumo da espantosa agenda que a bancada evangélica na Câmara Municipal prepara para a educação de Belo Horizonte, com três projetos de lei sobre o assunto em tramitação na casa, todos prontos para serem apreciados.

Liderados pelo vereador e pastor Fernando Borja (PTdoB), pelo menos 21 parlamentares estão “fechados” para a aprovação do Escola Sem Partido, segundo ele. “Tenho as assinaturas da maioria da casa. Só não quis pegar mais do que o necessário, que são 21. Mas vamos levar essas pautas adiante, sim”, garante Borja.

Fernando Borja Foto: Bernardo Dias – CMBH

No dia 20 deste mês, o grupo de 21 vereadores, entre eles 16 pertencentes à bancada evangélica, assinaram o PL 274/2017 e colocaram em tramitação na casa o projeto Escola Sem Partido. A proposta já havia sido apresentada pelo vereador Sérgio Fernando (PV) sob o número 1911/2016 no ano passado, mas como ele não foi reeleito para esta legislatura, a pauta foi arquivada.

Em março deste ano, o Escola Sem Partido foi considerado inconstitucional pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Carlos Barroso. Ele impediu a implementação da proposta em Alagoas, após aprovação do projeto pela Câmara do município. Ainda assim, Fernando Borja vai tentar contornar a inconstitucionalidade. Segundo ele, o projeto da capital mineira foi revisto e vai se resumir a um cartaz a ser afixado nas salas de aula ou nos corredores das escolas.

“A única coisa que o projeto faz é tornar obrigatório um quadro ou folheto na sala de aula, no corredor da escola, onde for melhor, falando sobre os deveres do professor. E os direitos de qualquer aluno. O professor não pode aproveitar daquela audiência cativa que tem com os alunos para promover qualquer preferência de ideológica, de moralidade ou partidária”, disse. “O cara não pode estar defendendo militares ou o Bolsonaro, como também não pode estar falando de feminismo, marxismo, religiosidade ou ideologias de gênero”, completa Borja.

Ao ser questionado se haveria proibição da discussão da teoria marxista, por exemplo, o vereador recuou. “Veja bem. O professor de história, ele sim, pode falar do marxismo, mas no mesmo espaço que ele fala sobre teorias liberais. Tem que ser igual o espaço. Agora, um professor de matemática, de biologia, não pode falar de ideologia. Tem que se ater à matéria para a qual ele foi contratado para ensinar”, diz o vereador. A intenção de Borja é que o projeto seja apreciado em, no máximo, 90 dias. Nesse tempo, ele também articula a aprovação de outras duas propostas polêmicas.

Punições

Tão ou mais controverso que o Escola Sem Partido, o PL 106/2017, também de autoria de Fernando Borja, quer punir alunos que desrespeitarem professores, picharem a escola ou subtraírem objetos de colegas ou funcionários. E também pretende responsabilizar os tutores dos supostos alunos infratores. Segundo o artigo 1º do projeto, “ficam os estabelecimentos da rede municipal de ensino obrigados a executar a aplicação de atividades com fins educativos como penalidade posterior à advertência verbal ou escrita”.

Apesar de descrita como “penalidade educativa”, as punições seriam basicamente tarefas braçais, segundo o próprio Borja. “São coisas como lavar banheiro, varrer o chão da escola, limpar o jardim. É algo educativo ou não?”, questiona o vereador.

O PL 106/2017 ainda prevê que os pais dos estudantes possam ser responsabilizados. O artigo 2º do texto estabelece que “caberá ao pai ou responsável legal reparar o eventual estrago causado à unidade escolar ou aos objetos dos colegas, professores e servidores públicos”.

Além disso, em um campo mais amplo, o PL prevê a perda de benefício sociais dos pais, como diz o artigo 6°, último do texto: “Fica estabelecido que os pais ou responsáveis que não matricularem, acompanharem a frequência e o desempenho escolar de seus filhos, ou que não atenderem à convocação do gestor escolar, para comparecimento à escola, terão suspensos todo e qualquer benefício social”.

A ideia do vereador é incluir atores como Ministério Público e Guarda Municipal na aplicação das medidas. “Estamos conversando com o MP. Queremos uma atuação deles na aplicação dos trabalhos socioeducativos, é a representação da lei que deve ser cumprida. Existe também a premissa de que a Guarda Municipal possa fazer ronda nas escolas como prevenção, nos horários de saída e chegada dos alunos. Mas a ideia é que pais, diretores das escolas, MP, vereadores, todos se unam na aplicação dessas medidas e cheguem a um senso comum”, completa o parlamentar.

Foto: Bernardo Dias – CMBH

Sexualidade

Para completar, Fernando Borja também conseguiu colocar em tramitação o PL 166/2017, sob a justificativa de estabelecer a proibição de divulgação de material pornográfico ou obsceno para crianças e adolescentes na rede municipal de educação. O assunto foi tema de reunião entre Borja e o Procurador Geral do Município, Tomaz de Aquino, no dia 20 de junho, em uma tentativa do parlamentar de ganhar respaldo para a proposta também fora da Câmara.

“Não podemos permitir que crianças e adolescentes que ainda não têm idade para vários assuntos entrem em contato com propagandas, folders e livros didáticos que explorem isso de forma errada”, justifica Borja. Ele cita o programa do Governo Federal, “Escola sem Homofobia” (2004), que produziu o que ficou pejorativamente conhecido como “kit gay”, para embasar parte da decisão da lei que pretende aprovar. “Criança receber material sem cabimento já teve, né? O ‘kit gay’ da vida ensinando, em uma cartilha para crianças de oito ou nove anos, como colocar uma camisinha com a boca? Como pode isso?”, argumenta o vereador.

Apesar disso, o texto do projeto dá brechas para cerceamentos de assuntos diversos, como abordagem da bissexualidade, da masturbação e das orientações de gênero. Trecho do texto determina inclusive a proibição de certas abordagens, caso haja consentimento dos pais: “A lei não permite a professores ou agentes de saúde ministrar ou apresentar temas da sexualidade adulta a crianças e adolescentes – abordando conceitos impróprios ou complexos como masturbação, poligamia, sexo anal, bissexualidade, prostituição, entre outros – sem o conhecimento da família, ou até mesmo contra as orientações dos responsáveis”.

Os projetos ainda não foram apreciados em nenhuma comissão da Câmara Municipal, nem mesmo a de Constituição, Legislação e Justiça (CLJ), que determina a constitucionalidade ou não de cada PL. Mas, a expectativa de Fernando Borja é que as três propostas possam receber aval até o fim deste ano. “O Escola Sem Partido deve ter um prazo de 90 dias para ser apreciado. Acredito que, se possível, os outros dois projetos possam andar juntos”, disse Borja.